“Voo de cruzeiro ou voo de galinha?”, por Nelson Marconi

Imagem: Getty Images

Por Nelson Marconi
02/06/2021

O IBGE divulgou hoje o resultado do PIB do 1º trimestre, com crescimento de 1,2% em relação ao trimestre anterior, 1,0% em relação ao primeiro trimestre de 2020 e -3,8% no acumulado dos últimos 12 meses. O que esse resultado demonstra sobre a economia brasileira?

O setor que mais se destacou no resultado foi o agropecuário e as suas exportações. Como já ocorreu em outras vezes, com a falta de dinamismo do restante da economia, esse setor se sobressai e, com demanda externa alta, preços elevados, câmbio desvalorizado, puxa o PIB para cima.

Porém, como já sabemos, esse movimento não é capaz de sustentar um crescimento consistente da economia. E nem dos empregos; não é à toa que a taxa de desemprego é a maior da história. No curto prazo, estimula as exportações, um pouco a taxa de investimento, mas é só.

Ao final do ano, o PIB deverá apresentar uma taxa positiva de crescimento, em função da base de comparação baixa (2020) e dos efeitos das exportações agrícolas. O resultado também dependerá do combate à pandemia, criminoso como sabemos, e será influenciado pela crise hídrica.

Chamam a atenção ainda dois fatos: o primeiro é a tendência da taxa de investimentos. O IBGE precisa, com urgência, explicitar impacto das importações de plataformas de petróleo já existentes por parte da Petrobras e outras empresas, seguindo as normas do chamado Repetro.

As plataformas de petróleo já existentes passaram a ser contabilizadas como importação de bens de capital e, consequentemente, há um aumento da taxa de investimento. Observando essa taxa desde o início de 2020, há uma evolução que, se real, estaríamos crescendo mais que a China.

Certamente, a taxa de investimento está muito inflada por essa prática das empresas de petróleo. Ok, há um impacto positivo das máquinas agrícolas, mas dado o comportamento dos indicadores da construção e da indústria, não há como termos uma alta tão expressiva da taxa de investimentos.

E, por último, vale notar a mudança na composição da demanda que ocorreu desde o início da pandemia: o consumo das famílias reduziu sua participação no PIB, entre 2019 e os quatro trimestres acumulados até março de 21, de 64,8% para 61,7%; o investimento+var estoques passou de 15,4% para 17%.

O consumo do governo ficou praticamente estável, em torno de 20%, enquanto as exportações passaram de 14,1% para 17,7% e as importações, de 14,4% para 16,5% (infladas pelo Repetro).

Fica claro o papel das exportações nessa alta. Pena que sejam primordialmente de produtos agrícolas; antes que joguem as pedras, explico que a taxa de câmbio competitiva não consegue, sozinha e nem tão rápido, ajudar uma indústria prejudicada há tantos anos.

Ou nos dedicamos seriamente a mudar este quadro, ou sempre teremos passageiros sopros de crescimento, fortemente alardeados, como esse agora, e sem impacto sobre o emprego. Somos craques em voos de galinha, e não voos em ritmo de cruzeiro, que seria o correto.

 

*Nelson Marconi é economista, vice-presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP) em São Paulo e coordenador do plano de governo do presidenciável do PDT, Ciro Gomes.