Não é novidade que o Trabalhismo enfrenta desafios significativos quando se trata do estado de São Paulo. Essa hesitante relação foi, em sua essência, caracterizada no período Vargas por intermédio da Revolução Constitucionalista de 1932. Tempos mais tarde, no longínquo ano de 1984, sob a batuta de Leonel Brizola e do PDT, os trabalhistas promoveram a instalação do Instituto Alberto Pasqualini em terras bandeirantes, como forma de ampliar a luta socialista e de alavancar a disseminação de nossas raízes ideológicas.
O faro aguçado de Brizola o alertava para a necessidade de promover avanços políticos e ideológicos no território paulista para reposicionar o trabalhismo no cenário nacional. Isso tanto era verdade que, na fatídica eleição presidencial de 1989, os votos válidos amealhados por Brizola em São Paulo minaram seu desempenho eleitoral, impedindo-o de passar ao segundo turno. Esse momento parece ter ferido de morte as chances de vitória do
trabalhismo, com o risco de se perpetuar, se continuarmos de olhos fechados para São Paulo.
Pode-se analisar aquela eleição sob a ótica de diversos pontos de vista ou teses, mas as digitais da matemática territorial estarão para sempre consignadas na história. Para os que desconhecem os números daquele primeiro turno, Lula obteve 11.622.321 votos válidos contra 11.167.665 de Brizola, ou seja, uma diferença de 454.656 votos (4%). Brizola teve sua força eleitoral consignada pelos estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro (63,7% de
sua votação), enquanto Lula concentrou sua votação nos estados de São Paulo, Minas, Bahia Pernambuco e, até mesmo, no Rio de Janeiro (65,6% de seus votos).
Lula alcançou 2.921.970 votos em São Paulo (25% de seu desempenho), enquanto Brizola obteve 252.651 votos (2,3%
de seu desempenho). Se havia um estado com volume de votos suficiente para compensar uma diferença tão ínfima, esse estado era, indiscutivelmente, São Paulo. E a indicação mais evidente de que Brizola tinha consciência disso é a já mencionada instalação do Instituto Alberto Pasqualini, em 1984.
Quarenta anos se passaram desde aquela importante incursão em 1984. Desde então, todas as vezes que uma nova derrota e/ou fracasso estilhaça os sonhos e os ideais do Trabalhismo em solo paulista, sentimentos de desinteresse político e desânimo eleitoral parecem encontrar solo fértil no coração de nossas lideranças e de nossa militância,
transformando São Paulo numa espécie de ovelha rebelde, desgarrada e indomável.
Mas, se tomarmos emprestadas as lentes da história, perceberemos que esse é justamente o intento de nossos opositores em terras bandeirantes. Ou seja, manter São Paulo fora do alcance do ideário trabalhista para, como nos tempos de Getúlio e Brizola, consolidá-lo como fortaleza opositora ao socialismo moreno. Temo que, sem nos apercebermos, estejamos cumprindo o papel de meros atores, num roteiro mórbido, escrito por nossos piores
algozes, sem esboçar qualquer reação estratégica para retomar o papel de autores de nossa própria história.
Assim, a chegada da eleição de 2026 impõe um desafio complexo e repleto de armadilhas. Não se pode ignorar a importância eleitoral de São Paulo, pois, sob a ótica da disputa eleitoral, o estado continua sendo um território-chave, especialmente em tempos de cláusula de barreira.
As regras exigirão dos partidos: (1) o mínimo de 2,5% dos votos válidos para a Câmara, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação, com o mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada uma; ou (2) a eleição de pelo menos 13 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço dos estados.
Seja no número de deputados federais eleitos ou na proporcionalidade de 2,5% de votos válidos, um colégio eleitoral que detém aproximadamente 1/4 dos votos nacionais possui papel central em qualquer disputa democrática. E ignorar isso pode nos levar de volta ao sorumbático episódio de 1989.
Em 2024, a Fundação Leonel Brizola elaborou o documento intitulado “Carta ao PDT – As eleições adversas de 2024: da reflexão para a ação”. Esse documento analisa o desempenho partidário no período compreendido entre 2000 e 2024 e propõe um elenco de ações estratégicas de curto, médio e longo prazo. Dentre as ações, uma medida específica de curto prazo aponta para a necessidade de o PDT adotar uma estratégia permanente de lançamento
de chapas majoritárias, minimamente, nos chamados estados-chave: Rio Grande do Sul, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os três primeiros são estados com forte presença trabalhista, enquanto os dois últimos tem uma importância numérica indispensável para qualquer legenda.
Um bom desempenho na eleição proporcional, para ultrapassar a cláusula de barreira, coloca São Paulo, novamente, na condição de colégio eleitoral prioritário aos intentos trabalhistas. Contudo, a contribuição de uma chapa legislativa em solo bandeirante dependerá, em boa medida, do tracionamento que ela receberá em termos de estratégia política. Basta uma pesquisa na base de dados do TSE para constatar que, na maioria dos casos,
o sucesso em eleições proporcionais recaiu sobre as legendas que possuíam chapa majoritária própria. Em boa parte dos casos, as chapas majoritárias serviram exclusivamente de mola propulsora aos propósitos da eleição proporcional. No polo oposto, a maioria dos partidos que vincularam seus sonhos proporcionais a chapas majoritárias de outras legendas flertaram com o fracasso eleitoral.
É, portanto, imprescindível o lançamento de uma pré-campanha majoritária em São Paulo, uma vez que a história recomenda não ignorar a força política e eleitoral desse território. Assim, será possível fortalecer os rumos eleitorais do PDT e assegurar maior visibilidade à disputa proporcional, além de motivar nossa militância e servir de suporte à
projeção e à consolidação de lideranças nesse importante território político.
Não se vence uma disputa eleitoral guiando-se apenas pela bússola dos recursos financeiros, principalmente em legendas que não dispõem das mesmas quantias de fundo eleitoral que seus adversários históricos. Uma bem elaborada estratégia política é fundamental para São Paulo e valiosa para o Trabalhismo, visto que ambos têm um reencontro marcado para um futuro breve. E essa esfinge teimará em apresentar seu velho e assombroso
enigma: decifra-me ou devoro-te!
*Luiz Lemos é professor e vice-presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini em São Paulo