Em nome da estabilidade


Arnaldo Mourthé
13/06/2017

No último julgamento do TSE, da semana passada, a nação ficou estarrecida com a inconsistência da argumentação e a ligeireza na conclusão dos quatro juízes que levaram o Tribunal a decidir pela improcedência da ação. Mas dentre as razões mais absurdas avocadas, uma chocou-me: a alegação do presidente do Tribunal da necessidade de manter a estabilidade política. Será que o cumprimento da Lei desestabiliza o País?

Nesse caso, esse foi o raciocínio do ministro. Um absurdo jurídico, pois é a Lei que estabelece a estabilidade da Nação, mesmo que ela seja injusta, como tem sido ao longo de nossos cinco séculos de história.

Mas a que estabilidade ele se refere? Fui analisar a situação em que nos encontramos para descobrir que razão miraculosa é essa que permite substituir o “império da Lei”, pela opinião esquizofrênica do ministro presidente da Corte. Vejamos que situação é essa, que necessita de estabilidade.

Mais de quatorze milhões de desempregados e outro tanto de subempregados, vivendo de biscates e pequenas atividades de produção doméstica, para sua sobrevivência. Quase cinquenta mil mortos pela violência por causas diversas, conflitos pessoais, assaltos, ações do crime organizado, balas perdidas, muitas advindas da própria polícia, que também mata em outras circunstâncias. Outras tantas vítimas de acidentes de trânsito, que não podem ser considerados estritamente como acidentes, porque superam as estatísticas de todos os países do mundo. Dezenas de milhares de mulheres estupradas, a maioria de jovens, até crianças. As pessoas morrendo aos milhares por falta de assistência médica, muitas na frente de hospitais, e por descuido prevenção de doenças. Metade da população sem saneamento básico.

Enquanto isso os trabalhadores são obrigados a fazer planos de saúde privados e caros, por decisões políticas dos mandatários e por falta de atendimento público. O ensino é de má qualidade, enquanto as empresas exigem cada vez mais qualificação de seus empregados. As grandes cidades têm transportes públicos precários e ruas entupidas de automóveis, para favorecer as fabricantes de automóveis e as concessionárias do transporte público. Somos o maior exportador de proteína do mundo, enquanto milhões de brasileiros sofrem de subnutrição. Mas ficamos por aí, apesar de haver muito mais desacertos e injustiças, pois não cabem em um artigo. E só falamos ainda de questões objetivas.

Temos um quadro grave, talvez mais grave que todos os outros porque atinge o conjunto da população, quando tratamos de questões subjetivas como a informação. Somos um povo desinformado, não por nossa culpa ou desejo. Mas porque o poder assim o quer.

Somos um povo submetido sistematicamente a um processo de alienação, que só foi superado pelo nazismo. A mentira é difundida como verdade fosse, seguindo precisamente os ensinamentos de Goebbels, o marqueteiro de Hitler: Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade. Está aí a principal razão que permite a ministros de um tribunal superior usar a mentira e a desfaçatez, como verdades fossem, para justificar o injustificável.

Tudo não passou de uma encenação para dar uma satisfação à opinião pública de que vivemos no Império da Lei, e tudo que está ocorrendo é a normalidade, que se enquadra naquilo que denominam Democracia e Estado de Direito. Acontece que essa opinião pública não é formada de idiotas. A democracia deles é regida pela propina e o Estado de Direito não passa de uma instituição onde leis são compradas, para favorecer quem tem dinheiro para pagar. Vivemos, não apenas no império da mentira, mas também do dinheiro. Dinheiro sujo, sem lastro ou obtido artificialmente por atividades especulativas e favorecimentos públicos, que corrompe eleições e políticos, a imprensa, e eventualmente, por que não, juízes. Vivemos no império da força do dinheiro, na maior excrescência que a sociedade humana conseguiu produzir.

Mostrado esse quadro, podemos compreender a estabilidade política que se quer com o julgamento que nos envergonhou. A manutenção de um governo, não apenas impostor, mas invertebrado, sem o mínimo de sensibilidade social e sem qualquer resquício de patriotismo. Um governo vassalo do pior dos tiranos, o capital financeiro internacional. Mas para que essa manutenção de um governo que não tem o menor respeito da população?

A União paga mais de um milhão de reais por dia, só de juros da dívida pública. Essa, por sua vez foi criada num projeto mundial de dominação do capital financeiro sobre os povos, senão de todo o mundo, pelo menos do Ocidente. Esse projeto visa transformar o Brasil em uma área livre de comércio para implantação de indústrias das grandes corporações, para dar uma sobrevida ao capitalismo falido das grandes potências, que vive do dinheiro falso, da chantagem econômica, diplomática e militar.

Esse dinheiro que sai dos cofres do Tesouro Nacional diuturnamente, de forma dissimulada, para o chamado “mercado financeiro”, é aquele que falta para pagar os salários dos servidores dos estados e dos municípios e a todos os serviços públicos sucateados, como aos investimentos necessários a satisfazer as necessidades urgentes de nosso povo e ao desenvolvimento do país. É preciso manter o governo para manter a sangria.

Para executar seu projeto macabro, os investidores, aves de rapina e vampiros, predadores da Natureza e das culturas dos povos, sugando seu sangue, precisam conquistar posições estratégicas, que lhes permitam criar mercados para seus produtos. Agem com a presunção de que isso pode viabilizar seu projeto de dominação do mundo pelo dinheiro. Eles precisam transformar o Brasil em uma plataforma de ação desse monstro, o capital financeiro internacional. Uma condição necessária para isso é a liquidação de direitos de cidadania, especialmente na área social, para reduzir os custos de produção de suas fábricas, para expandir seu mercado e permitir novos investimentos de seu dinheiro falso espalhado pelo mundo.

É nesse quadro que foram apresentadas as reformas das leis trabalhistas e da Previdência Social. Reduzir a um mínimo o custo do trabalho para continuar sua rapinagem no Brasil e, a partir dele, pelo mundo afora. O resultado natural é a ampliação da miséria do povo, que para eles é desprezível.

Mas não vão conseguir. Há uma força maior que todo o seu dinheiro, que todo seu sistema de espionagem inspirado no “grande irmão”, que todo o seu poder bélico. Esta força é a da consciência das pessoas que não permitiu que, apesar dos grandes desafios por que passou, a humanidade sucumbisse no processo de sua constituição e evolução.

O Brasil foi o país escolhido para servir a esse projeto que só pode ser comparado ao da Besta do Apocalipse, da profecia de São João Evangelista. Não há outro exemplo na história da humanidade que pode se equipar a essa monstruosidade que está ocorrendo no Brasil e no Mundo. Esta é a maneira que o Império do Capital pretende enfrentar as potências do Oriente, especialmente a China, que eles próprios envolveram no processo de dominação do mundo pelo comércio, através da liquidação das fronteiras que permitem a Soberania das nações.

Mas nós não vamos embarcar nessa canoa furada, sejam quais forem os artifícios e instrumentos que estão ou venham a ser utilizados para nos submeter. Vamos despertar nossa consciência de homens livres e cidadãos de uma Nação que se preza e não deixaremos que isso venha acontecer conosco, porque será não apenas nossa submissão, que nos trará mais sofrimentos para satisfazer o egoísmo de uma casta de tresloucados, mas o retrocesso das conquistas da humanidade, em especial da dignidade do ser humano.

Todas essas questões nos fazem sentir que vivemos no “fim dos tempos”. Nunca foi tão necessário pensar o futuro. É preciso que meditemos sobre o país e o mundo em que queremos viver, e nosso papel na construção da história.