A razão humana não para de me surpreender com a capacidade de se auto-iludir. Este Caso Renan é mais um exemplo de como a tecno-fascinação consegue cegar a percepção mesmo de experientes jornalistas, de políticos calejados, juízes qualificados, ou seja, de brasileiros bem instruidos em geral.
A questão da votação secreta do pedido de cassação do senador Renan Calheiros foi exaustivamente debatida por todos estas pessoas, profissionalmente bem preparadas. Criticou-se muito a seção secreta (regimental, embora anti-democrática) e a votação secreta (constitucional mas também anti-democrática) mas ninguém criticou a absurda APURAÇÃO SECRETA DOS VOTOS (anti-democrática, anti-constitucional e, principalmente, anti-lógica) praticada no Senado.
Na Câmara, todos viram no caso do mensalão, a votação era secreta mas a seção e a APURAÇÃO dos votos eram abertas, transparentes, qualquer eleitor (os deputados) podiam conferir a apuração e em caso de dívida era possível se recontar.
Mas no Senado, contrários ao Princípio de Transparência da coisa pública e a título de preservar o sigilo, abandoram e tecnologia, recolheram os lap-tops, os celulares e até os microfones (tecnologia de mais de 100 anos), mas usaram os computadores para receber os votos, desmaterializá-los e apresentar um resultado impossível de ser conferido.
E absolutamente ninguém reclamou. Nem a Heloisa Helena, reclamadora contumaz e vítima no caso do Painel do Senado (tudo veio à toma porque o ACM declarou conhecer o voto dela a favor do Luiz Estevão), se apercebeu do absurdo de fazer uma apuração virtual secreta.
Os fiéis do Santo Baite, cegos, logo me qualificarão: “é mais uma teoria conspiracionista de retrógrados anti-modernidade pois o novo programa do painel do senado recebeu uma certificação da Unicamp em 2002”
E quem garante que o programa que rodou na nova seção secreta estava intacto? Quem auditou o sistema?
O precedente sugere se tomar mais cuidado em eleição eletrônica do Senado. No antigo Caso do Painel do Senado a votação secreta e a apuração eletrônica (também secreta) foram violadas por meio da modificação, na madrugada antecedente, do programa do computador pelos operadores do sistema sob ordem da presidente da Prodasen e do presidente do próprio Senado.
O programa original foi recolocado depois da fraude e esta só foi descoberta por causa da indiscrição do presidente do senado que, numa bravata, revelou conhecer os votos.
“Mas o sistema foi modificado” dirão….
E daí, quer dizer que agora é invulnerável? Só fiel do Santo Baite consegue acreditar nisso.
Os potenciais fraudadores também evoluiram. Trocar programas é sempre possível e, certamente, hoje não deixariam as pistas estúpidas que deixaram naquela oportunidade.
Meu Deus, meu Deus, será que eu vou estar vivo quando “cair a ficha” na cabeça dos brasileiros de que eletrônica pode ser usada em eleição mas não para virtualizar (desmaterializar) o voto?
Josef Stalin, ex-primeiro ministro de URSS, uma vez disse: “Quem vota e como vota não conta nada; quem conta os votos é que realmente importa.”
Marian Beddill, engenheira americana, disse: “Se você não puder confiar na maneira como os votos são contados pouca coisa mais importa na política.”
Richard Stallman, pai da idéia do software livre (GNU) e da Licença Geral Pública (GLP), disse: “… o Brasil deveria parar de usar computadores para votar. Com máquinas computadorizadas de votação, não existe meio de dizer se as pessoas que rodam o sistema alteraram o software para fraudar a eleição. O voto tem que ser feito em papel.”
Amilcar Brunazo Filho é engenheiro – [email protected] – criador do site www.votoseguro.org