Eu sou contra a privatização da Petrobras
Por Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues, Marcelo Salles e Tatiana Merlino
O economista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) José Sérgio Gabrielli de Azevedo preside, desde 2005, a maior empresa do país. No início do governo Lula, antes de ocupar o posto mais alto na hierarquia da Companhia, Gabrielli esteve à frente da Diretoria Financeira da estatal. Em pouco mais de seis anos e meio de trabalho, o baiano de Salvador, acumulou grandes êxitos na carreira de gestor, como a conquista para o país da tão almejada auto-suficiência em petróleo. Mas nenhum deles se compara à descoberta de petróleo na camada pré-sal, o hidrocarboneto encontrado abaixo da lâmina de água e do sal do fundo do mar. A competência demonstrada na prática, no entanto, foi temida e questionada por aqueles que o julgavam um nordestino desconhecido para assumir uma empresa do porte da Petrobras. Com o crachá pendurado no peito, como qualquer funcionário da Companhia, Gabrielli recebeu a equipe de Caros Amigos em mangas de camisa, na suntuosa sala da presidência, tendo ao fundo o Morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. O soteropolitano fala com desenvoltura. Em quase seis décadas de vida, aliou o preparo intelectual à prática militante. Filiado ao Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, Gabrielli conta com orgulho que na juventude foi ativista da APML (Ação Popular Marxista-Leninista), organização clandestina de combate à ditadura militar.
Hamilton Octavio de Souza – A gente sempre começa a entrevista pedindo ao entrevistado que conte um pouco de sua vida
(José Sérgio Gabrielli de Azevedo) — O José Sérgio é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), titular de Macroeconomia. Entrou na UFBA, em 1979. Tem 59 anos, fará 60, este ano. Além de ser um professor, o José Sérgio Gabrielli foi um militante do movimento estudantil, em 68, contra a ditadura militar. No movimento sindical, foi dirigente do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), em 84. Tem doutorado em Economia pela Universidade de Boston, concluído em 87. Foi jornalista, de 69 a 72, na Bahia. É economista de 72 até hoje. Na área acadêmica trabalhou com Macroeconomia, Economia do Trabalho e Econometria. Fez pesquisas sobre reestruturação produtiva e processos industriais. Estudou questões regionais e de desenvolvimento regional. E participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Estou no PT desde 80, fui candidato a deputado federal, em 82, candidato a vice prefeito, em 86, candidato a governador, em 90. Não fui mais candidato desde então. E não pretendo ser candidato. Continuo militante político, ligado ao Partido dos Trabalhadores. Acredito na transformação social, acredito na luta institucional e na luta dos movimentos sociais. Acredito que a mudança da sociedade, para uma sociedade mais justa, igualitária deve ser o caminho da humanidade. Acho que do ponto de vista econômico, o país levou tempo demais com políticas de estabilização de curto prazo. Felizmente a partir de 2003, com o presidente Lula, o país priorizou o desenvolvimento, a expansão do mercado interno, a redução das desigualdades, a diminuição da pobreza. Desde 2003 estou na Petrobras. Entrei na Petrobras como diretor financeiro. Quando fui escolhido, como diretor financeiro, houve uma reação muito forte do mercado financeiro, principalmente, e da imprensa, que consideraram que esse professor desconhecido da Bahia ia fazer uma loucura na Petrobras. Depois de dois dias de assumir o cargo, eu estava em Nova Iorque, Londres, Milão e Tóquio. Em 2003 realizei mais de mil reuniões com representantes do mercado financeiro. E
em 2004 passei a ser reconhecido como um excelente gestor financeiro. Em 2005, fui escolhido o melhor diretor financeiro do Brasil pelo Ibef (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças) do Rio de Janeiro, pela Associação Nacional de Agentes Financeiros, fui escolhido como melhor gestor financeiro da América do Sul, em Nova Iorque. Em 2008, fui escolhido como melhor gestor de empresas de petróleo do mundo pela Petroleum Economist e virei presidente da Petrobras a partir de 2005. Estou presidente da Petrobras. Na diretoria da Petrobras sou o único que não sou de carreira. Nesse período de Petrobras tive duas grandes satisfações. A primeira, foi ter conquistado a confiança dos petroleiros. Não é fácil conquistar a confiança dos petroleiros, não sendo petroleiro de origem. E acho que consegui conquistar essa confiança, com políticas coerentes, com uma posição transparente e competência. Porque a meritocracia é um valor extremamente importante para a Petrobras. Ela rejeita quem não se afirma do ponto de vista técnico. E acredito que consegui conquistar isso, com uma atitude de respeito e transparência. A segunda satisfação pessoal, mesm o sendo baiano, mesmo sofrendo toda a discriminação por ser baiano e desconhecido, ter me imposto como profissional competente para as áreas financeiras e técnicas do Brasil e internacional. Sou uma pessoa tranqüila, consegui fazer a tarefa, que era conduzir a gigante. Evidentemente que isso não é um mérito pessoal, isso é resultado da equipe da Petrobras. Sou professor, saindo daqui, provavelmente, voltarei para a sala de aula. Sou baiano de Salvador. Morei oito anos em uma cidade muito pequena no interior da Bahia, na região do cacau. Meu pai era médico nessa cidade. Ele voltou para Salvador quando eu tinha oito, nove anos de idade, e morreu com 50 anos de idade. Meu pai era extremamente racional e afetuoso, foi uma pessoa muito importante na minha formação, tanto de personalidade quanto de percepção social e racional. Passei a minha infância entre uma cidade muito pequena e Salvador. Minha mãe é uma mulher fantástica, tem 84 anos de idade, vive sozinha, independente, muito firme, não quer o apoio de ninguém. Mora em Salvador e me deixa preocupado, porque com 84 anos, sozinha é um problema, é professora de piano. O Azevedo é a mistura do português com índio. O Gabrielli vem do italiano e negro.
