Minha modesta homenagem a um grande maranhense e um grande homem
(Mais sobre Neiva, na Misa do Brizola)
(Mais sobre Neiva, na Misa do Brizola)
Por Beatriz Bissio
Acabo de saber por minha filha Micaela que Neiva Moreira seu pai, meu companheiro de caminhada por quase três décadas está internado no Hospital São Domingos, em São Luis.
Acabo de saber por minha filha Micaela que Neiva Moreira seu pai, meu companheiro de caminhada por quase três décadas está internado no Hospital São Domingos, em São Luis.
Escrevo para aliviar o meu sentimento de dor diante do quadro, diante de um desenlace que sabemos que um dia chegará, mas diante do qual todos sentimos a mesma impotência e perplexidade. Um desenlace que nos abre tantas indagações sobre o sentido da vida e da morte, e nos coloca a necessidade de fazer balanços e retrospectivas…
Nestes momentos a pergunta que mais martela na minha cabeça é: qual deveria ser a punição por matar um sonho? Que pena merece quem nos tira o sonho que nos alimenta a vida?
Pode parecer a primeira vista uma pergunta pouco pertinente, mas não é. Quem conhece o Neiva sabe de seu amor ao Maranhão; sabe que o Maranhão foi o eixo em torno do qual ele teceu a sua vida pública e sua militância política.
Quando eu o conheci, no exílio do Uruguai, entre as primeiras coisas que fez questão de me apresentar do Brasil estavam o doce de buriti e o guaraná Jesus que ele recebia através das visitas anuais de sua irmã Gel, do filho Antonio Luis e da sobrinha Memélia e a Canção do Exílio, do poeta maranhense Gonçalves Dias, que ele recitava como se fosse de sua autoria, tal a identificação que sentia com aqueles versos, principalmente com os que enfatizava sempre: Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá…
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
(…)
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem quinda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Quando finalmente o Neiva voltou do exílio, após a anistia, fez
Questão de optar por uma conexão aérea no mínimo exótica, com uam escala no
Amazonas, para viajar diretamente do México ao Maranhão, sem passar primeiro pelo
Rio nem por São Paulo…
Essa devoção ao Maranhão, que sonhava democrático e livre!, livre da pesada carga que lhe tinham imposto gerações de políticos elitistas e corruptos, contra os quais ele sempre se insurgira, primeiro como jornalista e, depois, como político que representava uma renovação na atrsada geografia política local, teve um desfecho feliz quando Neiva Moreira entrou no Palácio dos Leões, em janeiro de 2007. Pelo braço do amigo, irmão, companheiro de lutas, Jackson Lago e das forças políticas que o tinham conduzido à vitória, Neiva recebia a mais clara demonstração de que a sua vida de luta a prisão, o exílio tinham valido a pena. As semenetes de rebeldia que ele tinha ajudado a plantar estavam dando frutos…
Jackson Lago nomeou Neiva Moreira como seu assessor especial e o colocou perto dele, no Palácio dos Leões, numa sala por onde passavam prefeitos, deputados, amigos, correligionários, e até adversários políticos, que ele sempre atendia prontamente e ouvia com extrema paciência, buscando encaminhar da melhor forma possível as suas reivindicações, sugestões ou mesmo críticas.
Vieram depois dias tenebrosos e inesquecíveis: a canalhice e a mesquinharia, a corrupção e a mentira tomaram conta dos destinos do Maranhão. Mais uma vez, o Neiva acompanhou a resistência. Mesmo com a saúde já debilitada, esteve no Palácio dos Leões, resistindo junto ao amigo e irmão Jackson Lago, até o desfecho.
Quando saímos do Palácio dos Leões, acompanhando Jackson Lago, naquele dia que ficaria para sempre gravado na nossa memória e que os historiadores do futuro chamarão DIA DA VERGUNHA porque um governador dignamente eleito foi tirado do cargo em nome da lisura eleitoral pelo grupo político que mais pisoteou na história deste país tudo o que pode ser lisura!!!! eu tive a nítida sensação de que aquilo que para qualquer um de nós era um dia profundamente doloroso, para o Neiva era como uma sentença de morte! Senti que muitos de nós talvez teríamos tempo, ainda, de ver germinar as sementes da rebeldia e de ver o povo do Maranhão dando a sua resposta para esse ato covarde que teve a chancela da Justiça. que teve a chancela da Justiça.
