O Supremo Tribunal Federal manda abrir as prisões e o Ministério Público do Rio Grande do Sul manda fechar escolas! Parece até aqueles blocos de Carnaval, tudo de mentirinha, com homem vestido de mulher e mocinha com bigode de rapaz. Afinal, somos o país do Carnaval e as fantasias mais autênticas são as que nos levam à folia mostrando o absurdo.
E se o absurdo não for fantasia mas, sim, a própria realidade? Tomar o Carnaval como a normalidade do dia-a-dia torna-se grotesco e perigoso à convivência, pois liquida a esperança no futuro. Dias atrás, em Brasília, o STF mandou soltar vários presos condenados por crimes graves – estupro, estelionato, roubo e apropriação de rendas e bens públicos. Assim, desdobrou decisão anterior mandando deixar em liberdade os condenados ainda com direito a recurso, cuja sentença não transitou em julgado.
Ah, mas Brasília é uma ilha, jamais dileta filha, argumentarão. A ilha da grotesca fantasia multiplicou-se, porém. E chegou ao Rio Grande do Sul em pleno Carnaval como “tsunami” destruindo o que há de mais importante no dia-a-dia: a escola. E, mais ainda, o “tsunami” que fecha escolas é guiado pelo Ministério Público, em acordo com a Secretaria Estadual de Educação!!
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Para cada escola que se feche hoje, será necessário abrir, pelo menos, 10 prisões no futuro. A lei das compensações rege a vida e o comportamento social ou individual e, dela, não há como fugir.
Agora, porém, o Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul manda fechar as escolas itinerantes do Movimento dos Agricultores Sem Terra, onde mais de meio milhar de crianças e adolescentes estudam no campo, às vezes em pleno mato, sob barracas de lona. A Secretaria de Educação implementará a medida.
Chamar a isso de insólito e absurdo é dizer pouco. Apontado como “exemplo” pela mais avançada pedagogia, o estilo das escolas itinerantes é, sem dúvida, o que de melhor tem o MST, mesmo que possa ser polêmico ou tenha contradições como movimento social: quadro-negro e professores movem-se com os acampamentos e os alunos jamais ficam sem aulas.
Por definição e tradição, os procuradores de Justiça promovem o justo perseguindo o delito. Fechar uma escola, porém, é um crime em si.
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Será lícito mandar cerrar sequer uma sala de aula? Só em tempo de guerra admite-se isso e, mesmo assim, em defesa da vida e integridade de aluno e professor.
No caso das escolas itinerantes, porém, tudo soa a uma visão ideologizada que busca sobrepor-se ao ensino em si. O que, por exemplo, pretendeu expressar o procurador Gilberto Thums, ao tentar justificar o fechamento das aulas itinerantes?? “O Estado não tem como controlar o conteúdo programático nessas escolas”, disse a este jornal.
O que é isso de “controlar o conteúdo programático” se não um resquício ideológico que nos remete às piores ditaduras?
Ter ideias e aplicá-las à vida é virtude de coerência. O nefasto e pernicioso é transformar qualquer ideia em impenetrável biombo de aço, em caolha ideologia que enxerga o mundo pelo olho estrábico do fanatismo, com o qual tudo o que seja diferente é visto como diabólico. E por isso, deve ser controlado no conteúdo programático!
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– Fechar essas escolas é um escândalo! – exclamou o presidente da Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica, bispo dom Xavier Gilles, abrindo o debate sobre o tema. Chamou de “invencionice e fantasia” a alegação do procurador Thums de que as escolas se regem pela “cartilha de Lenin”.
O procurador retrucou: – “Pode vir qualquer padreco dizer o que quiser, mas o que querem é dar um ensino à Fidel Castro, e isso não é possível!”. E o debate misturou ateísmo e água benta, tal qual o nível confuso dos enredos das escolas de samba no Carnaval.
Como governadora do Rio Grande do Sul, o que pensa a professora Yeda Crusius dessas escolas sem samba?
* Jornalista e escritor