I- O processo do golpe de Estado no Brasil continua a repercutir de forma muito negativa no cenário mundial.
II- A comunidade mundial está perplexa. Não consegue entender direito o que se passa no Brasil. Sobretudo, não consegue entender como uma presidenta sabidamente honesta pode ser afastada por adversários que são sabidamente corruptos e desonestos. A comunidade internacional simplesmente não consegue entender a farsa monumental daquilo que alguns já chamam de “o golpe dos corruptos”.
III- Luis Almagro, Secretário-Geral da OEA, resumiu bem essa perplexidade numa entrevista desta semana ao jornal espanhol El País, na qual afirma que o que acontece no Brasil é “o mundo ao contrário”.
IV- Além da manifestação indignada da OEA, podemos destacar também a da Cepal, agência especializada da ONU, a da ONU Mulheres, a do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a da UNASUL e de seu Secretário-Geral, Ernesto Samper, a do prêmio Nobel Adolfo Pérez-Esquivel e a dos ex-chefes de Estado, como José Mujica (Uruguai), Felipe González (Espanha), Massimo D’Alema (Itália), e Ricardo Lagos (Chile). Houve também a dos chefes de Estado atuais, como Michelle Bachelet (Chile), e Tabaré Vasquez (Uruguai), entre vários outros.
V- Os próprios meios de comunicação internacionais, como os jornais britânicos The Guardian e The Independent, a revista alemã Der Spiegel, o jornal francês Le Monde, o jornal espanhol El País, os jornais americanos Los Angeles Times e o New York Times, entre muitos outros, fazem, há tempos, reportagens e matérias questionando fortemente o processo do golpe no Brasil. A Der Spiegel já está chamando o impeachment de “golpe frio”. O jornalista Glenn Greenwald, ganhador do prêmio Pulitzer por suas matérias sobre Edward Snowden, declarou recentemente que está “chocado” com o papel da mídia brasileira no golpe.
VI- Pois bem, a inacreditável votação de ontem só fez aprofundar essa impressão negativa que o golpe desperta no cenário mundial. Alguns jornais independentes, como o Página 12 da Argentina, já falam abertamente em “golpe institucional” no Brasil. Há, inclusive, artigo neste jornal que tem como título “O Golpe dos Escravocratas”, o qual menciona o “sorriso sardônico” de Eduardo Cunha e os interesses de alguns parlamentares dos estados do norte, notadamente os do Pará, na restauração de políticas que atendam aos interesses de grandes fazendeiros que atentam contra o meio ambiente e os direitos humanos.
VII- O jornal espanhol El País traz matérias e artigos que fazem referência expressa ao ridículo da votação de ontem. “Circo e constrangimento na Câmara” é um deles. Nesse artigo, menciona-se que “frases como “fora roubalheira” foram gritadas no plenário, o que não deixa de soar um pouco irônico, já que sobre as costas de boa parte dos parlamentares recaem acusações de, justamente, delitos de corrupção”. Outro artigo é mais direto e tem como título “Cunha entrega o impeachment, e deve receber ‘anistia’ em troca”. Não precisa de comentários, não é?
VIII- O conservador New York Times, principal jornal norte-americano, que já havia publicado artigo que destacava a contradição gritante do fato da presidenta ser julgada por parlamentares que enfrentam pesadas acusações de corrupção, desta vez publica matéria que, entre outras coisas, adverte para o provável “dano duradouro à democracia brasileira” que esse processo poderia ocasionar. O jornal destaca que, embora os juristas e os cientistas políticos estejam divididos, há uma maioria que questiona os “fundamentos frágeis” do processo de impeachment.
IX- O jornal francês Le Monde, em sua principal matéria sobre o assunto, intitulada “A Descida ao Inferno de Dilma Rousseff”, menciona que as pedaladas fiscais, praticadas por todos os governos anteriores ao de Dilma, constituem-se em “pretexto”. A matéria, embora bastante crítica ao governo Dilma, destaca que, até agora, Dilma não foi acusada de enriquecimento pessoal, ao contrário de Cunha, seu principal algoz.
X- Mas talvez o mais incisivo tenha sido o jornal britânico The Guardian, o mais independente jornal do Reino Unido. Na matéria, o The Guardian menciona que na noite escura, o ponto mais baixo foi o voto de Bolsonaro, que o dedicou ao torturador de Dilma, Carlos Brilhante Ustra. O jornal também menciona os votos de Paulo Maluf, que continua na lista da Interpol e Silas Câmara, réu em processo por corrupção. O The Guardian é irônico ao reconhecer que mais de 150 votos dados ao golpe provieram de políticos acusados de corrupção. E é implacável ao dizer que a votação refletiu os “aspectos farsescos da democracia brasileira”, como o fato do Partido das Mulheres só ter homens. Ou como o fato de uma presidenta honesta ser julgada por notórios corruptos.
XI – A que ponto chegamos. Estamos sendo vistos pelo mundo inteiro como uma republiqueta de bananas, como uma farsa, por causa de um golpe sem nenhuma justificativa jurídica consistente. Esse golpe não está apenas destruindo nossa democracia, está destruindo a imagem do nosso país, do nosso sistema político. Estávamos sendo bem-vistos porque combatíamos a corrupção. Agora, somos vistos como farsa porque queremos golpear um governo que, apesar de todos os seus erros, nunca interferiu nas investigações, como agora a Câmara tenta fazer.
XII – Esperamos que o Senado, Casa Revisora de equilíbrio político maior, barre o golpe e nos reponha no caminho que poderá voltar a suscitar o respeito da opinião pública mundial.
(*) Marcelo Zero é jornalista