Prezado Ministro. Lá se vão 25 anos do nosso primeiro encontro, em Rio Maria, no sul do Pará, quando do “Dia Municipal contra a Violência e a Impunidade”, em 12 de março de 1991, um mês depois da morte do líder sindical Expedito Ribeiro da Silva. Eu, a serviço do extinto Jornal do Brasil.
Você – e me permito este tratamento por sermos da mesma geração, sem lhe faltar o devido respeito – junto com o seu então colega José Roberto Santoro, acompanhavam o Procurador Federal da Defesa dos Direitos do Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, ao mesmo tempo que, designados pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, elaboravam um dossiê sobre a violência em toda região. Na época, a contabilidade era macabra: em 11 anos, 17 líderes trabalhistas assassinados e muitos dos acusados por esses crimes, livres, ameaçavam a todos. Estava lá também Luiz Inácio Lula da Silva.
Pouco depois, já na Veja, a partir de outra investigação sua com o Santoro, fui, com o fotógrafo Paulo Jares, ao “Garimpo do Sangue”, em Matupá (PA). Mas esta é outra história.
Neste quarto de século, muita coisa aconteceu. Nos distanciamos, você de jovem procurador na época, chegou a subprocurador da República e eu continuei na missão de reportar. Mas, cada um na sua trincheira, lutamos pelos mesmos objetivos: o fim da impunidade, o restabelecimento, a partir da Constituição de 1988, do tão desejado Estado Democrático de Direito onde predominam as leis e, em consequência, a civilidade.
Fomos nos reencontrar de maneira rápida, na quinta-feira passada (17/03) quando testemunhei o início desse seu novo desafio, ao ser empossado como ministro da Justiça. De tão concorrida a cerimônia, mal nos cumprimentamos.
Sem dúvida, sua nova função é espinhosa. Não a invejo. Mal chegou e já recebe críticas por falar o óbvio, isto é, que a lei existe para ser cumprida, principalmente por quem recebe do Estado para fazer cumpri-la. Nada de tão misterioso, mas na cabeça de alguns isto soa como ameaça. Por quê?
Aparentemente, sua fala, que muitos viram como autoritária, de tão evidente, merece o aplauso de todos. Afinal, cobrar o cumprimento das leis, é garantir a todos os cidadãos que a Polícia, que existe para lhes dar segurança e, em consequência, ao Estado, não cometerá arbitrariedade com ninguém, o que não significa ser conivente com crimes e criminosos.
Seu alerta também mostra aos agentes, no caso os operadores da Lava Jato, que agindo no estrito cumprimento legal jamais serão acusados de ilegalidades tais como colocar sem autorização, forçar delações premiadas, tomar partido em investigações, optar por investigar A e esquecer B, faltar com a verdade, esconder fatos desabonadores, e tantas outras coisas que dificilmente o povo que aplaude quem combate a corrupção acreditaria que eles fossem capazes de fazer. E mais, jamais os apoiariam. O que o povo quer, é preciso acreditar, é o cumprimento de todas as leis, em todos os momentos da apuração da execrável corrupção. Ou haverá quem repudie o Estado Democrático de Direito? Não acredito.
Protestos sem fundamento – Ao ler que delegados federais, através da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) sentiram-se ameaçados com sua chegada ao Ministério a ponto de reverberarem esse medo por suas páginas no Face book (veja ao lado) e pela imprensa, “denunciando” que a Operação Lava Jato passou a correr risco, suspeito que eles já gozavam da autonomia pela qual dizem estar brigando através da PEC 412. Ou será que antes eles não entendiam dever explicações ao seu chefe imediato, isto é, o ministro da Justiça?
É obvio que, como bacharéis em Direito, todos eles sabem que as funções de um ministro são mais administrativas e bastante limitadas em termos jurisdicionais. Não há como ele interferir nas investigações.
Pode, sim, transferir agentes e delegados, mas isso não significa abafar a investigação pois, não só existem agentes, delegados, escrivães e peritos tão habilitados quanto os do Paraná dentro da Polícia Federal, como por detrás da Operação há um Ministério Público atuante, um juiz dedicado ao extremo neste caso – a ponto, dizem, de se sentir infalível – e todos os tribunais superiores que não permitirão isso. Nem tampouco lhes são dadas condições políticas para abafar algo desta natureza. Hoje, qualquer atitude nesse sentido será como acender um palito de fósforo no barril de pólvora que outros montaram e que, como citou Luiz Fernando Veríssimo em sua coluna de domingo passado – “O primeiro morto” -, está prestes a fazer um primeiro cadáver.
