Reforma eleitoral muda regra democrática nos debates

Projeto de lei fere democracia ao mudar regra de debates eleitorais

O projeto de reforma eleitoral, aprovado na Câmara dos Deputados e que está sendo apreciado no Senado, altera uma conquista democrática fundamental do povo brasileiro: o direito dos partidos políticos de igualmente participarem dos debates eleitorais, realizados por veículos de comunicação que sejam concessionários públicos (emissoras de televisão e de rádio).

Ou seja, além da ameaça de supressão do artigo quinto que instituiu o voto impresso, a reforma eleitoral poderá suprimir outro importante direito político-eleitoral.

Em relação à questão dos debates, foi mantida a redação que assegura a participação de todos os candidatos*, mas o novo texto inseriu dois novos parágrafos (§4o e §5o) no item III do artigo 46 (Lei 9504), que criaram um mecanismo que tem sido interpretado de um modo que confunde o texto. Dizem os parágrafos quarto e quinto:

§4o-O debate será realizado segundo as regras estabelecidas em acordo celebrado entre os partidos políticos e a pessoa jurídica interessada na realização do evento, dando-se ciência à Justiça Eleitoral.

§5o-Para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras que obtiverem a concordância de pelo menos dois terços dos candidatos aptos no caso de eleições majoritárias, e de pelo menos dois terços dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional. (grifos meus)


Desse modo, a garantia legal de participação em um debate de todos os candidatos com representação na Câmara dos Deputados, até então assegurada, deverá ficar submetida ao veredito de uma possível maioria que se ponha de comum acordo às emissoras de TV e de rádio, promotoras do certame. Alegam os defensores dessa proposição que, assim, os debates não poderão mais ser impedidos quando um dos candidatos não concordar com as regras de participação propostas pelas empresas promotoras.

 

 

Debates excludentes

 

 

O argumento é por demais falacioso. Como sabemos, não são os candidatos ou seus partidos que impedem os debates, como querem fazer crer esses defensores. São as emissoras que adotam critérios excludentes que contrariam a lei, ferem a equidade política e as melhores práticas democráticas.
 

O critério utilizado pelas emissoras para a participação nos debates é a colocação dos candidatos nas pesquisas eleitorais. Essas, como sabemos, são celebradas nas conhecidas parcerias entre institutos de pesquisa e as próprias emissoras. A história das eleições no Brasil e no mundo já demonstrou que não se deve, nem do ponto de vista científico, nem em relação ao processo democrático, adotar tal critério como balizamento da vontade popular.

Nas eleições municipais de 2008, o candidato do PDT a prefeito do Rio de Janeiro, deputado Paulo Ramos, não concordou com as regras que as emissoras de TV, capitaneadas pela TV Globo, tentaram impor. Ramos defendeu o ethos democrático que deve presidir um processo eleitoral e o que manda a lei: a participação igualitária dos candidatos nos debates eleitorais. As emissoras queriam que participassem apenas os cinco mais bem colocados nas pesquisas. Ou seja, queriam uma discussão excludente, produzida de acordo com suas conveniências comerciais e seus interesses político-administrativos.

O que ocorreu todos sabem: TVs Globo, Record e Band não fizeram debates no Rio de Janeiro porque se recusaram a discutir formas de organizá-los de maneira a contemplar todos os concorrentes à Prefeitura. Pelo visto, talvez agora consigam impor, através da própria lei, os seus métodos antidemocráticos. 

Ainda está em tempo de barrar essa tentativa.

 

 

*Art. 46 - Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação dos candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais...”.

 

 

Mario Grabois, jornalista e cientista político

Projeto de lei fere democracia ao mudar regra de debates eleitorais

O projeto de reforma eleitoral, aprovado na Câmara dos Deputados e que está sendo apreciado no Senado, altera uma conquista democrática fundamental do povo brasileiro: o direito dos partidos políticos de igualmente participarem dos debates eleitorais, realizados por veículos de comunicação que sejam concessionários públicos (emissoras de televisão e de rádio).

Ou seja, além da ameaça de supressão do artigo quinto que instituiu o voto impresso, a reforma eleitoral poderá suprimir outro importante direito político-eleitoral.

Em relação à questão dos debates, foi mantida a redação que assegura a participação de todos os candidatos*, mas o novo texto inseriu dois novos parágrafos (§4o e §5o) no item III do artigo 46 (Lei 9504), que criaram um mecanismo que tem sido interpretado de um modo que confunde o texto. Dizem os parágrafos quarto e quinto:

§4o-O debate será realizado segundo as regras estabelecidas em acordo celebrado entre os partidos políticos e a pessoa jurídica interessada na realização do evento, dando-se ciência à Justiça Eleitoral.

§5o-Para os debates que se realizarem no primeiro turno das eleições, serão consideradas aprovadas as regras que obtiverem a concordância de pelo menos dois terços dos candidatos aptos no caso de eleições majoritárias, e de pelo menos dois terços dos partidos ou coligações com candidatos aptos, no caso de eleição proporcional. (grifos meus)

Desse modo, a garantia legal de participação em um debate de todos os candidatos com representação na Câmara dos Deputados, até então assegurada, deverá ficar submetida ao veredito de uma possível maioria que se ponha de comum acordo às emissoras de TV e de rádio, promotoras do certame. Alegam os defensores dessa proposição que, assim, os debates não poderão mais ser impedidos quando um dos candidatos não concordar com as regras de participação propostas pelas empresas promotoras.

 

 

Debates excludentes

 

 

O argumento é por demais falacioso. Como sabemos, não são os candidatos ou seus partidos que impedem os debates, como querem fazer crer esses defensores. São as emissoras que adotam critérios excludentes que contrariam a lei, ferem a equidade política e as melhores práticas democráticas.
 

O critério utilizado pelas emissoras para a participação nos debates é a colocação dos candidatos nas pesquisas eleitorais. Essas, como sabemos, são celebradas nas conhecidas parcerias entre institutos de pesquisa e as próprias emissoras. A história das eleições no Brasil e no mundo já demonstrou que não se deve, nem do ponto de vista científico, nem em relação ao processo democrático, adotar tal critério como balizamento da vontade popular.

Nas eleições municipais de 2008, o candidato do PDT a prefeito do Rio de Janeiro, deputado Paulo Ramos, não concordou com as regras que as emissoras de TV, capitaneadas pela TV Globo, tentaram impor. Ramos defendeu o ethos democrático que deve presidir um processo eleitoral e o que manda a lei: a participação igualitária dos candidatos nos debates eleitorais. As emissoras queriam que participassem apenas os cinco mais bem colocados nas pesquisas. Ou seja, queriam uma discussão excludente, produzida de acordo com suas conveniências comerciais e seus interesses político-administrativos.

O que ocorreu todos sabem: TVs Globo, Record e Band não fizeram debates no Rio de Janeiro porque se recusaram a discutir formas de organizá-los de maneira a contemplar todos os concorrentes à Prefeitura. Pelo visto, talvez agora consigam impor, através da própria lei, os seus métodos antidemocráticos. 

Ainda está em tempo de barrar essa tentativa.

 

 

*Art. 46 – Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação dos candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais…”.

 

 

Mario Grabois, jornalista e cientista político