Série: O que há com a Educação brasileira?


Da Redação
18/06/2023

Ausência de ensino crítico mantém desigualdade social e prejudica desenvolvimento

 

No texto de hoje, a professora Maria Amelia, presidente nacional do Movimento Trabalhista pela Educação, discorre sobre a evolução da educação brasileira, em um recorte entre a ditadura de 1964 e os dias atuais. Ela aborda a transformação da área: do tecnicismo militar às intervenções trabalhistas para a retomada do ensino crítico, com base em teóricos com Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro.

A líder trabalhista também faz uma relação entre qualidade de ensino e posição social, em que afirma que o sistema capitalista, tal qual existe, impõe a estagnação socioeconômica dos trabalhadores por meio de políticas ou antipolíticas educacionais. Para exemplificar, a professora cita mudanças conservadoras na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) e a campanha pelo enfraquecimento dos Cieps.

Confira abaixo a segunda pergunta da entrevista com a professora Maria Amelia.

 

O quanto, e como, o retrocesso na Educação brasileira afeta o desenvolvimento e a qualidade de vida no país?

Como me referi anteriormente, mais retrocessos se colocam para a Educação brasileira atingindo, sobremaneira, a maioria da nossa população trabalhadora mais pobre, bem como a qualidade de vida para todos os brasileiros.

O modelo civilizatório que nos foi imposto pela subalternidade ao capital nacional/estrangeiro, que inclui o dólar como referência, traz em si como um de seus eixos a produção de projetos educativos nos quais estão embutidos conhecimentos determinados, modos de educar que se concretizam a partir de currículos e planejamentos educacionais tecnificados. É uma fonte primária da manutenção do poder dominante, sem que este corra riscos ao negar à maioria dos trabalhadores uma vida com qualidade social, na pátria onde nasceram e viveram seus ancestrais.

A partir da importância de compreender a educação como fato e fenômeno sociais que se articulam ao desenvolvimento e qualidade de vida em qualquer país, destaco algumas questões capazes de nos fazer pensar mais profundamente sobre seu conceito: Para que educar? Para quem e para o que se educa? Educar para que mundo? Onde estão os saberes desconhecidos ou silenciados? Tais saberes, para que servem? Para quem servem?

Lembramos que as reformas educacionais dos tempos da ditadura militar de 1964 minimizaram conteúdos escolares básicos das ciências naturais, das ciências sociais, da arte e da música, das culturas diversas, da educação física, entre outras a partir da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação – Lei 5692/1973.

Esta lei, fundamentada na tecnologia transferida para a educação, determinava que, no planejamento técnico, deveriam assentar-se os conteúdos escolares de modo a gerenciar os objetivos pré-dispostos para a educação brasileira e a partir deles as avaliações individualizadas. Desagregava-se, com isso, toda educação em sistemas simplificados, mais pobres que o anterior.

Esta Lei se diferenciava de uma educação pública com base em conhecimentos humanísticos e formativos que favoreciam a crítica política, social e econômica, anteriormente praticada – a educação trabalhista, defendida por educadores trabalhistas como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, entre outros.

Com o período de reconstrução democrática, tivemos de volta ao Brasil esses grandes pensadores motores da transformação do pensamento educacional brasileiro. Assistimos à retomada de projetos educacionais voltados a uma educação mais aberta, onde os fundamentos teórico-científicos trabalhistas e democráticos tornaram-se realidade em alguns estados da federação, apoiados por governos e políticos progressistas. Revigoraram-se as ideias primárias do trabalhismo, abafadas pelo autoritarismo recém-alijado do poder político.

Neste momento, com Darcy Ribeiro no Senado Federal, coloca-se em discussão uma nova lei nacional de educação com vistas a revolucionar a educação em todo o país, de acordo com os novos tempos que se anteviam. Retomam-se os princípios do trabalhismo com o PDT junto às possibilidades das lutas sindicais e coletivos populares em luta por melhores condições da educação, incluindo as universidades públicas.

Após muitas idas e vindas, muitos debates acalorados no Congresso Nacional, muitas controvérsias que tentavam anular o poder da educação pública voltada aos conhecimentos necessários à crítica política, e com vistas à reorganização de uma nação progressista, é editada a Lei de Diretrizes e Base da Educação – Lei 5692/86.

Lei frequentemente alterada de modo a pulverizarem-se as perspectivas de emancipação dos trabalhadores a partir da subtração de conteúdos voltados a uma educação político-crítica.

Recordo-me dos inúmeros empenhos de Darcy em ouvir o professorado de todo o país sobre a criação desta lei. Trazia-nos, em seu andar cansado e já muito doente, entre suas idas e vindas de Brasília para o Rio de Janeiro, ensinamentos e a discussão dos embates políticos exigidos no Senado. Lembro, ainda, de seus encontros com Paulo Freire, figura simpática e notável que, com sua barba estimada, muitas vezes encontrei nos corredores da Secretaria Extraordinária de Educação no Rio de Janeiro, sede da construção da inovadora experiência dos Cieps [Centros Integrados de Educação Pública].

Muitos de nós, professores do chão da escola, participamos deste empenho do então senador Darcy Ribeiro e de suas lutas no convencimento daqueles que permaneciam em suas posições retrógadas face às mudanças fundamentais necessárias ao projeto emancipatório trabalhista. Esta foi a Lei Darcy Ribeiro e iremos assim denominá-la por ainda muitos anos.

As aplicações concretas desta lei amenizaram as condições desiguais em relação aos conhecimentos educacionais distribuídos entre escolas privadas e públicas. Por outro lado, o mercado burguês, sempre atento a tudo que lhe possa diminuir ganhos financeiros, uniu-se à força e penetração das várias redes de comunicação de massa para dificultar o processo de ascensão dos mais pobres a partir da vertente educativa inspirada e concretizada por Darcy – os Cieps, escolas de educação integral, em tempo pleno, com atividades educativas produzidas pelo coletivo dos professores. Neste ponto, temos Darcy Ribeiro e o PDT como pioneiros entre vários países a implementar o que atualmente se denomina indução profissional, espécie de residência médica.

A criação dos Cieps trazia em si mesma o aprofundamento das mudanças necessárias face ao neoliberalismo crescente. Ao surgirem como antítese às forças contrárias ao seu desenvolvimento e expansão no território nacional, acabaram por sucumbir à onda de difamação promovida, de cima para baixo, por todos que se apegam, até os dias atuais, em preservar as distancias sociais, políticas, culturais e educacionais, de modo a manter a desigualdade estrutural de classes com a manutenção da escravidão disfarçada.

Com o governo Bolsonaro, as políticas adotadas atabalhoadamente retomam a força continuísta de um modelo civilizatório fundamentado, historicamente, na desigualdade de classes sociais. Esse modelo se volta contra os trabalhadores a partir da ideia de prosperidade, fomentada e imaginada para o exercício da força de trabalho e da desenvoltura individual, premiada pela criatividade e possibilidades de liderança empresarial.

Afinal, a evidência das doenças, mutilações e mortes com a pandemia indicam, com maior radicalidade, o lugar social de cada um sob o pano de fundo do separatismo das classes sociais determinadas.