Quando foi anunciado o potencial petrolífero do pré-sal, resultado de mais de 40 anos de esforços da geologia brasileira e cuja exploração situou a tecnologia petrolífera brasileira na vanguarda mundial, o presidente Lula fez três declarações.
Primeiro afirmou que os efeitos dinâmicos do desenvolvimento da economia do petróleo seriam orientados prioritariamente para a base produtiva brasileira. Essa orientação faria renascer uma inequívoca frente para a industrialização brasileira. Creio que a Petrobrás vem respondendo a essa diretiva. Contudo, 33% do plano (2010/2020) ainda alimentará encomendas no exterior. Plataformas de petróleo e navios offshore deveriam ser objeto de um programa específico de incentivo, onde as compras da Petrobrás dariam segurança para a instalação de novos estaleiros.
Em segundo lugar, o presidente Lula afirmou que o Brasil não seria exportador de petróleo cru. Essa foi a mais importante declaração estratégica feita pelo presidente ao longo de seus dois mandatos. É uma maldição ser exportador de petróleo cru; é uma bênção ser autossuficiente em combustíveis fósseis não renováveis. Nenhum país exportador de petróleo logrou uma civilização adequada; alguns se arruinaram com o esgotamento dos campos de petróleo. Indonésia e México são exemplos dramáticos. O esgotamento dos campos de gás da Holanda deu origem à `doença holandesa`: desmontagem das bases produtivas industriais e agropecuárias porque a valorização de sua moeda aniquilou a produção nacional interna. Má distribuição de renda, gastos militares excessivos, influência aberta e subterrânea das potências importadoras e dos apetites das empresas processadoras do óleo exportado cru, perseguição de minorias, episódios dramáticos nas tentativas de estabelecimento de soberania nacional são algumas das dimensões facilmente associadas pela investigação geopolítica às economias exportadoras de petróleo cru. É o moderno Toque de Midas que, com riqueza infinita, morreria com a maldição do ouro.
À exceção da Noruega que, altamente civilizada, com procedimentos de justiça social amadurecidos, soube aproveitar o petróleo, os países que se sucederam aos EUA tiveram destinos duvidosos. Em 1908, a Pérsia extraiu petróleo; e, em 1928, o Iraque. Os EUA, após usarem o seu petróleo pioneiro para querosene, em 1925, detinha 50% do petróleo do mundo e, utilizando-o, criou as bases tecnológicas da II Revolução Industrial, ocupou o centro do mundo e, hoje, bebe quase 30% de todo o óleo produzido no mundo e têm reservas só para quatro anos de consumo. O maior orçamento militar do mundo domina todos os oceanos e pratica (necessariamente) a geopolítica mundial do petróleo. Os EUA não se dispõem a reduzir o consumo de combustíveis fósseis per capita de sua população. Não aderem à Convenção de Kyoto e expandem sem parar seu gasto militar (que é maior que o somatório dos gastos das nove outras potências que lhe seguem na lista). Com seu pragmatismo, defendem – sem assumir – as teses do Clube de Roma. Não assinam a Convenção de Kyoto nem reduzem seu potencial nuclear. Os EUA têm que ser o xerife do mundo, pois estão vulneráveis sem petróleo. Nosso pré-sal é a Amazônia Azul, que se funde com o objeto de desejo que é a Amazônia Verde.
É preocupante que o plano de negócios da Petrobrás projete uma empresa exportadora de 1 bilhão a 2 bilhões de barris por dia, ao longo de uma década. É importante o investimento projetado pela empresa em abastecimento, refino e bioenergia. É inquietante que o Brasil se converta em fornecedor de petróleo cru. Estamos no baixo-ventre do beberrão império americano, viciado em consumir petróleo dos outros. Sei que a ativação da Quarta Frota é um reajuste puramente organizacional e administrativo, porém sei da força e – porque não dizer ? – do xerife do mundo.
A Petrobrás, ao investir em exploração e produção, necessita de mercado para o novo óleo a ser produzido. Seria um erro estratégico o Brasil aumentar nosso vício ao consumo de derivados de petróleo. Em termos relativos, temos uma péssima matriz logística e consumimos diesel em demasia. Ao não dispor de navegação costeira e fluvial e ainda não estarem integradas todas as regiões, somos bebedores de petróleo e, com nossas metrópoles sem transporte sobre trilhos, bebemos gasolina com o transporte motorizado urbano.
Não creio que a Petrobrás esteja acatando a orientação do presidente Lula. Olhando seu plano de negócios, aparece com clareza a prioridade da China importadora no futuro. É um `negócio da China` garantir prioridade de óleo cru brasileiro, porém os EUA podem pleitear a mesma ou maior prioridade. Está a Petrobrás abrindo o caminho para o olho do furacão geopolítico?
Energia não renovável será cada vez mais escassa no planeta. Assim, quanto mais petróleo for reservado, melhor. Se a Petrobrás quiser expandir suas operações fora do Brasil, não deve ser objetada. O petróleo é um ouro negro que se valoriza mais que o ouro metal e tem mais de 3 mil usos. Quanto mais conhecida e `poupada`, maior será o valor da reserva de petróleo.
Creio ser um péssimo negócio o Banco Central acumular reservas de US$ 250 bilhões, aplicando-as em títulos do Tesouro americano (que rendem juros insignificantes) pagando aos detentores de títulos de dívida uma taxa que supera 10% ao ano. Do ponto de vista da soberania nacional, deveria aplicar parte dessas reservas para adquirir ações da Petrobrás (que o governo vendeu na Bolsa de Nova York).
A Petrobrás poderia desenvolver campos de petróleo sem colocá-los em produção; poderia `vendê-los` ao Tesouro nacional como um lastro-petróleo superior a títulos do Tesouro americano ou ouro metal. Na produção de energia para a utilização no futuro pela economia nacional, a Petrobrás teria o direito de recompra desses poços.
Os países exportadores de petróleo cru têm enorme dificuldade de priorizar gastos sociais. Em torno da economia do petróleo se agrupam privilegiados que se apropriam dela que deixa então de ser nacional para pertencer a uma `casta` poderosa. Da antiga Pérsia à Venezuela, sobram exemplos históricos dessas ligações espúrias que, em alguns momentos, inspiram movimentos.
Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ e foi presidente do BNDES.