O escritor, jornalista, historiador e professor Juremir Machado, gaúcho da fronteira nascido em Santana do Livramento, em 1962, não conheceu Jango pessoalmente – mas através da leitura de livros, documentos e depoimentos que recolheu sobre o presidente João Goulart de pessoas que conviveram com o presidente.
Juremir é autor, entre outros livros, de “Jango, a vida e a morte no exílio” – publicado em 2013 – e de outros títulos dedicados à história regional do Rio Grande do Sul, à Revolução de 30, aos governos de Getúlio Vargas, e ao movimento da Legalidade liderado por Leonel Brizola, que garantiu a posse de Jango, em 1961.
“Jango foi um homem interessante, carismático, que chamou muito a minha atenção por sua sensibilidade de homem da fronteira capaz de sentar com os peões, conversar, ser igual e ao mesmo tempo tomar decisões. Todos são iguais, mas ele é o chefe e faz a separação”, explicou Juremir.
Por conta da leitura de milhares de documentos, continuou, a sua leitura sobre ele se consolidou:
“João Goulart foi uma pessoa fabulosa, injustiçada; um grande personagem, porque ao mesmo tempo em que era qualificado para o exercício da presidência, era grande ser humano com todas as contradições. Era pessoa boa, generosa, capaz de cometer erros, mas capaz também de ouvir, ajudar e ter momentos de frieza. Foi um grande ser humano, verdadeiro personagem de romance com paradoxos e profundidades”, elogiou.
O tempo em que Jango governou também precisa ser levado em conta, segundo Juremir Machado, porque no Brasil do início dos anos 60 “tudo precisava ser criado” em termos de normas, porque a política era clientelista: “todos pediam alguma coisa aos que ocupavam cargos”, como João Goulart. Padres, operários, jornalistas, pessoas que queriam transferências no Banco do Brasil de uma cidade para outra – “muitas vezes eram necessárias concessões ao adversário para que se conseguisse um mínimo de governabilidade”.
E Jango se concentrou nas reformas que o Brasil precisava para deixar de ser um país atrasado, embora a elite e a mídia fossem contra. Havia um antagonismo muito grande entre a maioria da população e a pequena elite, sem existir praticamente uma classe média. Jango quis construir um país adequado a todos, promovendo as reformas de base – agrária, educacional, bancária, de moradia – começando pela reforma agrária, no Brasil rural da época.
“Jango decidiu fazer no campo o que o próprio Getúlio não fizera, dando o grande salto da reforma agrária”. E ficou espremido, segundo Juremir, entre a direita que achava que a reforma agrária era comunista e as forças de esquerda, que achavam que ele esta indo devagar demais.
A Legalidade, na opinião de Juremir, “talvez tenha sido o momento mais honroso da política e da imprensa brasileira por conta da grande sacada de Brizola de tomar a rádio Guaíba, formar a rede e defender o que era líquido e certo: o direito de Jango de assumir a presidência da República”.
Acrescentou: “Quando alguém está dizendo a verdade de maneira inflamada, isto contamina as pessoas. Brizola estava dizendo a verdade: a posse de Jango era direito; e qualquer forma de impedir isto era golpe”.
A Cadeia da Legalidade – que espontaneamente reuniu cerca de 120 emissoras espalhadas por todo o Brasil, retransmitindo o sinal da Guaíba – “foi uma ideia espetacular, porque Brizola fez das rádios as redes sociais da época, atingindo o país inteiro e levando Jango ao poder”. Depois vieram as diferenças, mas, para Juremir, a atitude de Brizola “foi determinante para que Jango tivesse o direito garantido. Sem Brizola Jango não ganhava”.
No início da rebelião da Legalidade “nem Brizola tinha convicção de que seria capaz de ganhar a parada muito desigual, mesmo quando o III Exército aderiu à Legalidade”. Por isto, Juremir considera que Jango teve dois grandes momentos como estadista: quando evitou a guerra civil no episódio da Legalidade, ao aceitar a solução parlamentarista; e ao não lutar contra os golpistas de 64. “Ele se mostra maior quando resiste ao que deveria fazer”, argumentou, embora Brizola tenha sido contra nas duas ocasiões.
Em 1964, destacou, Jango acreditava que o golpe seria de curta duração – como foi o que derrubou Getúlio em 1945. “Ele não imaginava que a ditadura iria durar 20 anos e que acabaria morrendo no exílio”.
Das reformas de base, avalia que a reforma agrária era a mais importante foi a que, de fato, levou a queda de Jango. “O Brasil na época não tinha mercado interno consolidado, a indústria tinha dificuldades para se desenvolver”, por conta da população analfabeta e majoritariamente rural.
A reforma agrária necessariamente ajudaria a construir uma classe média, mas ela assustou a elite e a imprensa, porque a revolução cubana ainda era notícia muito quente e os Estados Unidos temiam a cubanização do Brasil – que poderia contaminar, no ponto de vista deles, toda a América Latina.
Jango era um trabalhista “na mais pura acepção do Trabalhismo: da divisão entre o capital e trabalho; porque não concordava com a ideia de que os ricos deveriam ficar com 99% da riqueza, deixando apenas 1% para o resto da população”.
Exatamente por este fato, Juremir Machado considera Jango “um homem à frente de seu tempo”. E os militares, depois do fiasco de 1961, se prepararam meticulosamente para o golpe de 1964, cujo estopim foi o comício da Central do Brasil. “Jango saiu dali deposto, o golpe passou a ser questão de dias. Nele Jango atingiu o seu apogeu ao decidir dar o grande salto, decisão que acionou todas as forças contrárias a ele que, 17 dias depois, deram o golpe”.
Juremir Machado, ao encerrar o seu depoimento sobre Jango, o definiu como “um grande estadista, homem generoso, pessoa que sabia escutar”.
Confira a entrevista completa abaixo: