No momento de emergência pandêmica em que vivemos, o mais comum seria pensar que todas e todos os brasileiros estão a lutar pela coletividade, pelo bem comum. Porém, a realidade é mais áspera do que nossos sonhos, e observamos que projetos políticos ou econômicos particulares tendem a emergir de forma sorrateira. Por sorte, as instituições e o judiciário continuam sua constitucional tarefa de acompanhar os fatos e zelar pelos concidadãos brasileiros.
Duas situações específicas nos chamaram atenção. A primeira foi a percepção de que os bancos estavam aumentando os juros e dificultando o crédito aos pequenos empresários, mesmo tendo recebido R$ 1,2 trilhão de liquidez do Banco Central. Sim, você leu direito, no final do mês de março o Banco Central agiu junto ao sistema bancário, com a finalidade de manter o fluxo de crédito, dando suporte ao pequeno empresário. Foi um conjunto de medidas que, somadas, chegam ao R$ 1,2 trilhão.
Ocorre que tais benefícios não chegaram na ponta, em quem mais precisa. O Sebrae apresentou pesquisa realizada entre os dias 3 e 7 de abril, duas semanas depois de anunciadas as medidas do Banco Central. Os números: apenas quatro em cada dez donos de pequenos negócios vinham tendo seus cadastros aprovados, ao buscarem crédito no sistema financeiro. Além disso, os bancos aumentaram os juros e cortaram linhas de crédito, como denunciado pelos varejistas em carta ao Banco Central, entregue nos últimos dias do mês de março.
Diante dessa situação, o PDT, através de seu presidente Carlos Lupi, ajuizou ação popular contra a União e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Argumenta que os bancos retiveram os ativos líquidos e não disponibilizaram crédito no mercado. Em decisão da lavra do juiz Renato Borelli, da Justiça Federal de Brasília, ficou proibido que, durante a pandemia, as instituições do Sistema Financeiro Nacional (SFN) aumentem taxas de juros, ou mesmo sejam ainda mais rígidas nas exigências de concessão de crédito. Foi determinado ainda que o Banco Central adote medidas para condicionar a concessão de futuros benefícios ao sistema bancário à apresentação das novas linhas de créditos a favor do mercado produtivo.
De outro lado, mas não menos alarmante, o senhor presidente havia publicado a Medida Provisória 926, que alterava a lei 13.979. Entre outras coisas, a MP estabelece a exclusividade da presidência da república na competência de dispor sobre atos de isolamento, quarentena e interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de circulação. Tal medida provisória foi uma reação da inerte presidência aos diligentes atos de governadores de estado e prefeitos que, temendo a propagação do vírus, passaram a tomar providências prévias de quarentena em seus territórios.
O PDT foi rápido e apresentou Ação Direta de Inconstitucionalidade à ADI 6341, apresentando a flagrante interferência no regime de cooperação dos entes federativos. A ação teve como relator o ministro Marco Aurélio Melo e obteve decisão liminar favorável, posteriormente ratificada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Foi reconhecida competência concorrente de municípios e estados para legislar sobre saúde pública, nos termos do artigo 23, inciso II da Constituição Federal e, dessa forma, a MP de Bolsonaro naufragou, prevalecendo a legitimidade dos atos praticados por todo o país, por prefeitos e governadores.
Em tempos de crise, somos tomados por espanto ao ver que interesses mesquinhos continuam a ser defendidos por alguns, em detrimento do bem de uma coletividade. Mas, por outro lado, faz-se necessário o elogio à sigla brizolista que, agindo rápido em favor do povo, demonstra que não só de parlamentares se faz um partido político.
*Eduardo Rodrigues de Souza é advogado, professor e vice-presidente Nacional da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini e membro da Comissão Nacional do agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)