Desde sua criação por Darcy Ribeiro, a UnB tem servido de exemplo. Deu início a diversas mudanças na estrutura e no funcionamento do sistema universitário brasileiro. Iniciou a eleição direta para reitor, foi a primeira a implantar o sistema multidisciplinar como prática corrente, criou o sistema de avaliação seriada que substitui o vestibular, está implantando um campus na periferia de Brasília.
Foi pioneira na instituição de cursos noturnos entre as federais. A atual administração do reitor Timothy Mulholland estava dando continuidade a essa história, até tomar a decisão equivocada de montar um apartamento funcional para o reitor, e desperdiçar recursos para mobiliar esse apartamento.
Mesmo que nenhum ato ilegal tenha sido cometido, houve falta de ética nas prioridades, ao se canalizar recursos para o apartamento funcional, em detrimento de gastos mais urgentes e comprometidos com as atividades fins e o bem-estar da comunidade. Além das prioridades equivocadas, a decisão feriu gravemente a imagem da instituição e ofuscou feitos positivos de uma história que vem trazendo importantes mudanças na UnB, inclusive as realizadas pelo reitor Timothy.
Mas além de dar crédito à atual administração da UnB pelo que vem fazendo, não podemos deixar de reconhecer o grave erro cometido (pelo atual reitor) e suas conseqüências. Além da necessidade que a instituição tem de solucionar a situação, defendendo sua autonomia ameaçada pelo desprestígio e pela presença da polícia e de interventores no campus, como acontecia durante a ditadura.
Além disso, a comunidade acadêmica do Brasil inteiro precisa reconhecer que esses fatos decorrem da omissão de professores, alunos e servidores diante da administração de suas instituições. Desde que começaram a eleger os reitores, eles têm sido tolerantes com o que as administrações fazem. Ainda mais grave, concentram suas críticas aos aspectos legais, e não aos morais.
O grave é que grande parte das falcatruas ficaram “legais”, (do ponto de vista jurídico). Como era legal(izada) a escravidão, como é legal(izado) abandonar a educação de base. Como, muito provavelmente, no final serão inocentados os mensaleiros e os usuários de cartão corporativo.
O único caminho para retomar o prestígio da UnB e garantir sua autonomia é recolocar sua condução nas mãos da comunidade, debatendo as denúncias que pesam sobre a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) e sobre os gastos com o apartamento do reitor (Timothy).
O que aconteceu na UnB deve provocar a reflexão de toda a comunidade acadêmica (e motivar o debate), para saber o que acontece dentro de suas instituições. Não permitir que uma comunidade com uma bela história de militância saiba de fatos tão graves pelos jornais, graças ao Ministério Público.
Refletir sobre outros absurdos legais: a existência de 16 milhões de analfabetos e de 4,5 milhões de universitários, e de somente um terço dos jovens concluindo o Ensino Médio; o pagamento de salários tão baixos aos professores da educação básica; os gastos luxuosos com prédios públicos do Judiciário, Legislativo e Executivo. Enquanto denuncia o erro do reitor, a comunidade acadêmica não pode se omitir perante órgãos públicos cheios de lixeiras luxuosas; porque o comportamento dos dirigentes e das comunidades é o de olhar para suas instituições como se o mundo não existisse além dos seus limites.
O debate da comunidade não deve se limitar ao que acontece dentro do campus. Nem a debater a legalidade ou não dos fatos. Precisa apurar a falta de ética nas prioridades de todas as lixeiras caras espalhadas nos órgãos públicos brasileiros.
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Cristovam Buarque é Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF