Signatário da Carta de Lisboa, jornalista presidiu o partido em Minas Gerais por 18 anos
O jornalista e escritor José Maria Rabelo, companheiro da primeira hora de Leonel Brizola e um dos fundadores do PDT, morreu esta madrugada (29/12) aos 93 anos em Belo Horizonte, no Hospital Felício Rocho onde estava internado há um mês, de falência múltipla de órgãos. O seu corpo será velado na Casa do Jornalista, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, das 14h às 20h.
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, pelo seu Twitter, lamentou: “A morte de José Maria Rabelo é perda irreparável. A história da democracia brasileira perdeu hoje um dos seus mais brilhantes e corajosos líderes. Jornalista combatente contra a ditadura, trabalhista que junto com Brizola ajudou a construir o nosso PDT. esse mineiro único agora é uma estrela a nos guiar. Minha ampla, total e irrrestrita solidariedade a sua família nesta hora de dor”.
Já Manoel Dias, Secretário-Geral do PDT nacional, disse pelas redes sociais que “José Maria Rabelo é uma das maiores e mais brilhantes lideranças do movimento na defesa das liberdades, da soberania nacional e dos trabalhadores. Figura modelar no exercício da coisa pública, José Maria Rabelo foi meu grande modelo na militância política”.
José Maria Rabelo presidiu o Partido Democrático Trabalhista (PDT) em Minas Gerais durante 18 anos e foi vice-presidente do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), nos dois governos de Leonel Brizola (1983 a 1987 e 1991 a 1994).
Viúvo, Rabelo deixa seis filhos e um deles, o fotógrafo Fernando Rabelo lamentou a partida do pai nas redes sociais: “Obrigado, pai, pelos seus ensinamentos, que guiarão a minha vida. Te amaremos para sempre”, escreveu.
A Casa do Jornalista de Minas Gerais também homenageou José Maria Rabelo: “Vá em paz, Zé Maria. Obrigada por toda coragem, lucidez, esperança e amor ao jornalismo. Um abraço especial dos jornalistas de Minas nos familiares e amigos. Força. Zé Maria Rabelo, presente!”
José Maria Rabelo fundou o semanário Binômio em 1950, jornal que circulou semanalmente durante 12 anos, de 1952 a 1964, já na época da ditadura militar. Ele foi considerado um dos precursores da imprensa alternativa no Brasil, e acabou exilado por suas atividades jornalísticas e políticas.
Em 2019, José Maria Rabelo participou, no Sindicato dos Jornalista de Minas, da abertura da série “Diálogos da Casa”, cujo objetivo era discutir temas importantes da atualidade. Rabelo falou sobre “Tendências da América Latina”, abordando desde os novos modelos de golpe, baseados na mídia e no poder judiciário, até os acontecimentos mais recentes na Argentina, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Bolívia.
Na época com 91 anos, Jose Maria Rabelo mantinha o bom humor e otimismo, que sempre o caracterizaram. “Não é oba-oba não”, esclareceu, explicando que não era otimista porque estava querendo elevar o ânimo dos companheiros. “A tendência é a favor das forças progressistas, na América Latina e no mundo. A realidade é essa, não temos motivos para ficar deprimidos”, acrescentou.
“O mundo caminha para frente. Todas as forças latentes, apesar do momento de obscuridade, inclusive no Brasil, apontam para uma nova fase de afirmação dos sentimentos populares”, enfatizou Rabelo. “O problema é o que vamos fazer. Temos de procurar responder o que cabe a nós fazer com o poder”, observou o jornalista.
O historiador Wendel Pinheiro, colaborador do Centro de Memória Trabalhista do PDT, escreveu sobre José Maria, signatário da Carta de Lisboa, marco da refundação do Trabalhismo após a ditadura:
“José Maria Rabelo nasceu em Campos Gerais, cidade localizada no sul de Minas Gerais, em 14 de agosto de 1928. Notório intelectual e quadro socialista, José Maria Rabelo se destacou a partir do Jornal Binômio em Belo Horizonte, que funcionou desde 1952 até 1964. A aposta na imprensa alternativa, na junção do humor com a crítica política, resultaria na solidificação da imagem do Binômio junto à população da capital mineira, se contrapondo à imprensa conservadora.
A ação progressista do jornal, comandada por José Maria Rabelo, gerou até retaliações, como as promovidas pelos militares em 21 de dezembro de 1961 na depredação ao Binômio, em resposta à reportagem feita pelo Binômio em que fazia o histórico sobre a formação fascista do General de Divisão João PunaroBley (1900-1982), Ex-Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) entre 1958 e 1960 e, depois, exercendo as funções como Comandante da Infantaria Divisionária da 4ª Região de Infantaria, sediada em Juiz de Fora (MG).
A tentativa de intimidação de Bley a Rabelo resultou nas vias de fato e, em meio à briga corporal entre ambos, Bley levaria a pior e usaria toda a sua influência hierárquica para impor, em poucas horas a seguir, o empastelamento do Jornal Binômio.
A depredação completa do jornal promovida pelas tropas do Exército obrigara José Maria Rabelo a sair provisoriamente para São Paulo, ficando durante oito dias. O grau de repercussão não apenas gerou solidariedade em esfera nacional, mas repercutiu em nível mundial em jornais como o Le Monde e o New York Times.
