Um acidente de carro levou de forma precoce Alfredo Sirkis, no dia 10 de julho de 2020. Alguns dias antes, ele havia realizado o lançamento virtual de seu livro“Descarbonário” – referência a “Os Carbonários”, também obra sua, de 1980.
Sirkis foi signatário da Carta de Lisboa, documento fundante do PDT e do trabalhismo no Brasil pós-ditadura. Mesmo estando em outros partidos nas últimas décadas, não há dúvidas de que a luta de Sirkis sempre foi coerente com os valores centrais do trabalhismo.
Lembro de algumas das campanhas eleitorais de Sirkis, quando eu ainda era criança. Sempre o enxerguei como referência da causa verde no Rio. Sua partida brutal me deixou uma irritação profunda – não só tristeza, mas indignação.
No Brasil de Bolsonaro, os piores sentimentos foram elevados à dinâmica do óbvio, e as piores ideias são a metodologia de trabalho. Mas Bolsonaro é a consequência de um Brasil há muito já doente, perdido em sua identidade, machucado por suas elites, atrasado no debate político, criminoso em sua desigualdade.
Sirkis foi militante pela democracia, se levantando contra a ditadura de 1964. Jovem estudante, usou de armas quando entendia ser essa a única opção; exilado, se utilizou da escrita e do jornalismo como armas para a denúncia; na redemocratização, abraçou o pacifismo e foi pioneiro em falar de sustentabilidade.
Suas lutas nunca fizeram tanto sentido como agora. Ao mesmo tempo, jamais estiveram tão vilipendiadas. Sirkis, que lutou pela democracia das instituições, partiu vendo a dissolução gradual das liberdades neste país que hoje celebra a ignorância, a tortura, o autoritarismo. Partiu vendo a destruição em escala histórica da Floresta Amazônica e tantos retrocessos na área ambiental.
Algo que muito me comoveu no acidente trágico que tirou a vida de Sirkis é a simbologia da perda dos homens bons, das inteligências. Há muito tempo o Brasil já não celebra ou mesmo dá o mínimo espaço de debate para pessoas como ele. Pululam no debate político figuras histriônicas, cujos gritos vazios viralizam em redes sociais, com palavras de ódio que despertam o que há de pior na humanidade. O debate é raso, dividido entre maniqueísmos tolos e entre figuras torpes. Discutem-se pessoas, não ideias.
Neste Brasil em que as ideias se perderam, não havia mais lugar para Sirkis. Cito ele como exemplo de tantos outros, vivos ou não, que representam a inteligência “deixada de lado” pelo debate político dominante atual. Existiram – e existem! – tantas figuras boas. Ambientalistas, educadores, sociólogos, trabalhadores, ativistas, artistas, religiosos, políticos que enxergam a política como meio e não como fim. Onde estão? Por que não estão nos ministérios, nas câmaras, nos palanques da oposição, na gestão pública, nos jornais?
Já faz um tempo que o Brasil se joga pra baixo, como um verdadeiro pacto de mediocridade. Pessoas boas são vistas como ineptas para a política. Sábios são acusados de herméticos. Idealistas são tachados de ingênuos. Sobram os tecnocratas, insensíveis às necessidades do povo, e os ignorantes com iniciativa, que é o caso do nosso atual presidente.
O Brasil morre a cada dia. Morreu com a partida de Sirkis. Já são mais de meio milhão de vidas perdidas pela mistura de ignorância e crueldade que nos governa. Sirkis partiu com desgosto, sem ver a causa ecológica ganhar a atenção devida, vendo a democracia pela qual tanto lutou se esvair como areia entre os dedos. Nestas horas, é redentor lembrar Darcy Ribeiro: “fracassei em tudo na vida. Detestaria estar no lugar daqueles que me venceram”.
*Leonardo Lupi é secretário nacional de Criatividade e Inovação da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP).