Jango e a China: um legado socialista de paz e amizade


Por Leonardo Zumpichiatti
02/10/2019

No ano de 1961, o então vice-presidente do Brasil, João Belchior Marques Goulart, recebeu do governo chinês o convite para visitar a República Popular Democrática da China, dado a simpatia que o líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) detinha daquele país. Combinado a uma política externa de não alinhamento do Governo brasileiro e a anuência do Congresso, a visita oficial foi marcada.

A China, nesse período, já havia rompido o alinhamento com a União Soviética e pretendia buscar o campo dos países não alinhados para se fortalecer no cenário internacional. As bases do que viria a ser a nova China ainda se solidificavam, lembrando que haviam se passado pouco mais de uma década do triunfo da Revolução Socialista, que dera fim à guerra civil e às ocupações japonesas e britânicas, derrocando definitivamente os regimes feudais que ainda sobreviviam no século XX naquele país.

Recebido calorosamente pelo povo chinês e pelo líder Mao Tsé-Tung, Jango estabeleceu relações com o país oriental com o qual, também na qualidade de vice-presidente no Governo de Juscelino Kubitscheck, havia sido fundamental no restabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e China.

Dessa forma, podemos entender que não subsiste o argumento de que Jango foi enviado à China por Jânio Quadros, em meio ao seu plano “maquiavélico” de renunciar enquanto o seu vice estava ausente do Brasil. Talvez, o tresloucado presidente da vassourinha tenha aproveitado a viagem para por em marcha seu plano. Certamente nunca iremos saber.

O amadurecimento das relações políticas e comerciais dessa visita não rendeu os frutos esperados devido ao Golpe Militar de 1964, que tratou automaticamente de tornar a política externa brasileira alinhada com os EUA – país que, dez anos após a ida de Jango, reata suas relações diplomáticas com os chineses, por interesse geopolítico, durante a Guerra Fria.

Entretanto, Jango realizou algo mais importante que não ficou anotado na história. Durante a Crise dos Mísseis, episódio em que a União Soviética instalou mísseis em Cuba ameaçando diretamente os EUA, o então presidente brasileiro foi um dos mais importantes interlocutores entre os Blocos Socialista e Capitalista, evitando uma hecatombe nuclear.

Hoje, certamente, João Goulart receberia o Prêmio Nobel da Paz. O líder trabalhista morreu no exílio, mas as lições de paz e fraternidade que transmitiu ficaram cravadas na memória do povo chinês, um país que atualmente renuncia submeter outros povos ao seu domínio, mesmo possuindo vasto arsenal bélico e capacidade militar.

Não sei se a nova China aprendeu com Jango, mas sua política externa na atualidade busca promover o desenvolvimento e a soberania de outros povos; talvez o presidente gaúcho já carregasse consigo os ensinamentos de um povo que tanto sofreu com invasões e atrocidades perpetradas por outros povos.

Perante a continuidade da atuação imperialista norte-americana, do capitalismo desumano e da sanha pelo poder geopolítico que avança década a década, a China e Jango nos deixam a importante lição de que a paz mundial se dará com solidariedade e cooperação.