FLB-AP lança cartilha sobre Cieps e revive o projeto mais ousado, democrático e inclusivo que o Brasil já conheceu
A Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP) lançará em breve a cartilha Cieps, 40 anos: um projeto educacional à frente do seu tempo. Organizado pelo Centro de Memória Trabalhista (CMT), em parceria com a Fundação Darcy Ribeiro, o material integra a série Legados Trabalhistas. Além de marcar o início da política educacional implantada por Leonel Brizola no Rio de Janeiro, a publicação é um convite à reflexão sobre o modelo mais ousado, democrático e inclusivo que o Brasil já conheceu.
Joia da luta pedetista por educação integral e universal para crianças e jovens brasileiros, o projeto dos Cieps marcou a trajetória nacional. O legado de Brizola é inspiração para diversas outras experiências desse modal de ensino em todo o Brasil, instituições responsáveis pelos melhores resultados no Ideb. O empreendimento trabalhista nasceu para romper com a lógica educacional até então praticada pela ditadura, e democratizar as oportunidades de desenvolvimento social.
A cartilha mostra que os Cieps, idealizados por Darcy Ribeiro, projetados por Oscar Niemeyer e construídos com investimento público nos dois governos Brizola, foram concebidos para enfrentar a desigualdade com uma resposta concreta: uma escola que garantisse educação, cultura, saúde, alimentação, acolhimento e dignidade para as crianças da população mais vulnerável.
O projeto dos Cieps foi, antes de tudo, uma decisão política. Brizola destinou cerca de 33% do orçamento do estado à educação, convencido de que não haveria país justo sem investimento real nas novas gerações. Como relembra Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, “o sonho de proporcionar ao filho do trabalhador e da trabalhadora a dignidade de se alimentar bem e estudar em uma escola que compensasse a ausência dos pais, que precisavam buscar o sustento, virou realidade”.
Manoel Dias, secretário-geral do PDT e presidente da FLB-AP, categorizou bem o líder trabalhista responsável por revolucionar a educação no Brasil.
“Ninguém na história brasileira foi mais obstinado, mais destemido e mais altivo do que Leonel de Moura Brizola em defesa e edificação da Educação brasileira”.
A repercussão do projeto ultrapassou fronteiras. A publicação destaca que personalidades como François Mitterrand, Nelson Mandela, Mikhail Gorbatchov, Ted Kennedy, Hortensia Allende e Mario Soares estiveram em unidades inauguradas no Rio de Janeiro. O The New York Times chegou a noticiar: “Nas novas escolas do Brasil, a primeira aula é o café da manhã”, em 14 de julho de 1985.
Um projeto educacional emancipatório
O Ciep foi idealizado como um novo tipo de escola, profundamente comprometida com o desenvolvimento integral das crianças. Darcy Ribeiro rompeu com a lógica do ensino fragmentado e propôs uma experiência pedagógica que integrava corpo, mente, sensibilidade e pertencimento.
“Nas ‘escolas de dia completo’ de Darcy, articulavam-se ‘ciência e arte de educar’ para oferecer educação pública numa escola unitária, democrática, universal, gratuita e laica. Ali, crianças e jovens brasileiros se sentiriam acolhidos e integrados em seus direitos civis, políticos, sociais, desenvolvendo senso de responsabilidade”, explica a professora Maria Monteiro, coordenadora pedagógica do Programa Especial de Educação (PEE) – instrumento do Governo Brizola que concebeu os Cieps.
De acordo com o próprio Brizola, em declaração estampada na cartilha, a proposta dos Cieps era enfrentar a exclusão social com um modelo educacional profundamente transformador.
“O Ciep é uma nova instituição que surge, questionando, por dentro, esta realidade social injusta, desumana e impatriótica”, afirmava o trabalhista.
As escolas ofereciam tempo integral de atendimento, com alimentação balanceada, cuidados médicos e odontológicos, atividades culturais e esportivas, biblioteca e acolhimento para estudantes em situação de risco. Tudo isso articulado a uma formação continuada dos professores, com tempo destinado ao planejamento e à avaliação coletiva das práticas pedagógicas.
A historiadora e ex-diretora de capacitação do magistério no PEE, Lúcia Velloso Maurício, sintetiza o que eram as escolas para os alunos: “Era necessário que a criança se sentisse como se a escola fosse a sua casa, acrescida de tudo aquilo a que ela tem direito e que, infelizmente, ainda falta no seu lar”.
O projeto dos Cieps buscava combater os efeitos da pobreza e romper com sua lógica estrutural. Ao oferecer uma escola integralizada, Brizola e Darcy colocaram o Estado ao lado das crianças mais pobres, oferecendo a elas as mesmas oportunidades historicamente reservadas às elites. A escola, nesse modelo, era um verdadeiro instrumento de emancipação cidadã.
Forma e função: como Niemeyer desenhou um projeto educacional
Oscar Niemeyer projetou os Cieps com um olhar voltado à funcionalidade, à economia e à dignidade. A arquitetura foi pensada para oferecer conforto, estimular a permanência das crianças e integrar a escola à comunidade. Não havia cercas opacas, e os espaços coletivos eram abertos à circulação e ao uso da população.
“Os CIEPs foram concebidos como escolas abertas e voltadas para o entorno. Dessa forma, não há pátios internos fechados e, sim, espaços cobertos abertos para áreas livres que têm a função essencial de ampliar os espaços de lazer e de brincadeiras para os alunos utilizarem nos tempos intercalados entre suas atividades dirigidas. Optou-se por realizar o fechamento do terreno escolar com um gradil vazado, de forma que o espaço fosse compartilhado visualmente pela comunidade”, declara José Ronaldo Alves da Cunha, arquiteto responsável por equipar todos os CIEPs construídos e presidente da Fundação Darcy Ribeiro.
As escolas foram erguidas em comunidades de baixa renda e ajudaram a urbanizar regiões inteiras, levando rede de água, luz, esgoto e serviços públicos a áreas historicamente negligenciadas. Os prédios abrigavam até mil alunos em tempo integral e outros 400 no período noturno.
Essa integração entre espaço físico e proposta pedagógica fazia parte da concepção de uma escola como ambiente de formação cidadã. As salas amplas, a ventilação cruzada, os corredores largos e os espaços abertos estimulavam o convívio, a expressão e o senso de pertencimento.
“Do ponto de vista do espaço e do equipamento escolar, sua melhor condição está relacionada à maior capacidade de propiciar conforto, entendido como um conjunto de condições objetivas e subjetivas que propiciam maior integridade e consequente disponibilidade dos alunos e professores para interação no acontecimento pedagógico”, completa José Ronaldo.
Além da funcionalidade e economia, Niemeyer incorporou à arquitetura dos Cieps o princípio da dignidade. Segundo a cartilha, os prédios foram pensados para compensar a precariedade das habitações das crianças, oferecendo um espaço bonito, moderno e igualitário. Ao lado de Darcy e Brizola, o arquiteto deu forma concreta a um ideal de país: um Brasil em que as escolas públicas fossem, de fato, as melhores.