Supremo revoga Lei de Imprensa
Por sete votos a quatro, ministros derrubam legislação que vigorava desde a ditadura
O Supremo Tribunal Federal (STF) revogou ontem a Lei de Imprensa, que estava em vigor desde 1967, na ditadura militar. Sete dos 11 ministros consideraram que a lei está em descompasso com a Constituição, que é repleta de garantias à liberdade de expressão. Para os ministros, a regulação da atividade jornalística e as punições por eventuais abusos previstas na lei representam tentativas de restrição à imprensa. Três ministros defenderam a extinção parcial da lei, com a manutenção de alguns artigos – como os que disciplinam o direito de resposta e a proibição de publicar mensagens racistas. Apenas um integrante do tribunal, o ministro Marco Aurélio Mello, defendeu que a lei continuasse em vigor.
A partir de agora, jornalistas e veículos de comunicação que cometerem abusos ficarão sujeitos à legislação comum. No caso de crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação -, o julgamento será feito com base no Código Penal, que tem penas mais brandas que as da Lei de Imprensa. Pedidos de indenização por danos morais e materiais serão julgados à luz do Código Civil.
Com a lei revogada, caberá aos juízes decidirem como e quando a resposta será publicada. Segundo o STF, os juízes deverão seguir o princípio de que o direito de resposta deve ser “proporcional ao agravo” causado pela notícia equivocada.
A decisão foi tomada no julgamento de uma ação proposta em fevereiro de 2008 pelo deputado Miro Teixeira, em nome do PDT, que pediu a revogação total da lei. No dia 1º de abril, começou o julgamento definitivo do caso. Os ministros Ayres Britto, relator da ação, e Eros Grau defenderam naquele dia a revogação total da lei, mas a sessão foi interrompida.
Gilmar tenta manter direito de resposta
Ontem, a lei caiu por completo, com os votos também de Carlos Alberto Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello. Dois ministros – Joaquim Barbosa e Ellen Gracie – defenderam a manutenção de artigos que proíbem mensagens de conteúdo racista, propaganda de guerra e perturbação da ordem social. O presidente da Corte, Gilmar Mendes, defendeu a manutenção dos artigos com regras para o direito de resposta. Segundo ele, a falta de normas deixará o cidadão e órgãos de comunicação à mercê dos juízes:
– A desigualdade de armas entre a mídia e o indivíduo é patente. O direito de resposta é uma tentativa estabelecer um mínimo de igualdade de armas. Vamos criar um vácuo jurídico numa matéria dessa sensibilidade? É a única forma de defesa do cidadão!
A preocupação de Gilmar não convenceu os colegas. O ministro Cezar Peluso concordou com a necessidade de regras para o direito de resposta, mas afirmou que o Judiciário terá condições de garantir esse direito, mesmo sem legislação específica:
– Estou fazendo uma aposta na sensatez do Poder Judiciário que, mesmo sem lei sobre direito de resposta, poderá dar respostas ainda melhores (às disputas judiciais). O Judiciário tem decidido de forma eficaz para garantir a liberdade de imprensa.
Em seu voto, Menezes Direito ressaltou que os aspectos punitivos da Lei de Imprensa constrangem a liberdade de manifestação:
– Nenhuma lei estará livre do conflito com a Constituição federal se nascer a partir da vontade punitiva do legislador, de modo a impedir o pleno exercício da liberdade de imprensa e da atividade jornalística de um modo geral.
O ministro reconheceu que algumas vezes a imprensa erra. Mas não por causa da liberdade de expressão:
– Muitas vezes, há a veiculação do mal, e isso não se deve à liberdade de imprensa, mas sim à qualidade do profissional, o que acontece em todas as áreas humanas.
Joaquim Barbosa foi o primeiro a discordar do relator. Ele defendeu a manutenção de artigos que punem crimes contra a honra praticados por jornalistas ou veículos. Segundo ele, a repercussão de uma ofensa divulgada na mídia é mais nociva.
– Vejo esse tratamento diferenciado como forma de coibir abusos. A liberdade de expressão deve ser a mais ampla possível no que diz respeito aos agentes públicos, mas tenho muita reticência a admitir o mesmo tratamento para pessoas privadas.
Marco Aurélio foi o único a votar integralmente pela permanência da Lei de Imprensa. Ele concordou que alguns aspectos da lei não são condizentes com a Constituição. Mas ressaltou que a lei já está em vigor há 42 anos e, ao longo dos anos, os juízes deixaram de aplicar esses dispositivos. O ministro alertou para o perigo da falta de regras no setor:
– A quem interessa o vácuo normativo? Dizem que amanhã, após o julgamento do Supremo, teremos a liberdade. Penso que não. Não me consta que a imprensa não seja livre.
Celso de Mello fez defesa contundente da liberdade de imprensa:
– Nada mais nocivo do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão. O pensamento há de ser permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre.
Ontem foi a primeira vez que Gilmar e Joaquim se encontraram após a sessão da semana passada, na qual trocaram ofensas. Ambos comportaram-se de forma cordial.
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