O real motivo do medo – Na verdade, prezado Aragão, há mais motivos de medo do que sua simples fala de que não permitirá ilegalidades.
No fundo, suspeita-se, eles temem que você, no ministério, resolva pedir ao diretor geral do DPF, Leandro Daiello, explicações sobre alguns fatos ocorridos nestes últimos 24 meses e jamais esclarecidos.
No último dia 17, por exemplo, muito se falou sobre os dois anos da Lava Jato, mas a grande imprensa toda se calou sobre um outro fato paralelo ocorrido na mesma data: a instalação de um grampo ilegal na cela de Alberto Youssef. Não preciso me estender mais sobre o assunto, pois aqui no blog já há postagens suficientes explicando em detalhes tudo o que aconteceu. Cito apenas uma, publicada no início de novembro, a partir de um ofício assinado pelo corregedor do DPF, delegado Roberto Mario da Silva Cardoso: Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade.
Nesta postagem, consta o ofício que volto a reproduzir ao lado. Nele, o corregedor prometeu, em 12 de novembro de 2015, ao juiz Sérgio Moro, que até o final de novembro lhe remeteria o resultado da nova sindicância que investigava o grampo achado pelo doleiro, em abril de 2014, em sua cela. Nova porque a primeira, ao que tudo indica, teve uma falsa conclusão – de que o grampo estava ali há mais tempo e inativo.
Conviveremos com ilegalidades confirmadas? – Porém, ministro, já se passaram quatro meses da promessa do corregedor e o resultado da sindicância continua misterioso. Nem seus colegas do Ministério Público Federal os quais, por dever da lei, deveriam fiscalizar a atividade da Polícia, nem o juiz Moro se preocupa em cobrá-la. É um mistério.
Mas há uma possível explicação. Trata-se, na verdade, de uma suposição que não apenas eu, mas muitas das minhas fontes do Paraná e da Polícia Federal dividem comigo: o responsável por tudo isso deve ser – e é nova suspeita – o delegado Alfredo Junqueira, da Coordenadoria de Assuntos Internos da Corregedoria do DPF, por ser justamente um policial sério, íntegro e dedicado. Ele teria concluído que o grampo existiu, conseguiu recuperar áudios captados na cela. Tudo, como já se sabe, sem autorização judicial. como narramos em Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas.
A divulgação desta sindicância, ministro, torna-se assim, uma ameaça muito mais palpável à Operação Lava Jato do que a promessa de punir quem vazar informação. Caso ela seja revelada – e, talvez, não a tenha sido justamente por isso – será preciso punir quem mandou instalar um grampo ilegal. Ou a Polícia Federal, o MPF do Paraná e o juiz Moro irão conviver com uma ilegalidade confirmada?
A punição, acontecendo, atingirá três peças importantes em toda a estrutura da Superintendência Regional do DPF no Paraná (SR/DPF/PR), a começar pelo superintendente, delegado Rosalvo Ferreira Franco. Ele, segundo o testemunho do agente que confessou ter colocado o grampo, Dalmey Werlang, estava presente quando o delegado Igor Romário de Paulo, Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR) lhe deu a ordem de instalação, na manhã do dia 17 de março de 2014, data em que Youssef foi preso e levado para aquela cela. O terceiro a ser atingido será o delegado Márcio Adriano Anselmo, que é ninguém menos que o chefe das investigações da Lava Jato. Ele esteva presente quando a ordem foi dada e, junto com a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, recebia as gravações transcritas em pen-drive.
Isto, ministro, sem falar no delegado Maurício Moscardi Grilo que foi o responsável pela primeira sindicância realizada, na qual constatou que o grampo era antigo, estava ali com ordem do juiz Odilon Oliveira, do Mato Grosso do Sul, e desativado. Além das conclusões possivelmente inverídicas, ele desrespeitou uma ordem do superintendente – que mandou periciar o aparelho, o que não foi feito – e, junto com os procuradores, a ordem do juiz Moro, que determinou o acompanhamento do MPF na sindicância. Nada disso aconteceu. Como ficaria a situação dele diante da conclusão diversa na nova sindicância daquela quem ele assinou?
Tem mais, porém, ministro. Como noticiamos no blog, em 25 de outubro, na reportagem “Lava Jato: um fato e duas versões na PF-PR. Mentira?, em juízo os delegados Igor de Paulo e Márcio Adriano deram uma versão para o resgate do aparelho de escuta em poder do doleiro Alberto Youssef na cela. A mesma versão – um encontro fortuito durante uma vistoria normal em que se procurava celulares – foi endossada por Moscardi na sindicância 04/2015.
