“João Goulart tentou tornar o Brasil um país mais igual e independente”


Osvaldo Maneschy e Apio Gomes
26/07/2019

O jornalista Mino Carta define o presidente João Goulart com uma palavra: estadista. E os dias conturbados de seu governo – garantido pelo Movimento da Legalidade liderado por Brizola, pelo plebiscito de 1963 e por sua luta pelas reformas de base – como um dos períodos mais ricos politicamente da História brasileira: que se inicia com a volta de Getúlio Vargas ao poder, pelo voto, e é encerrado pelo golpe militar de 1964.

O golpe, em sua opinião, mudou os rumos do Brasil e foi consequência da aliança da elite brasileira com os militares para fazer prevalecer o predomínio da Casa Grande sobre a Senzala: dos brasileiros ricos sobre as camadas mais pobres da população.

“No poder, Jango demonstrou a sua dimensão de estadista, depois que conseguiu se desvencilhar do parlamentarismo” e pôde avançar no seu projeto de reformas de base, que previa, entre outras grandes conquistas para a sociedade brasileira, a reforma agrária, bancária, tributária e da educação – além de uma política externa independente, na construção de um Brasil mais justo para os brasileiros.

Jango era um homem de esquerda, apesar de rico fazendeiro – levando-se em conta a definição de Norberto Bobbio, especialmente o que escreveu após a queda do muro de Berlim, que ser de esquerda “é lutar de forma desassombrada pela igualdade”. Jango lutou, quando Presidente do Brasil, em todas as dimensões, lutando pelo centro.

“Jango tentou tornar o Brasil um país mais igual e independente e, por isto, dou grande importância ao período da vida brasileira que vai de Getúlio a Jango”, época em que o Brasil se torna a 15ª potência industrial do mundo. Só que a elite brasileira, na luta em defesa por seus privilégios, antigos, “apoiou o golpe para que a Senzala continuasse Senzala”.

As desigualdades se aprofundaram após 64; e mais ainda após a chamada redemocratização dos anos 80, com o fim da ditadura. “O Brasil poderia ter encontrado o caminho certo, mas isto não foi possível porque a Casa Grande foi muito mais eficaz“ em fazer prevalecer os seus privilégios na sociedade brasileira, sob o domínio dos militares apoiados pelos Estados Unidos que, por sua vez, usavam o fantasma do regime cubano.

Jango, como Lula, acreditou na conciliação com as elites sem perceber que ela é fechada para a Senzala – não há acordo possível, argumentou Mino Carta. Por isto acha que Jango e Lula em parte foram parecidos no exercício do poder. Em parte; porque no poder, depois que se libertou da amarra do parlamentarismo, Jango partiu para as reformas de base “e estava tudo ali, nas reformas, o que o Brasil necessitava”.

E por conta disto Jango foi combatido e desestabilizado, até o golpe – que contou com apoio da mídia “que sempre serviu ao Poder como espécie de porta-voz da Casa Grande”. Mino, que em 1964 trabalhava na revista “Quatro Rodas”, lembra que viu a marcha passar, literalmente, ao assistir às tropas avançando pelo centro de São Paulo; ele posicionado na esquina da Marconi com Barão de Itapetininga: “Senti arrepios de puro pavor vendo aquela marcha muito simbólica para mim que vi o Brasil medieval, o da Casa Grande, passar. Na frente dela vieram os sócios da harmonia, acompanhados por seus fâmulos, aias, jardineiros, motoristas, pedicuros etc. Todos juntos: escravos e senhores”.

No poder, para Mino, Jango tornou-se um estadista porque trabalhou pelo Brasil sonhado por Getúlio Vargas; assumiu uma postura claramente de esquerda, sendo ele um social-democrata autêntico. “Tenho grande admiração por João Goulart por este desempenho no poder, quando soube liderar e sonhar com um Brasil muito grande”. Mino se confessa admirador de Jango, porque foi no período em que ele governou que começou a perceber os caminhos que o Brasil precisa seguir. Mas sabe também que Jango não tinha ilusões: sabia das dificuldades que teria que enfrentar. E vem daí a sua admiração ao presidente João Goulart.

Mino Carta foi editor ou diretor de Quatro Rodas, o Jornal da Tarde, Veja, Isto É; e hoje é diretor de redação da revista Carta Capital; é doutor honoris causa pela Faculdade Cásper Líbero; e recebeu o prêmio de Jornalista Brasileiro de Maior Destaque no Ano da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE), em 2006.

Confira a entrevista completa abaixo: