Na turbulência política completa, a Venezuela comemorou no último mês o 30º aniversário do “Caracazo” – revolta popular esmagada em sangue e fogo pelo governo de Carlos Andrés Pérez, em fevereiro de 1989. Em comemoração à data a Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini do Rio de Janeiro, na última quinta-feira (14), debateu “30 anos de Caracazo e a crise na Venezuela”.
O evento foi realizado na sede da Fundação, na Praça Tiradentes, e teve como debatedor Heitor Cesar, Membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e diretor da Fundação de Estudos Políticos Econômicos e Sociais Dinarco Reis. O debate foi mediado por William Rodrigues, secretário executivo da FLB-AP Rio e Presidente Nacional da Juventude Socialista.
Em fevereiro de 1989, Caracas era uma cidade cosmopolita de prédios altos e lojas bem abastecidas, que atendiam uma classe alta abastada que desfrutava dos frutos da riqueza do petróleo da Venezuela. Para turistas americanos e europeus e funcionários do petróleo, Caracas era um lugar agradável.
“Mas dentro e em torno da capital, havia bairros empobrecidos onde as pessoas famintas mal conseguiam sobreviver dia a dia”, contextualizou Heitor Cesar.
“Muitos trabalhadores mal pagos, viviam em áreas vizinhas e contavam com ônibus para chegar aos seus empregos. Outros viviam dentro da cidade, mas eram pobres demais para desfrutar de qualquer benefício da vida urbana”, explica.
“Então o governo anunciou que aumentaria as tarifas de ônibus”.
Para Heitor, “essa foi a última gota”. Enquanto os ricos podiam andar em seus carros importados de luxo, aqueles que viviam no limite tinham que escolher entre comida e começar a trabalhar.
O aumento da tarifa levou a uma explosão de fúria. Pessoas famintas de todas as idades invadiam lojas e pegavam o que precisavam ou podiam arrastar para casa. No começo era comida, mas à medida que a rebelião se ampliava, as lojas eram esvaziadas de tudo o que podia ser levado.
“O Caracazo, revelou o profundo abismo entre as classes sociais na Venezuela e mostrou – como o governo mobilizou a polícia e depois os militares para acabar com a rebelião – que esses corpos de homens armados existiam para proteger a propriedade de os ricos e derrubar quaisquer desafios”, afirmou Heitor.
De acordo com dados oficiais pelo governo na época, os eventos de fevereiro e março de 1989 deixaram 300 mortos, muitos feridos, vários desaparecidos e muitas perdas materiais. Embora o número exato de pessoas mortas ainda seja desconhecido, várias investigações e publicações afirmam que as vítimas chegaram a mais de 2.000.
Para Heitor, todos os eventos políticos na Venezuela depois de fevereiro de 1989, até hoje, são marcados pela influência do Caracazo. As revoltas militares de 4 de fevereiro e 27 de novembro de 1992; a demissão e prisão do Presidente Carlos Andrés Pérez em 1993; o triunfo eleitoral de Rafael Caldera no final do mesmo ano; a libertação, em 1994, de Hugo Chávez e dos outros soldados criados em 1992; a candidatura e o triunfo eleitoral de Chávez em 1998; o levante popular espontâneo de 11 de abril de 2002 para resgatar e substituir Chávez na presidência; resistência popular ao golpe de Estado em dezembro de 2002 e janeiro-fevereiro de 2003; e assim por diante, todos os processos políticos relevantes nas últimas três décadas derivam, de uma forma ou de outra, dos efeitos dessa insurreição espontânea.
Venezuela e o Petróleo
A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo. O império Rockefeller, na época chamado Standard Oil, começou a explorá-los em 1921. O governo venezuelano nacionalizou esse valioso recurso em 1976, supostamente em benefício do povo. Mas naquela época pouco mudou para os pobres famintos em Caracas.
No início dos anos 90, mudanças na lei de nacionalização permitiram que empresas americanas como ConocoPhillips e ExxonMobil (originalmente Standard Oil) recuperassem o controle efetivo das reservas de petróleo da Venezuela. Mas mesmo antes da lei ser mudada, o Caracazo mostrara que essa grande riqueza estava beneficiando apenas os poucos e não os muitos.
Na época do Caracazo, Hugo Chávez era oficial do exército venezuelano. Nascido em uma família da classe trabalhadora, ele simpatizava com o sofrimento dos trabalhadores e dos pobres. Ele e vários outros soldados haviam formado uma organização secreta dentro do exército, conhecida como Movimento Bolivariano 200, para disseminar a ideologia revolucionária entre seus pares.
Revolução Bolivariana
Em fevereiro de 1992, Chávez e um grupo de seus colegas oficiais lideraram uma tentativa de derrubar o governo do presidente Carlos Andrés Pérez. Ele falhou, e Chávez concordou em se render – mas sob a condição de que ele pudesse se dirigir a seus colegas oficiais na televisão nacional. Ele disse a seus camaradas que, lamentavelmente – “por enquanto”, ele disse – seu objetivo de tomar o poder não poderia ser alcançado.
Chávez passou dois anos na cadeia e surgiu em 1994 como um herói do povo. Ele formou um novo partido político e, em 1998, foi eleito presidente do país com 56% dos votos. Ele continuou a ser reeleito até sua morte, quando foi sucedido pelo ex-motorista de ônibus e dirigente sindical Nicolás Maduro.
Hugo Chávez foi eleito e reeleito pelo povo e, efetivamente, mudou a política econômico-social em favor dos mais humildes, com grandes e importantes resultados. E fez crescer, assim, uma forte oposição, das elites privilegiadas, apoiadas, obviamente, pelo governo americano. Tal qual ocorre no Brasil e em toda a América Latina.
Após a sua libertação, ele iniciou uma peregrinação social e política em todo o país, além de adicionar alunos às suas fileiras, profissionais, pequenos e médios empresários, camponeses, cultores, pescadores, mineiros, indígenas, trabalhadores, mulheres, jovens, militares, líderes locais e quase toda a liderança da esquerda venezuelana.