Ela difere do que foi narrado na CPI da Petrobras pelo delegado Rivaldo Venâncio (ex-chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes e ex-substituto de Igor na chefia da DRCOR da SR/DPF-PR). Todos estavam sob o compromisso de dizer a verdade. Alguém mentiu e, testemunha mentir em juízo ou na CPI, é crime.
A favor de Rivaldo, há o depoimento do delegado de Polícia Civil do Paraná, Rockembach. Ele foi ouvido na sindicância presidida pelo DPF Junqueira. Foi ele quem soube da existência do aparelho nas mãos do doleiro. Ao ser informado disso pelo perito contratado pela defesa de Youssef, ligou para o superintendente do DPF que mandou Rivaldo ao seu encontro. De posse da informação, o então chefe da DRE comunicou a Rosalvo e Igor que determinaram uma busca na cela para o resgate do aparelho de escuta. Logo, não foi encontro fortuito, mas uma varredura com objetivo determinado. Como lidar com quem mentiu em juízo, ou em uma sindicância, caso a história real venha à público?
O medo dos delegados do Paraná e, de resto, dos seus colegas pelo chamado “spiritus corpus”, porém, ministro, vai além. Há ainda o caso do grampo encontrado no fumódromo da SR/DPF/PR. Este, segundo já admitiu o delegado Junqueira em ofício à CPI da Petrobras, também não tinha autorização judicial. Na versão do APF Dalmey, em depoimento tomado pelo delegado Mario Renato Fanton, – o qual, publicamos em “Lava Jaro revolve lamaçal na PR-PF” – ele foi instalado por ordem da delegada Daniele, que era a sua chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP). A ordem dela foi respaldada, à época, pelo delegado José Washington Luiz Santos, Diretor Executivo, que substituía Rosalvo nas férias deste. Igor e Daniele são casados. Ou seja, são mais dois delegados que, teoricamente, cometeram irregularidades na Superintendência. Ao pé da lei ,são fortes candidatos a responder, no mínimo, a Processos Administrativos.
Esses são apenas dois episódios ao longo dos últimos dois anos na Polícia Federal do Paraná e que, por si só, já envolvem seis delegados ligados à Lava Jato com possíveis irregularidades cometidas. Os casos, porém, se multiplicam: o uso de celular na cela pelo doleiro Youssef; a tentativa de obter dados telefônicos de pessoas com foro especial sem mandado específico para isso; a venda de favores na custódia; a inusitada situação da doleira Nelma Kodama; delações premiadas feitas à revelia dos advogados de defesa constituídos; o processo por calúnia que seu colega do MPF tenta abrir, a pedido dos delegados, contra o DPF Fanton e o APF Dalmey; os inquéritos instaurados (três) contra o mesmo DPF Fanton, que permaneceu em Curitiba poucos meses, e que só foram abertos depois dele sair de lá, aparentemente como retaliação; o inquérito arquivado contra o presidente do Sindicato dos Policiais Federais, Fernando Augusto Vicentine, que foi à carceragem buscar informações para a revista Veja; as ameaças para que os presos fizessem delações premiadas; sem falar nos vazamentos seletivos que ocorreram, alguns deles praticados pela delegada Érika Mialik Marena, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, que recebia a reportagem da Folha em sua sala, como chegaram a filmar.
Enfim, prezado Aragão, como disse acima, não lhe invejo pelo cargo. O pepino é grande. Mas o imagino com condições, capacidade, coragem e firmeza, sem fugir à legalidade e à ética, para enfrentá-los. Certamente, quando o fizer, não receberá aplausos de parte da corporação e, talvez, nesse momento, nem mesmo da maioria enraivecida da população que não conhece detalhes como estes, pois a grande imprensa não os veicula.
Sinceramente, não sei se seu antecessor tomou conhecimento de tudo isso, embora muita coisa já tenha circulado por aqui pelo blog. Mas acho que não o tive como leitor. Espero lhe conquistar. Na expectativa de você me ler, aqui vai um último alerta principalmente para o carioca que adotou Brasília há muito anos: cuidado com as versões da capital.
Preferencialmente, sem desmerecer as informações oficiais que lhe passam, procure as fontes na origem, ou chame-as ai. A diversificação de versões, certamente, lhe ajudará a chegar mais próximo da verdade. E a verdade está muito distante do que mostram os canais de TV e as páginas da chamada grande imprensa. Boa sorte.