Paulo Henrique Amorim tinha profunda admiração por Leonel de Moura Brizola. Até porque quando começou na profissão, em 1961, no jornal “A Noite”, sua primeira grande missão foi “cobrir” o movimento da Legalidade liderado por Brizola. Cobrir entre aspas porque sua tarefa era entrevistar diariamente um diretor do jornal que estava em Porto Alegre, escrever um texto e enviá-lo para a redação – tudo aqui no Rio de Janeiro – sem botar os pés no Rio Grande do Sul, em pé de guerra e sob a liderança de Brizola – para garantir a posse do vice-presidente João Goulart, vetado pelos militares. Episódio que ele conta com muito bom humor quando foi entrevistado pelo sindicalista Antonio Neto, para o Centro de Memórias do partido.
Na profissão Paulo Henrique percorreu todas as mídias, era completo. Começou no jornal, trabalhou em revista, rádio, televisão e ultimamente vinha fazendo, além da televisão, o blog “Conversa Afiada” – o mais importante e mais lido da internet brasileira. Paulo Henrique Amorim era um craque e também publicou vários livros – entre eles “Plim Plim a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”, da Editora Conrad, onde conta em detalhes o ainda conhecido “Caso Proconsult”, a tentativa de fraudar as eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982, pela via eletrônica, para impedir a eleição de Brizola; e vários outros.
A vitória de Leonel Brizola na eleição para governador do Rio de Janeiro em 1982 tem, muito, a ver com a seriedade do jornalista Paulo Henrique Amorim e o seu compromisso com a notícia e no livro “Plim Plim, a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”, ele conta essa história.
O Serviço Nacional de Informações (SNI) tentou impedir a vitória de Brizola – através de uma fraude eleitoral, a da Proconsult – que só não deu certo porque a ‘Radio Jornal do Brasil’ e o ‘Jornal do Brasil’, ao contrário do resto da mídia carioca, seguiu caminho próprio na hora de contar os votos, em apuração paralela, desconhecendo os números oficiais do TRE-RJ.
À frente da apuração paralela da rádio JB estavam os jornalistas Procópio Mineiro da Silva e Pery Cotta, à frente da redação do Jornal do Brasil estava o próprio Paulo Henrique Amorim. Ao final do primeiro dia de apuração, uma segunda-feira, a Rádio JB já tinha totalizado mais de mil urnas apuradas – porque a ela só interessava o somatório dos votos para governador e senador, desconhecendo as demais escolhas dos eleitores para aquela eleição que exigia voto vinculado a um mesmo partido para todos os cargos em disputa (prefeito, vereador, deputado estadual e deputado federal, além de governador e senador).
Votos recolhidos por estagiários nas zonas eleitorais somados na redação com simples máquinas de somar; enquanto o centro de processamento de dados (CPD) do JB, usando outra lógica, somava todos os votos contidos nas urnas apuradas, para todos os cargos. Na segunda-feira, ao final do primeiro dia de apuração, a rádio já tinha totalizado cerca de 1500 urnas (só votos para governador e senador) enquanto o jornal, no final do dia, tinha totalizado apenas duzentas e poucas urnas – totalizando todos os votos contidos nela.
Na hora de fechar o jornal e fazer a manchete do primeiro dia de apuração, Paulo Henrique Amorim, jornalisticamente, preferiu dar manchete com as mil e poucas urnas totalizadas pela equipe da Rádio JB, em vez das duzentas e poucas totalizadas pelo CPD do jornal. As urnas da rádio davam Leonel Brizola à frente de Moreira Franco na apuração da rádio, na apuração com menor número de urnas, feitas pelo jornal, Moreira Franco estava na frente.
Na primeira semana de apuração das eleições de 1982, no Rio de Janeiro, o “Jornal do Brasil”, tocado por Paulo Henrique, deu a semana toda – com base no avanço da apuração da Rádio JB e no uso de máquinas de somar; Brizola à frente. Enquanto a TV Globo (e O Globo, jornal) davam Moreira Franco à frente, criando uma grande confusão no Estado. O TRE, por sua vez, começou a dar resultados com Moreira à frente, via Proconsult, coincidindo o resultado com o que o Globo divulgava; enquanto o JB e a rádio JB, com base nos resultados das máquinas de somar, dava Brizola. O que ninguém sabia, naquele primeiro momento, é que as urnas estavam sendo fraudadas por um programa de totalização (os votos eram em papel) feito pela empresa Proconsult, contratada pelo TRE-RJ, ligada ao SNI, desviava os votos de Brizola para nulos e brancos – facilitando o caminho de Moreira Franco para a vitória.
