O gaúcho da fronteira Carlos Cardinal, além de fundador do PDT, ocupou diversos cargos públicos, como secretário municipal, estadual, prefeito; e de deputado federal por três vezes. Ele conheceu Jango ainda criança, em São Borja, porque seu pai, janguista, transmitiu-lhe o gosto pela leitura de jornais.
Mas, pessoalmente, foi quando Jango, que era Vice-Presidente da República, levou seus dois filhos – João Vicente e Denize – então crianças, em um baile infantil de carnaval no Clube Comercial, de São Borja. “Além de um saco enorme com confete e serpentina, Jango autorizou os garçons do clube a distribuir refrigerantes para todas as crianças do baile – eu entre elas –, além de conversar e brincar com todas as crianças que se aproximavam da mesa dele”.
“O carinho dele com os filhos chamou minha atenção”, relata Cardinal, que acompanhou pelos jornais – onde aprendeu a ler – toda a trajetória política de João Goulart, homem politicamente visado, em sua opinião, por ser herdeiro e sucessor de Getúlio Vargas.
Para Cardinal, “o destino e o tempo nos fazem compreender muita coisa”; por isto, em sua opinião, Jango foi um homem muito além do seu tempo. Pecuarista, rico, estava na China em 1961, então um país fechado, preocupado em abrir espaço para as exportações do Brasil, porque já naquela época a China era um imenso mercado consumidor. E seus inimigos usaram viagem à China para tentar impedir que assumisse a Presidência. “Vejo Jango como estadista que estava lá fazendo o que hoje muitos fazem, enviando comitivas comerciais à China”, destacou.
Na Presidência, Jango fez, no pouco tempo em que esteve à frente do governo, o que muitos presidentes não fizeram, na opinião de Cardinal. Lembrou que o governo investia milhões nas construções de novas rodovias; e havia muita especulação com as terras cortadas por essas rodovias. Jango, como estadista, quis acabar com isto fazendo a reforma agrária nas terras das margens de rodovias federais. “Jango quis fazer reforma agrária respeitando as propriedades e dando chance aos agricultores sem terra”, lembrou.
Cardinal também apoiava (e apoia) a necessidade das reformas de base pregadas por Jango, como a reforma eleitoral. Acha fundamental que os partidos políticos sejam fortalecidos, porque não há como exercer a democracia sem partidos. Entende que a reforma tributária é outra necessidade urgente nos dias de hoje – cita a Lei Kandir, como exemplo, que prejudica gravemente o Rio Grande do Sul e todos os estados exportadores.
Por ser nacionalista, explica Cardinal, defensor do fortalecimento da economia nacional, Jango tornou-se adversário do que definiu como “alguns setores do capitalismo brasileiro”, alinhados aos interesses estrangeiros; enquanto Jango, getulista de raiz, tinha interesse em fortalecer a economia nacional com o fortalecimento de iniciativas como a Petrobras, criada por Vargas.
“Os nacionalistas tinham uma proposta independente de fortalecimento do Brasil e da economia como, por exemplo, a criação de empresas nacionais, levando em consideração o zelo pelos recursos públicos”, influência, no caso de Jango, do castilhismo gaúcho.
O embate entre o público e o privado é antigo na política brasileira, segundo Cardinal, como também o fato de que o Brasil tem tudo para ser um país sem fome, sem miséria, sem desigualdades – mas que precisa também “olhar a nossa realidade, ver as nossas dificuldades e, principalmente, conhecer nossa pobreza, lugar onde moram as pessoas desempregadas, sem oportunidades”. Em sua opinião, todo brasileiro precisa conhecer esta realidade.
Se não fosse Jango, relatou Cardinal no seu depoimento, não existiria a Universidade Federal de Santa Maria, a primeira grande universidade plantada no interior do Brasil – exatamente pelo presidente João Goulart, que morreu aos 56 anos, novo, depois de passar 11 anos no exílio. “Sempre admirei muito a figura de Jango: ele partiu para o exílio ainda aos 40 e poucos anos: depois de já ter sido deputado estadual, deputado federal, vice-presidente da República e presidente da República. Foi uma passagem muito rápida, mas deu tempo para marcar muitas coisas”, como a defesa da educação pública.
Jango era um inovador, tanto que em São Borja, como no resto do Brasil, os clubes frequentados pela elite, não admitiam negros. E Jango, moço e alegre, conseguiu que os primeiros negros entrassem no Clube Comercial de São Borja exatamente no Carnaval. Ele convocou o bloco de carnaval para a sede do clube e assim os negros participantes puderam, pela primeira vez, ingressar nas dependências. “Getúlio Vargas, político experiente, teve atenção especial para Jango, porque via nele a figura do criador, de quem olhava o destino do país de forma eficiente”.
Cardinal concluiu: “Jango foi espécie de síntese do que nós, missioneiros, entendemos de política – síntese de uma das melhores coisas que o nosso país já fez”.
Confira a entrevista completa abaixo: