A direção do PDT não precisou nem de 24 horas. Em apenas 12 já decidira expulsar do partido os 6 deputados que votaram pelo impeachment, apesar da questão fechada contra ele. Não foi por formalismo jurídico, foi com visão estratégica, que o PDT fechou questão. O governo estava sob ameaça de impeachment a pretexto das tais pedaladas fiscais, mas na verdade porque sua impopularidade, decorrência sobretudo da recessão e do desemprego, despertou nas forças oposicionistas o apetite de derrubá-lo. A Lava Jato acrescentou um forte ingrediente emocional, embora nada tenha atingido a honra pessoal da Presidente: ao contrário, até o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso faz questão de ressalvar a integridade dela.
Quando, porém, um governo fica reduzido a menos de um terço de votos firmes no Poder Legislativo e além disso aparece nas pesquisas com bem mais de metade das opiniões contra ele, nem é preciso que tenha cometido qualquer crime de responsabilidade. Se não cometeu, inventa-se algum.
O propósito de derrubar o governo não era salvar o Brasil das supostas sequelas das pedaladas fiscais: era impedir que ele continuasse a sustentar o que tem de bom.
O PDT apoiou a Presidente Dilma em duas eleições, assim como apoiara Lula, e participava do governo apesar das resistências do PT. Tinha o dever, portanto – não só moral e político, mas estratégico – de ficar firme contra o impeachment, mesmo discordando das concessões da Presidente ao modelo de ajuste fiscal do ex-ministro Joaquim Levy. O PDT ficou firme, mas outros partidos e até ministros, que apoiavam essas concessões e também as cobravam, saltaram fora do barco, na hora da tormenta, numa verdadeira corrida de ratos.
Pode ser que a curto prazo a posição do PDT contra o impeachment não seja compreendida, porque boa parte da opinião pública está intoxicada pela ação da grande mídia. Mas a longo prazo será compreendida e respeitada – e longo prazo, na velocidade vertiginosa de nossos dias, pode ser daqui a apenas dois anos, na campanha de 2018, se não tivermos eleições antes para Presidente da República.
Na votação do impeachment na Câmara dos Deputados, no espetáculo de exibicionismo, vulgaridade e em alguns momentos boçalidade escancarada que a TV nos mostrou, chamou alguma atenção, mas seria imediatamente esquecido se não fosse um fato acontecido horas depois, o voto de uma senhora representante do povo de Minas Gerais, Raquel Muniz, da qual nunca se ouvira falar antes.
Na antevéspera, ela dicursara na Câmara para antecipar seu voto, mas ninguém prestou atenção. E disse:
– A corrupção que assola o nosso País é a ferrugem que impede o desenvolvimento. Não podemos mais permitir essa situação. Em Montes Claros, minha cidade natal, o Prefeito Ruy Muniz, senhoras e senhores, criou a Secretaria de Prevenção à Corrupção. E, lá, temos lutado para dar mais qualidade de vida aos montes-clarenses, para garantir dignidade à nossa gente.
Como tantos outros votantes, a deputada Raquel Muniz aproveitou a declaração de voto para homenagear uma penca de filhos, uma neta e a mãe, além de apontar a administração do Prefeito Ruy Muniz como exemplo de competência e seriedade e prova de que não se deve desistir do Brasil. O Prefeito Ruy Muniz, soube-se logo, é marido de Sua Excelência, a deputada.
Em seguida, sorridente e exuberante, a deputada enunciou seu voto gritando “Sim! Sim! Sim!” três, quatro, cinco vezes seguidas e dando pulinhos de alegria, como uma adolescente excitada pela proximidade de Mick Jagger ou Roberto Carlos.
Foi o momento de glória da ilustre e antes ignorada representante do povo e excelentíssima família, só faltando a referência carinhosa ao poodle, à gata ou ao canarinho de estimação. Mas, como se dizia na Roma antiga, sic transit gloria mundi…
Nas primeiras horas da manhã seguinte, a polícia federal bateu na porta do senhor prefeito e marido de madame e levou-o preso por ordem de um Tribunal Regional Federal, sob a acusação de sabotar os hospitais da própria prefeitura de Montes Claros. Deixados sem recursos, esses hospitais cancelaram mais de 20 mil consultas e mais de 13 mil exames de laboratório, canalizados então para hospitais privados, sobretudo um de propriedade do excelentíssimo senhor prefeito e sua excelentíssima família.
Se a deputada for casada em regime de comunhão de bens, o hospital é também de sua propriedade. Se não for, é beneficiária, de algum modo, dos ganhos do marido.
São desse nível muitos dos julgadores do impeachment, o que a imprensa estrangeira tem registrado com mais insistência que a mídia brasileira. Diante da constrangedora impressão deixada pela noite do impeachment, não podemos ter dúvida de que as sugestões de convocação imediata de uma nova eleição presidencial teriam ainda mais apoio popular se os mandatos legislativos, na Câmara e no Senado, também fossem renovados.
Isso não parece possível, porque o próprio Congresso teria de encurtar o mandato de seus integrantes. Numa eleição presidencial, porém, o PDT pode surgir com força surpreendente, graças a sua firmeza nestes dias de tempestade e ao fato de ter um candidato, Ciro Gomes, que pode ser no Brasil uma alternativa idêntica à que o velho senador socialista Bernie Sanders oferece neste momento aos Estados Unidos.
Ciro, ao falar pela primeira vez no PDT, anunciou que, assim como na candidatura anterior, não vai aceitar dinheiro dos bancos em sua campanha. Sanders recusou contribuições de grandes empresas e financia a campanha com milhões de contribuições individuais de até 30 dólares. Essa decisão sensibilizou e mobilizou especialmente o eleitorado jovem e os comícios de Sanders são bem maiores e mais entusiásticos que os da própria Hillary Clinton.
(*) José Augusto Ribeiro é escritor e jornalista.