Não deu certo porque a opinião pública se dividiu e, pior, tentaram “vender” para Brizola a sua “vitória” sobre a fraude. Brizola imediatamente procurou as autoridades e denunciou a tentativa de fraude e de suborno e, também, convocou a imprensa estrangeira para denunciar o que estava acontecendo. A apuração oficial embananou, o TRE-RJ começou a soltar boletim sobre boletim, embaralhando e confundido números, prevaleceu a apuração feita em paralelo pela Rádio JB e pelo JB, com base nos mapas de urnas colhidos nas zonas eleitorais.
Em 1986, na eleição que Darcy Ribeiro disputou contra o mesmo Moreira Franco, o mapa da urna – documento oficial – desapareceu. Não havia mais como somar e totalizar resultados das eleições. Mas este é outro assunto que o livro “Plim Plim, a peleja de Brizola contra a fraude”, não tratou.
O 4° Poder
Também é dele o livro “O 4° Poder” onde relata as relações promíscuas da mídia brasileira com o poder usando como principal espelho desta triste realidade os muitos anos que passou trabalhando para as Organizações Globo, do empresário Roberto Marinho. Sempre cortante nos seus comentários, tem uma frase dele no livro que sintetiza o que viveu na empresa dos Marinhos: “A autonomia do editor de política da TV Globo e do jornal O Globo é comparável ao voo da barata”. Ou seja, nenhuma.
Em palestra no lançamento do “4° Poder” em Brasília, Paulo Henrique fez questão de lembrar instrução que recebeu diretamente de Roberto Marinho quando foi contratado para a TV Globo: “Roberto Marinho me disse que poderia ficar a vontade na emissora, exceto se o assunto fosse Brizola. Porque mesmo que Brizola se atirasse na frente de um trem para salvar uma criança, antes falar bem ou mal, precisava ouvir a ele – Roberto Marinho”.
Na opinião de Paulo Henrique, Brizola foi o primeiro homem público brasileiro a perceber que sem uma Lei de Meios, como a que foi feita na Argentina pela presidente Cristina Kirchner seria impossível ter democracia no Brasil. A manipulação dos brasileiros via meios de comunicação sempre escandalizou Paulo Henrique Amorim – daí ele ter escrito este importante livro-denúncia, “4° Poder”, sobre o papel deletério da mídia na vida dos brasileiros. Exatamente como Brizola que dizia que a informação é o antídoto do golpe.
Por isto também chamou a atenção o afastamento de Paulo Henrique do ‘Domingo Espetacular’ da Rede Record de Televisão há menos de um mês, por pressão do governo Bolsonaro. Paulo Henrique vinha tocando o programa desde sua criação, há anos. Tempos atrás a mesma Record tirou do ar outro programa que ele tocava, entrevista semanal com personalidade a sua escolha. Sem choro nem vela o programa sumiu.
O espaço de Paulo Henrique, nos dias difíceis de hoje e desde a eleição de Bolsonaro, estavam se estreitando. O esforço do governo para silenciá-lo, como silenciou outros críticos atuantes.
Com certeza alguns cretinos, adoradores do atual governo, soltaram foguetes com a sua morte. E nós, admiradores do jornalismo corajoso e engajado de Paulo Henrique Amorim, perdemos. O seu “Conversa Afiada”, a página política mais lida e influente da internet, perde o seu titular e a sua TV Afiada, que adorava fazer, com quase 1 milhão de seguidores, vai silenciar. Uma imensa perda para o jornalismo brasileiro.
Paulo Henrique Amorim era cardíaco, sofrera infartos antes, se cuidava bastante. Com certeza, apesar do seu excelente humor, as dificuldades de hoje para ser o jornalista independente e com “J” maiúsculo que sempre foi, contribuíram para este desfecho.
Vai em paz, Paulo Henrique Amorim.
PS: O PDT está preparando uma publicação denunciando o esquartejamento e privatização ilegal, em partes, da Petrobrás. Paulo Henrique Amorim é um dos colaboradores dessa publicação, do Centro de Memórias do Partido, e como homenagem a ele antecipamos a publicação de seu texto – inédito, cortante e objetivo – como sempre foram os textos de Paulo Henrique Amorim.