Mas, senti que para o Neiva o tempo não era o mesmo e que ele percebia isso nitidamente. Do alto de seus mais de 90 anos, ele sabia que dificilmente chegaria a ver o dia em que novamente o povo do Maranhão tomaria o destino nas suas mãos.
De lá para cá, o Neiva mergulhou nas lembranças do passado, buscando nelas o alivio para o peso do presente. Voltou a viver com intensidade os anos de juventude, as lutas que ele protagonizou junto a homens e mulheres que tanta falta nos fazem hoje Brizola, Dona Neuza, Darcy Ribeiro, João Goulart, Edmundo Moniz, Luiz Carlos Prestes, Maria Aragão, Brandão Monteiro, Doutel de Andrade, Lysâneas Maciel e tantos outros que já não estão mais entre nós e que semearam este país de sonhos de futuro.
Ao tirar o mandato do Jackson Lago, o grupo de forças políticas do Maranhão que representa o atraso estava tirando do Neiva o sentido de sua vida! Tinham apunhalado o seu maior sonho: o de viver para ver o novo Maranhão germinar!! E, sem alimento para a sua alma inquieta, ele começou a definhar…
Diante da noticia de seu estado de saúde, esta foi a forma que encontrei de prestar-lhe homenagem!
Querido Neiva: seu sonho não morrerá!
Nós não vamos esquecer as suas lições de vida e continuaremos a lutar por seus ideais.
Com o carinho e a admiração de sempre,
Beatriz Bissio
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Beatriz Bissio é uruguaia e conheceu Neiva Moreira, em Montevidéu, ainda estagiária, quando ele era secretário-de-redação de um daqueles jornais alternativos, que, naquele país, tiveram força e expressão, ao contrário do Brasil, onde a imprensa livre é esmagada pela grande mídia. Dali a algum tempo, porém, o Uruguai foi tragado pela onda autoritária e um grupo extremista deu 24 horas para que Neiva deixasse o país ou corresse o risco de ser “justiçado”. Na Argentina, para onde o acompanhou Beatriz, prenunciava-se uma nova primavera política, com a volta de Perón, em 1973. Mas Perón seria logo assediado por outro grupo obscurantista e Neiva defrontou-se com novo ultimatum. Alojando-se na vizinha Bolívia, o casal de jornalistas sonhadores sabia que não estavam seguros e embrenharam-se na aventura romântica de conhecer in loco o processo de descolonização da África, marcado pelo desembarque de tropas cubanas, que deram a vitória ao popular MPLA, em Angola, em 1974. Neiva escreveu um livro “Os cubanos na África”. Naqueles dias, Beatriz descobriu que estava grávida de Micaela, a filha de ambos a que ela se refere no início do artigo. Eles ainda perambulariam pelo mundo por mais mais cinco anos até que, em 1979, a anisita devolveu os direitos políticos ao velho guerreiro.
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Beatriz Bissio é uruguaia e conheceu Neiva Moreira, em Montevidéu, ainda estagiária, quando ele era secretário-de-redação de um daqueles jornais alternativos, que, naquele país, tiveram força e expressão, ao contrário do Brasil, onde a imprensa livre é esmagada pela grande mídia. Dali a algum tempo, porém, o Uruguai foi tragado pela onda autoritária e um grupo extremista deu 24 horas para que Neiva deixasse o país ou corresse o risco de ser “justiçado”. Na Argentina, para onde o acompanhou Beatriz, prenunciava-se uma nova primavera política, com a volta de Perón, em 1973. Mas Perón seria logo assediado por outro grupo obscurantista e Neiva defrontou-se com novo ultimatum. Alojando-se na vizinha Bolívia, o casal de jornalistas sonhadores sabia que não estavam seguros e embrenharam-se na aventura romântica de conhecer in loco o processo de descolonização da África, marcado pelo desembarque de tropas cubanas, que deram a vitória ao popular MPLA, em Angola, em 1974. Neiva escreveu um livro “Os cubanos na África”. Naqueles dias, Beatriz descobriu que estava grávida de Micaela, a filha de ambos a que ela se refere no início do artigo. Eles ainda perambulariam pelo mundo por mais mais cinco anos até que, em 1979, a anisita devolveu os direitos políticos ao velho guerreiro.