A revista “Forbes” nos informa que o brasileiro Eike Batista aumentou sua fortuna, em um ano, em US$ 19,5 bilhões, passando a ser a oitava maior fortuna do mundo, tendo conseguido acumular um total de US$ 27 bilhões. Suas empresas atuam basicamente no Brasil e, transcrevendo a Folha de São Paulo de 11/03/10, “de acordo com a revista, dois terços da fortuna de Eike vêm da OGX (de exploração de gás e petróleo)”. Quem é do ramo sabe que a OGX vem arrematando blocos para a exploração e produção de petróleo e gás natural, nos leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP), e falam que ela já descobriu um bilhão de barris nestes blocos.
Ainda segundo a voz corrente do setor, o senhor Eike contratou, através desta empresa, técnicos da Petrobrás a peso de ouro, que trouxeram consigo conhecimento adquirido em muitos anos de trabalho na estatal. Então, vamos começar sendo precisos com a notícia, que deve ser: “Mais uma vez, a Petrobrás descobriu muito petróleo no Brasil, só que, agora, outros irão se apropriar dele.”
De uma forma geral, o empresariado gosta muito de adquirir, a preços vis, “pratos feitos” com muito suor do brasileiro através do Estado, haja vista as privatizações. O senhor Eike agiu estritamente dentro da lei, ao comprar o passe destes técnicos, mas o que ele despendeu é muito menor do que nosso Estado investiu nos mesmos técnicos, em anos de treinamento formal e em exposição ao mundo real, o chamado “treinamento durante o trabalho”. Eles tiveram acesso a quantos segredos por participarem do estudo coletivo do pré-sal e que, a partir das notícias, foram transferidos para um particular?
Estes técnicos, apesar de não terem infringido nenhuma lei do país, ao aceitarem o convite do senhor Eike ajudaram a transferência de riqueza coletiva para uma única pessoa, fazendo-me agradecer a Deus por a consciência deles não ser minha. Falo isto mesmo sendo sabedor que a lei 9478 de 1997, aprovada durante o governo FHC, permite esta transferência.
Não quero trazer o conceito de “acumulação primitiva do capital” de Marx para o caso, pois seria leviano. Por outro lado, é incontestável o fato de não ser possível uma única pessoa ter este aumento de riqueza, em um ano, sem existir perdedor na sociedade. Antes que alguém se rebele dizendo que a OGX tem ações cotadas na Bolsa e, portanto, todos os acionistas são ganhadores (aliás, uma grande criação conceitual para difusão da responsabilidade), ele é o maior acionista da empresa, tanto que o acréscimo da sua fortuna devido a estas descobertas foi imenso.
Friso que o senhor Eike arrematou blocos oferecidos em leilões da ANP, que tem competência legal para fazê-los, recebendo as concessões através de atos jurídicos perfeitos. No entanto, ainda me sinto obrigado a falar, com ênfase total, que este arremate legal é injusto para com a sociedade brasileira. Se o arcabouço legal permite tamanho ganho por uma única pessoa ou empresa, concluo que este arcabouço é injusto.
Antes que me rotulem de comunista, que não vem ao caso, e muitos não leiam este artigo até o final por demonstrarem tal preconceito, afirmo preventivamente que minha crítica se enquadra mesmo em um mundo capitalista, desde que existam nele salvaguardas mínimas de proteção da sociedade.
A bondade involuntária da revista Forbes foi trazer para o conhecimento público que os leilões de blocos do território nacional promovidos pela ANP entregam para as empresas que os arrematam verdadeiros potes de ouro. De passagem, concordo que toda atividade de mineração brasileira tem de ser repensada, não só a do setor de petróleo, pois a riqueza mineral está sendo apropriada por grupos econômicos sem grande usufruto para nossa sociedade.
É difícil transmitir em linguagem compreensível para a população a injustiça do arcabouço institucional existente no setor de petróleo, que entrega poder, lucro e propriedade para grupos econômicos, muito deles estrangeiros, completamente desvencilhados dos interesses da nossa sociedade. As regras que permitem a exploração da nossa população estão escondidas atrás do linguajar formal, jurídico e técnico, de leis, decretos, portarias, editais, contratos e demais documentos normativos e contratuais.
Quem está se beneficiando com estas regras camufla a realidade, com a ajuda da mídia mantida por eles também, de maneira que a exploração continue e o explorado nem saiba da sua triste condição. Entretanto, de uma hora para outra, apareceu uma informação que desnudou, completamente, o conluio. Revelou que a legalidade oriunda do que foi instituído está sendo muito injusta. Por isso, como dizem os jovens: “Valeu, Forbes”.
Algumas entidades de classe, sindicatos e movimentos sociais lutam para conscientizar a população, visando não permitir a dissimulação do real e estimular o rompimento do silêncio dos explorados. Porém, a luta é desigual, pois o dinheiro gasto para dominação da sociedade é enorme, incluindo a doação de entretenimento – que diverte, mas não traz conscientização – para, após prender a atenção do incauto, entregar notícias filtradas e análises tendenciosas. Neste exato momento, o governo Lula está querendo mudar a lei que regula este setor e só um item dos diversos existentes na proposta de nova lei está na mídia: a distribuição dos royalties.
Em contraposição, as entidades da sociedade civil estão promovendo um ato de conscientização popular, pelo término dos leilões promovidos pela ANP de áreas de petróleo, pelo lucro da atividade petrolífera ser usufruído só pelo povo brasileiro e por uma Petrobrás 100% estatal. Será no auditório do Clube de Engenharia, na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Sete de Setembro, no Rio de Janeiro, dia 22 de março, começando às 18 horas. O ato tem como título sua síntese, o muito bem imaginado “Leilão é privatização”. Todo o presente artigo é sobre este tema.
Este recorde do senhor Eike e a disparidade de renda das pessoas no Brasil não são números que não têm correlação. Aliás, o que não nos enobrece, nem nos alegra, mas nos prejudica. Se o acréscimo da fortuna, em um ano, foi de US$ 19,5 bilhões e se dois terços deste valor foram obtidos com o negócio do petróleo, o ganho com este setor foi de US$ 13 bilhões. Se a lei 9478 foi aprovada por um Congresso cujos integrantes não mereciam ser chamados de representantes do povo, estes US$ 13 bilhões conseguidos em um ano podem ser legalmente do senhor Eike, mas moralmente ainda são do povo brasileiro.
Espero te encontrar no Ato “Leilão é privatização”.
Paulo Metri é Conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros