Documentos do governo uruguaio confirmam: João Goulart foi vigiado durante seu exílio por forças militares do Uruguai e da Argentina. Até agora, apenas registros brasileiros apontavam que o ex-presidente teve seus passos seguidos pela Operação Condor (integração das forças repressivas durante as ditaduras militares na América Latina). Nesta quinta-feira, o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (MJDH) apresentou, em coletiva de imprensa, um relatório da Direção Nacional de Informação e Inteligência da polícia (uma espécie de “Dops” uruguaio) obtido em outubro de 2008. São cópias autenticadas dos ministérios do Interior e da Defesa do Uruguai. O neto do ex-presidente Christopher Goulart participou do ato.
O texto revelado pelo MJDH tem oito páginas e descreve o acompanhamento que Jango sofreu de 21 de abril de 1964 até sua morte, em 6 de dezembro de 1976. Alguns trechos reproduzem telefonemas do ex-presidente e reuniões secretas em que ele foi interlocutor. Para Jair Krischke, presidente do Movimento de Direitos Humanos, o material pode auxiliar nas investigações que apuram a causa da morte do ex-presidente. A versão oficial é de que Jango morreu de infarto, em Mercedes, na Argentina. Mas a documentação obtida pelo MJDH reforça a história do ex-agente da repressão uruguaia Mario Barreiro Neira, preso no Brasil desde 2002 por tráfico de armas. Ele afirma que Jango foi assassinado, na chamada Operação Escorpião. A tese do assassinato ganhou força no final de 2007, quando a família Goulart contatou a Procuradoria-Geral da República, em Brasília, para questionar a morte do ex-presidente e pedir uma investigação. Em fevereiro de 2008, um inquérito foi aberto no Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul.
A primeira página do relatório uruguaio apresentado nesta quinta-feira por Krischke traz uma breve descrição de Jango: endereço e telefone no Uruguai, nome e idade de seus filhos, da mulher, placas dos carros que utilizava em território uruguaio e a anotação “falecido” feita a mão. A folha seguinte tem descrições a partir de abril de 1964, e contém as informações de que, em outubro daquele ano, o ex-presidente passara por uma intervenção cirúrgica; que em abril de 1965, sua filha sofrera um acidente; que em maio de 1966, a chefia de Polícia de Montevidéu expedira uma documentação provisória à sua mulher, Maria Thereza; que em setembro de 1966, Jango teria viajado para sua fazenda no departamento uruguaio de Tacuarembó, citando os nomes do piloto e das pessoas que o acompanharam; e que, segundo “versões”, estaria se divorciando da esposa, que regressaria ao Brasil.
Uma informação que chamou a atenção de Jair Krischke está na página 4. Trata-se do trecho que aponta como fonte uma empregada de Jango em Montevidéu. Datado de novembro de 1973, um informe “da doméstica Margarita Suarez”, afirma que Jango havia viajado para Buenos Aires em outubro daquele ano e prosseguiria para a França, para consultar um cardiologista. Nesse ponto, não fica claro o papel da empregada. Para o presidente do MJDH, o trecho é uma referência clara a uma agente infiltrada. “De todos os nomes que estão registrados nos documentos, o único grafado entre aspas é o de Margarita. É ela quem informa onde o presidente vai e sua troca de avião”, avalia Krischke. No entanto, a afirmação não pode ser comprovada, deixando dúvidas sobre a verdadeira identidade de Margarita Suarez. O relatório conta ainda com um memorando do “Dops uruguaio”, informando que, entre 9 e 12 de outubro de 1973, o ex-presidente havia contatado o então presidente argentino Juan Domingo Perón e, possivelmente, os senadores uruguaios Henrique Erro e Zelmar Michelini. Seu interesse seria a liberdade de cidadãos brasileiros detidos no hotel do Aeroporto Internacional de Ezeiza (Argentina).
Existe ainda a informação de que Jango estivera com o general Juan José Torres, ex-presidente boliviano. Também chama atenção a informação de que, por nota enviada em 9 de novembro de 1976 ao ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Jango, que já estava morando na Argentina, renunciava a seu asilo político. Em 9 de dezembro do mesmo ano, o governo uruguaio comunicava a aprovação do pedido do ex-presidente, três dias depois de sua morte. Desde a aquisição desse material, em outubro de 2008, o Movimento de Direitos Humanos e a família de Jango vêm tentando entregá-lo, sem sucesso, ao o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul. Informado da apresentação dos registros à imprensa, o MPF marcou uma reunião com o MDJH e a família Goulart para esta sexta-feira.