Tarso Genro: “Jango foi o primeiro grande estadista do Brasil moderno, um pioneiro”


Osvaldo Maneschy e Apio Gomes
02/05/2019

Em 1971, por conta do recrudescimento da repressão política, o jovem vereador Tarso Genro, do MDB de Santa Maria, atuante na defesa de sindicatos e sindicalistas, viu-se obrigado a sair do Brasil para se preservar até fisicamente. Gaúcho da fronteira, são-borjense de nascimento, Tarso já conhecia o presidente João Goulart desde 1966, ou 1967, quando o visitara no exílio, acompanhando o seu pai – amigo e correligionário do Presidente deposto. “Meu pai foi fazer uma visita a Jango; fui junto, passamos uma tarde conversando”.

Da segunda vez, no início de 1971, foi diferente. Pediu abrigo a Jango na propriedade dele, em Taquarembó, na Argentina, e ficou lá por cerca de 30 dias – período em que conviveu diretamente com Jango “eventualmente, conversando com ele por três, quatro dias, às vezes, por semana”. Por isto o ex-ministro por duas vezes no governo Lula (Justiça e Educação), ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-deputado federal e ex-prefeito de Porto Alegre por dois mandatos, lembra de Jango com muito carinho.

“O presidente João Goulart é grande personalidade da história do país, da história moderna do Brasil , junto com os presidentes Lula e Juscelino Kubistchek, também presidentes injustiçados pela direita, pelo oligopólio da mídia e pelas classes dominantes do país”, argumentou Tarso. Para ele  Jango foi um pioneiro, porque foi o primeiro a defender a reforma agrária, – mesmo sendo grande proprietário de terras, “o que só valoriza a posição dele” –, a reforma bancária, a reforma urbana e a reforma do sistema previdenciário.

Tarso Genro vê a Campanha da Legalidade liderada por Brizola como “o primeiro momento de violência contra o presidente João Goulart” e também agressão “às grandes demandas populares que capitaneava”, mesmo pressionado pelo imperialismo americano que, em 1964, implementou o golpe para derrubá-lo.

O golpe e o exílio separaram Jango do povo e causaram grande sofrimento pessoal para ele, segundo Tarso. Isto porque ele – à frente do seu tempo – quis transformar o capitalismo brasileiro, humanizando-o nos princípios da democracia social vigentes na Europa. Jango quis reorganizar o Estado brasileiro através do diálogo, das mobilizações sociais, na linha da social democracia para que o Brasil não fosse apenas um Estado-polícia de sustentação da propriedade privada e de privilégios.

Na opinião de Tarso, Jango quis criar um Estado social, compatibilizando os interesses das classes sociais em disputa para alavancar o Brasil “para um patamar superior, de civilidade democrática e desenvolvimento social”. Por isto, quando os vencedores de 64 afirmam que Jango abrigava comunistas em seu governo, considera o fato uma mistificação completa, porque “os comunistas sempre tiveram uma presença política importantes no Brasil; sempre participaram das lutas sociais”.

Também considera “bobagem rematada” os que afirmam que Jango foi deposto por corrupção. Cita o fato de que não conseguiram provar nada
contra a integridade dele, porque ele “foi deposto por suas virtudes; não por eventuais erros que tenha cometido no governo”.

Tarso acrescentou: “Eu diria que o presidente João Goulart foi o primeiro susto – brutal! – que o Brasil arcaico deu no Brasil que queria se modernizar; que queria, efetivamente, se democratizar. E este susto, depois, foi prosseguindo… foi prosseguindo… e hoje está estratificado, consolidado”.

Prova disto “foi este golpe contra a presidente Dilma e contra todo o patrimônio político, intelectual, moral e econômico deixado pelo presidente João Goulart para o país”. Isto depois de os governos do presidente Lula, “do Brasil que distribuiu renda; se desenvolveu e cresceu”.

Tarso Genro entende que o poder efetivo das classes dominantes no Brasil não se reduziu: daí o golpe contra a presidente Dilma “para levar o país para esse atraso político, social e moral que se encontra hoje”. Atraso que gerou Bolsonaro “e lançou o país num poço de ódio, violência e também de mortandade que virá com essas reformas que Moro quer fazer, permitindo que a polícia mate, praticamente, livremente”.

“O Brasil vive um inferno astral, na pior situação de nossa História. Tomara que isto se supere. Tomara que a democracia vença. Tomara que nós tenhamos homens, de novo, como o presidente João Goulart, como o presidente Lula, como o presidente Juscelino – para que o Brasil volte para a trilha do desenvolvimento e da democracia”.

Em seu depoimento à Christopher Goulart, Tarso Genro traçou um paralelo entre a soberania nacional nos tempos de Jango e nos dias de hoje: “Na época do presidente João Goulart, era uma soberania nacional que você estava contra o imperialismo, exclusivamente. Hoje, ela se dá através de relações, diversificadas, de cooperação com autodeterminação. E esta cooperação não pode excluir ninguém. Então, um país soberano, hoje, tem que negociar com os Estados Unidos, com a União Europeia, com a China; tem que negociar com a Rússia”.

Fechando seu depoimento (“definir o presidente João Goulart em uma frase”), Tarso preferiu contar uma das conversas que teve com Jango, em Taquarembó, em 1971:

“O presidente João Goulart era um ser humano extraordinário. (…) Era [uma pessoa] tão compreensiva, tão politizada e tão humana que se deu ao trabalho de ter uma conversa com um jovem de 24 anos: exibido; que achava que sabia tudo. (…) Ele, pacientemente, explicou o que foi o seu governo; o que foi sua vida; qual era o seu projeto de mundo; qual era o seu projeto de Brasil. Este era o presidente João Goulart. E o jovem exibido, era eu”.

E concluiu: “O governo Jango foi reformista e revolucionário”. Reformista no sentido econômico; e revolucionário no sentido democrático: nele, sindicalistas, operários e confederações puderam se sentar à mesa para conversar diretamente com o Presidente para apresentar suas demandas e visões de Brasil; algo possível apenas para grandes empresários, banqueiros e latifundiários – detentores do poder econômico.

Por isto, para Tarso Genro, João Goulart iniciou uma revolução democrática a partir de sua ascensão ao poder em setembro de 1961: “Jango foi o primeiro grande estadista do Brasil moderno,  um pioneiro”.

Confira a entrevista completa abaixo: