O atual Governo Federal é uma frente democrática com algumas contradições, o que é natural, visto sua construção política plural. Tal composição foi necessária para forjar um movimento amplo de enfrentamento às trevas vivenciadas pela sociedade brasileira nos últimos anos. A participação do PDT nesta “salada democrática” se dá, principalmente, como uma força experiente que lutou pela consolidação da democracia no Brasil. E, para além disso, ocorre também por sua capacidade de impulsionar posições que impedem retrocessos para o trabalhador.
O editorial recente do Estadão, que atacou uma fala crítica do Ministro Carlos Lupi à malfadada reforma da previdência feita no governo Temer, repete a velha cantilena que sempre se opôs à garantia de melhores condições para o trabalhador. Dignidade humana para eles não é fator de eficiência, e, portanto, não se justifica. É uma espécie de película em preto e branco que não deveria nos surpreender. Surpreendente seria assistí-los defendendo a restituição de direitos que impedissem a precarização laboral. Foi mais do mesmo, um enredo retrógrado que infelizmente representa a visão média de alguns grupos econômicos que persistem rejeitando uma visão mais solidária e humanista ao mundo do trabalho.
Lembremos da história: muitos liberais defenderam o fim da escravatura, mas não por se tratar de uma questão de respeito e dignidade humana, e sim pela possibilidade da criação de um mercado consumidor e na redução de custos. Para esta perspectiva, o que importa é a mais valia e a superexploração que alimenta seus instintos primitivos. Esse é o legado principal da seita pró capital, que mesmo com o passar dos anos continua presente defendendo condições ultrajantes ao trabalhador em prol do lucro.
Dentro da atual “Frente Democrática”, Carlos Lupi representa a corrente política que mais se identificou nesse país com a defesa do trabalhador – o Trabalhismo. E neste contexto é que, diante das limitações desta Frente, sua presença se torna essencial. Compreendemos que o governo Lula precisa ser muito bem sucedido, pois só assim estabilizará a democracia brasileira e derrotará as gralhas da extrema direita que nos assombram. Isto requer o mínimo de consenso entre os setores díspares que atuam na frente. Avante, Lupi! Você é, como Brizola nos ensinou, uma lenha guarda-fogo! Uma resistência que representa milhões de brasileiros aviltados pela vilania de diferentes governos bastardos, que sempre foram acobertados por editoriais comprometidos que tratavam o destoante como inimigo.
Todavia, um editorial ético deveria adotar uma postura diferente. Sugiro que, quando projetos hegemônicos opostos não podem ser conciliados de forma racional, tenhamos uma abordagem agonista. A abordagem agonista está relacionada à crença na possibilidade de que as disputas pelas transformações da ordem social, econômica e política existam sem construirmos a figura do inimigo entre os oponentes. Enquanto no antagonismo a parte opositora não é apenas um mero adversário, e é colocada como alguém que além de diferir nos ideais, busca subverter a ordem e causar o caos. Chantal Mouffe, uma das teóricas da “radicalismo democrático”, que engloba as visões citadas sobre agonismo e antagonismo, sugere que numa relação democrática, devemos reconhecer a legitimidade do oponente, e somente assim teremos de fato o debate democrático, que será então entendido como um verdadeiro confronto. Neste confronto, as diferenças de posição são consideradas legítimas e, portanto, a oposição não é tratada como inimiga do estado, como ocorre em regimes absolutistas.
A forma dispensada à abordagem do ministro Lupi sobre a reforma da previdência, evidencia que, neste país, infelizmente muitos editoriais ainda tratam a pluralidade de opinião como inimiga numa guerra. Ao nosso ver, insana, pois o real inimigo está à espreita e ainda não foi derrotado. Chama-se Bolsonarismo.
*Everton Gomes é Cientista Político e integrante da Direção Nacional do PDT