Fernando Molica e o impeachment: Brizola tinha razão


Fernando Molica /O Dia

Rio – Morto há 12 anos, Leonel Brizola teria agora o direito de dizer algo como “Eu avisei”. Em 1992, o então governador do Rio evitava reforçar o coro pelo impeachment de Fernando Collor de Mello. Ao contrário de outros partidos de oposição, em especial o PT, o pedetista tratava do assunto de forma evasiva, escorregadia. O gesto lhe traria sérias consequências políticas — seus 11,168 milhões de votos em 1989 cairiam para pouco mais de 2 milhões na eleição presidencial de 1994.

Na época, Brizola foi acusado de privilegiar seu bom relacionamento com Collor, que chegara a adaptar, para o governo federal, o programa de construção de escolões desenvolvido no Rio de Janeiro. Mas quem ouvisse com atenção seus pronunciamentos e entrevistas veria que a preocupação do governador era outra. Herdeiro e representante do trabalhismo, Brizola acompanhara a derrubada da Presidência de duas de suas referências políticas, Getúlio Vargas e João Goulart. Em 1961, então governador do Rio Grande Sul, ele comandara, de armas na mão, a resistência aos ministros militares, que tentavam impedir a posse de Goulart; três anos depois, acompanharia a deposição do presidente e cunhado, vítima de um golpe articulado em quartéis e grandes empresas.

O veterano político sabia que, por mais graves que fossem os crimes atribuídos a Collor, o impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1961 criaria um perigoso precedente para a jovem democracia brasileira. Sabedor da tendência conservadora da maioria dos parlamentares, o pedetista, que ainda tinha esperança de chegar ao Palácio do Planalto, não queria deixar nas mãos de senadores e deputados o direito de poder derrubar um presidente.

Neste domingo, o temor de Brizola se revelou procedente. A abertura do processo que deve levar Michel Temer ao poder revela que os votos dos 594 integrantes do Congresso Nacional pesam muito mais do que os de 143 milhões de eleitores. Mais do que abrir a porteira para o impeachment, a oposição ressuscitou a eleição indireta para presidente.

As declarações de voto dos oposicionistas evidenciaram que eles não condenavam as tais pedaladas fiscais, apenas trataram de conquistar, no plenário, uma vitória que lhes fora negada nas urnas. Agora, cada político que for eleito para a Presidência será refém dos senadores e deputados, terá que agradá-los, cortejá-los, cumprir suas vontades, quitar suas faturas. Não bastará vencer a eleição, será preciso entregar anéis e dedos — e sabe-se lá mais o quê — para permanecer no cargo.

 

(*) Fernando Molica é jornalista  ([email protected])