O PDT, juntamente com os partidos da oposição PSol, PCdoB, PT e PSB acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir suspensão imediata da portaria publicada pelo Ministério da Saúde que limita o aborto legal em caso de estupro. O pedido, em caráter liminar, é conteúdo de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), protocolada nessa quarta-feira (2). No mérito, a ação pede que a corte declare inconstitucional a portaria assinada pelo ministro interino, Eduardo Pazuello.
Na minuta do documento, os partidos argumentam que “a negativa do acesso ao aborto em caso de gestação decorrente de violação sexual – na medida em que promove a revitimização de mulheres e meninas, que são obrigadas a reviver e a lidar com as consequências da violência sofrida – configura prática de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante”.
Publicada na última quinta-feira (27), a portaria nº 2.282/2020 prevê notificação à autoridade policial no caso de interrupção de gravidez resultado de estupro e aumenta as barreiras para o procedimento previsto em lei há 80 anos.
O documento também estabelece que a equipe médica informe a gestante sobre a “possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia” e insere, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido o que entende ser o “detalhamento dos riscos da realização da intervenção por abortamento”.
A norma foi editada no mesmo mês em que ganhou repercussão nacional a história de uma menina de 10 anos vítima de violência sexual que enfrentou várias barreiras para conseguir interromper a gravidez resultado de agressão.
Desde 1940, o Código Penal não considera crime o aborto em caso de estupro ou de risco à vida da gestante. Decisão do STF de 2012 ampliou esse direito para casos em que o feto é anencéfalo.
Nos casos de violência sexual, de acordo com a previsão legal, não é necessário que a vítima prove a agressão por meio de um boletim de ocorrência, por exemplo. Basta procurar o serviço de saúde. Porém, muitas mulheres e meninas nessa situação já tinham o direito negado. A portaria assinada por Pazuello é vista como mais uma barreira para acessar esse serviço de saúde.
Na ADPF, os partidos pedem que a norma seja declarada inconstitucional e que, até que esse julgamento seja feito pelo STF, haja suspensão imediata dos efeitos da portaria. “Caso não se suspenda imediatamente os dispositivos impugnados, estes – em que pese a manifesta violação de preceitos fundamentais – terão o condão de permanecer produzindo, diariamente, efeitos nefastos a mulheres e meninas. É notório, portanto, o risco da demora”, diz a minuta.
Caso a corte não acolha a suspensão na íntegra, a ação pede que sejam suspensos os artigos 1º e 8º, bem como a nova redação do Termo de Consentimento Livre a Esclarecido.
Os artigos preveem, respectivamente, a notificação obrigatória e a visualização do feto por ultrassom. Já a nova versão do termo de consentimento enumera uma série de riscos do procedimento e da forma como foi escrita é considerada parte de uma “estratégia de coação de meninas e mulheres a não realizarem um aborto”, de acordo com a minuta.
O novo termo de consentimento alerta, por exemplo que há risco de “complicações graves, como sangramento intenso, danos ao útero ou sepse”, porém não cita que isso acontece com cerca de 1 em cada 1.000 mulheres. “Se verifica do excerto incluído é o superdimensionamento dos riscos, na medida em que (i) não informa a sua preponderância e (ii) não os coteja com os perigos decorrentes da sua não realização, no caso, do prosseguimento da gestação e do parto”, diz a minuta.
De acordo com o documento, “sob o pretexto de comunicar riscos”, a portaria “desinforma e amedronta as mulheres”. “Isso porque a seleção de dados é operada de forma enviesada – embora seja colocada como imparcial – manipulando e obstando o livre exercício da convicção e da autonomia da vítima de violência sexual ou de seus tutores”, diz o texto.
Revitimização do estupro
A minuta enumera uma série de direitos violados pela portaria, como o “direito à saúde, inviolabilidade do direito à vida e da dignidade da pessoa humana”, previsto nos artigos. 1º, III, 5º, CAPUT, 6º e 196, da Constituição Federal. “A negativa de acesso ao abortamento se dá não apenas diante da recusa na realização do procedimento, em sentido estrito, mas também reside na imposição de barreiras ao exercício desse direito”, diz o texto.
Dentre os entraves citados está a estipulação de exigências que “não encontram fundamento no ordenamento legal ou em evidências científicas”. A ADPF cita o descumprimento das normas na prática, como serviços de aborto legal que afirmaram solicitar boletim de ocorrência.
Os partidos também questionam uma inversão na atuação dos profissionais de saúde, que atuariam como profissionais de segurança pública, se for seguida a previsão da portaria. Esse tipo de entendimento promove a revitimização da vítima de estupro e pode desencorajar ainda mais a procura por ajuda.
“A tipificação do aborto enquanto crime cria uma esfera de descrença em torno das narrativas de mulheres, de modo que o relato de violência sexual – aspecto que importa ao escopo da presente ação – acaba por ser submetido à avaliação da credibilidade do relato das vítimas”, diz o texto.
De acordo com a minuta, “a aplicação, por parte dos profissionais de saúde, desta lógica de inquérito no âmbito de acolhimento de pacientes favorece situações como a negativa de atendimento a mulheres com complicações decorrentes de abortos inseguros e mulheres algemadas em leitos de hospital”.
Leia a íntegra da ação