A volta a Belo Horizonte seria garantida pelo próprio Presidente João Goulart, removendo os quadros militares que atuaram contra Rabelo. O esquema de segurança para a sua atuação jornalística em Belo Horizonte se tornara necessário. Entretanto, às vésperas do golpe civil-militar de 1964, as lideranças militares de direita passaram a prender todos os quadros destacados de esquerda em Minas Gerais em 29 de março de 1964, incluindo o próprio José Maria Rabelo.
Por ironia do destino, a sorte faria com que os militares não conseguissem prender Rabelo no prédio da redação do Jornal Binômio. Fugindo de Belo Horizonte, Rabelo seguiu para São Paulo e, continuaria a esperar uma quimérica possibilidade de resistência ao regime que cada vez mais se consolidava.
Após dois meses de estada em São Paulo, Rabelo seguiu para o Rio de Janeiro onde se refugiaria na Embaixada da Bolívia e seria aceito como exilado, seguindo na leva de novos exilados – dentre eles, o ex-presidente da UNE, José Serra. Em 3 de julho de 1964, Rabelo seguiu rumo à Bolívia e, de lá, atuaria como jornalista no jornal progressista El Clarín que revolucionaria a imprensa boliviana.
Com o golpe de 4 de novembro de 1964 contra o Governo de Victor Paz Estenssoro (1907-2001) promovida pelo seu vice, o general René Barrientos (1919-1969), não haveria outra alternativa viável a Rabelo senão a migração para o Chile, governado pelo democrata cristão Eduardo Frei (1911-1982).
No território chileno, Rabelo atuou no Centro para o Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina (DESAL), além de participar e sistematizar na organização de uma rede de livrarias associadas aos temas ligados a Ciências Sociais. Igualmente, Rabelo inaugurou e impulsionou a Câmara Latino-Americana do Livro (CLAL).
Com a queda de Salvador Allende em 1973, José Maria Rabelo seguiu para a Embaixada do Panamá e, em janeiro de 1974, o seu destino seria a França, residindo na capital. Trabalhando na Livraria Portuguesa e Brasileira, Rabelo fundou a Livraria-Centro dos Países de Língua Espanhola e Portuguesa. Este estabelecimento seria o point frequentado por exilados latino-americanos e intelectuais.
Após participar do Encontro dos Trabalhistas em Lisboa e ser um dos signatários da Carta de Lisboa em junho de 1979, Rabelo voltaria ao Brasil. Com a perda da sigla do PTB e a fundação do PDT em 26 de maio de 1980, Rabelo não apenas comandaria a agremiação trabalhista em Minas Gerais durante 18 anos, como também seria Diretor e Vice-Presidente do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ) nos dois governos de Leonel Brizola no Rio. Simultaneamente, atuaria em periódicos como o Pasquim, além de participar de outros jornais.
Entre os seus filhos, Hélio Rabelo faria parte da Executiva Nacional da Juventude Trabalhista (JT) nos primeiros anos da organização, antes dela se transformar em JS em 1985.
José Maria Rabelo foi um dos idealizadores para a defesa da presença do Socialismo na sigla do PDT, transformando-se no Partido do Socialismo Democrático Trabalhista (PSDT), no Partido Democrático Trabalhista e Socialista (PDTS) ou no Partido Socialista (PS) no decorrer dos anos 1980 e seria um dos colaboradores atuantes do Jornal Espaço Democrático, se constituindo como um dos notórios intelectuais orgânicos da agremiação trabalhista.
Rabelo, mesmo não presidindo mais o PDT em Minas Gerais, continuaria a atuar na condição de Membro do Diretório Nacional do PDT, ajudando nas definições políticas da legenda trabalhista. José Maria Rabelo exerceria as funções como Diretor da Barlavento Grupo Editorial, além de ter tido um programa jornalístico semanal na TV Comunitária de Belo Horizonte”.
Em Belo Horizonte, José Maria Rabelo criou as editoras Passado & Presente e Barlavento Grupo Editorial. Colaborou nos principais órgãos de comunicação do Estado e até recentemente escrevia uma coluna no jornal alternativo carioca “Bafafá”, dirigido por seu filho – Ricardo Rabelo.
José Maria escreveu os livros “Binômio – O jornal que virou Minas de cabeça para baixo”, “Diáspora – Os longos caminho do exílio”; “Residência Provisória (poemas)”; “Belo Horizonte – Do arraial à metrópole – 300 anos de história” e “Cores e Luzes de Belo Horizonte”.
(por Osvaldo Maneschy, com a colaboração de Apio Gomes e Bruno Ribeiro)
Com fotos de Fernando Rabelo (capa e outras)
Para as pessoas do PDT que não conviveram com José Maria, nem tiveram a oportunidade de assistir a uma de suas palestras, vale a pena ver vídeo como como a que gravou aos 90 anos no auditório da CEMIG, em Belo Horizonte, entrevistado por Angela Carrato e Afonso Borges, no lançamento do seu livro “Exílio”.
Ou assistir outras entrevistas de José Maria Rabelo:
Antes de 64 e do exílio de 16 anos, Zé Maria ‘empastelou’ general.
https://www.obeltrano.com.br/portfolio/a-coragem-de-jose-maria-rabelo/
Vídeo de 39 minutos, homenagem da TV Legislativa/MG.
https://www.almg.gov.br/acompanhe/tv_assembleia/videos/index.html?idVideo=657458