Lúcia Rodrigues O senhor falou que acredita na transformação social. Como a Petrobras atua para transformar a realidade do país?
— A Petrobras é responsável pela expansão da tecnologia brasileira, é responsável pela engenharia brasileira, pela indústria brasileira em termos de capacidade de desenvolvimento tecnológico. Isso cria um efeito multiplicador, enorme, na indústria brasileira. Além disso, é importante destacar a relação da Petrobras com a sociedade organizada do país. A Petrobras concilia a extração de petróleo ao mesmo tempo em que aumenta as relações com a sociedade e com a comunidade em sua volta. Para fazer isso, evidentemente que a empresa precisa ter lucro. Essa é uma atividade que tem um enorme volume de investimentos e um enorme volume de capital.
Tatiana Merlino Quanto a Petrobras lucra por ano?
— No ano passado teve um lucro de aproximadamente R$ 36 bilhões.
Tatiana Merlino Desse valor quanto fica para a Companhia?
— A Petrobras distribui aos seus acionistas entre 25% a 27% de dividendos. E reinveste entre 70% a 75% de seus lucros, que viram máquinas, empregos, petróleo, gasolina, diesel. Dos 25% que ela distribui, 65% vão para mais de 700 mil acionistas da Petrobras. Entre 70% a 75% dos lucros são reinvestidos.
Lúcia Rodrigues Dos setecentos mil acionistas da Petrobras, quantos estão concentrados no país?
— É difícil dizer. Porque não temos como saber quem é o acionista final dos fundos. Mas eu posso dizer que o programa de ações no mercado americano, mais os acionistas estrangeiros na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) representam 40% dos acionistas da Companhia. Portanto, aproximadamente 40% dos acionistas da Petrobras devem ser estrangeiros. Há uma diferença importante na composição do capital da Petrobras. O governo federal tem só 37%, mas tem 56% do voto. O que lhe dá o controle da Companhia. Como é que o governo controla a Petrobras? O governo elege diretamente na assembléia geral da Petrobras, cinco dos nove membros do Conselho de Administração. Mas o governo não tem nenhum membro que está no Conselho por ser do governo. Todos os membros do Conselho de Administração, mesmo os ministros, estão como pessoas físicas e respondem como pessoas físicas ao Conselho de Administração da Petrobras. O governo controla via orientação estratégica mensal quando o Conselho se reúne.
Lúcia Rodrigues Que setores estão interessados na CPI da Companhia?
— Eu não sei. Eu suspeito o porquê de a Petrobras estar sendo atacada. Mas não sei dizer exatamente quem são. Posso dizer o porquê de estar sendo atacada. A Petrobras incomoda. É hoje a empresa mais cobiçada do mundo. O pré-sal é a área exploratória mais prolífica neste momento. Os interesses de acessos às reservas movimentam e ativam grandes interesses geopolíticos nacionais e internacionais. A Petrobras é uma noiva cobiçada. É responsável por cerca de 8% a 10% do investimento brasileiro. Só nos primeiros três meses deste ano, a Petrobras investiu R$ 15 bilhões, R$ 5 bilhões por mês. É mais de R$ 160 milhões por dia, sete dias por semana. Investimento significa emprego, atividade econômica, geração de impostos, geração de renda e movimentação econômica. Em fevereiro deste ano, em pleno auge da crise mundial, a Petrobras apresentou o maior programa de investimento do mundo: U$ 174,4 bilhões para os próximos cinco anos. No imaginário popular, a Petrobras é símbolo da brasilidade, do Estado realizador. É um contraponto à ideia de que só o mercado é capaz de resolver essas questões. O conflito entre Estado e privado, mercado e planejamento, se materializa na Petrobras. No plano ideológico, a Petrobras também é alvo. Há má vontade de certos setores em relação à Petrobras e a favor de empresas menores do que a Petrobras, que foram privatizadas ou são privadas, é impressionante.
Tatiana Merlino Há o interesse desses setores para que a Petrobras seja privatizada?
— Eu não diria que necessariamente esse é o interesse, mas pode ser uma consequência se se desqualifica a Companhia. Eu tentei identificar fontes de ataques decorrentes da atividade específica da Companhia, do impacto que a empresa tem na sociedade, na economia e no plano ideológico, do Estado que dá certo. A quebra do monopólio estatal do petróleo levou a Petrobras a competir com empresas do setor privado. Competir tanto na produção de petróleo, como, principalmente, no que é mais complicado: compra de equipamentos, serviços, fornecimento e disputa do mercado de trabalho. E ao mesmo tempo estava amarrada a uma série de restrições por ser controlada pelo governo. Isso fez com que a Petrobras tivesse de ter uma dupla eficiência. Competente no plano controlado pelo Estado e competente e competitiva com as outras empresas privadas. A Petrobras cresceu na força e na marra. Em um determinado momento foi induzida a encolher, a não expandir a área exploratória, a se organizar de forma fragmentária.
Hamilton Octávio de Souza Geralmente esse é o processo prévio para a privatização.
— Exatamente.
Marcelo Salles O senhor está criticando o governo FHC?
— Estou dizendo o que aconteceu. Eu não posso dizer que a empresa seria privatizada, mas seria mais facilmente privatizada se caminhasse nessa direção.
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