“Vejo hoje, no Brasil, que há uma pena de morte não escrita. Eu acho que cabe a nós, militantes, políticos, tentar acabar com a lei de morte não escrita. Mas para que isso mude, é necessário que elejamos negros. Pessoas que tenham compromisso com a causa, que conheçam nossa história”. Essa afirmação é parte de um pronunciamento feito pela saudosa Edialeda do Nascimento, em uma Audiência Pública realizada na Câmara dos Deputados, em 2009.
Mulher e negra, Edialeda enfrentou todas as dificuldades impostas pela cor de sua pele e se tornou um símbolo da luta contra o preconceito e a discriminação racial contra os afrodescendentes, além de resistência contra o racismo no Brasil. Hoje, 30 de novembro, o PDT relembra seu legado deixado há 11 anos.
Doze anos após o referido discurso, o Brasil ainda enfrenta a infeliz pena descrita pela pedetista. Ainda é recorrente em nossos noticiários diários casos de crianças, jovens e adultos que são mortos todos os dias, vítimas da violência, decorrente de um preconceito enraizado na cultura do País.
“Mulher guerreira, que criou os filhos praticamente sozinha, vencendo os preconceitos e se tornando a primeira mulher negra a ser secretária de Estado no primeiro governo Brizola, no Rio de Janeiro”, assim o presidente Nacional do PDT, Carlos Lupi, descreve Edialeda.
Edialeda lutava por mais introdução da cultura afro-americana nas escolas do Brasil, e trabalhava, com o apoio de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, para expandir as oportunidades para os negros nas universidades federais do País, além de lutar para garantir mais oportunidades de trabalho.
Outro panorama destacado pela pedetista, por ocasião daquele discurso na Câmara, foi acerca dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), daquele mesmo ano, sobre a população negra no Brasil em face da ocupação do povo afrodescendente em espaços de poder. Cenário que desperta perguntas ainda nos dias atuais, pois enfrentamos uma realidade semelhante em nossa sociedade. “Cadê os negros generais, almirantes, brigadeiros, ministros das altas cortes? Cadê o negro na política?”, indagou.
“Quando a gente vê que o negro não consegue chegar à faculdade, e ainda quando consegue é difícil para ele conseguir um emprego, a gente vê que tem que brigar com os governos, em todos os níveis”, afirmou a pedetista.
Na época, os negros somavam-se uma quase maioria da população brasileira. Hoje, segundo o IBGE, já são 56,10% da população que se declara negra e mesmo assim, ainda enfrentamos um grande desfalque na representatividade negra no Brasil.
“O Brasil orgulha-se de ser um país de democracia racial. Mentira! Eu não vejo negros aqui na Câmara dos Deputados, nos tribunais, nas cortes, no exército, na marinha, na aeronáutica, nas universidades. Quando o IBGE diz que somos maioria, eu quero ver essa maioria em cargos do Itamaraty”, afirmou Edialeda, em sua fala, proferida durante a audiência pública, quando deixou também um recado e um pedido aos brasileiros.
“Conseguimos, nesta Câmara, o que nunca houve: chegar e falar de negro, no espaço de discussão. Queria pedir aos senhores que estão presentes – deputados, pessoas que trabalham na Câmara, jornalistas – que não deixassem que esta discussão se acabasse. Ela só começou aqui. Acabaremos essa discussão quando conseguirmos concretizar uma abolição de fato”, ressaltou a pedetista.
Ao final de seu discurso, Edialeda foi enfática quanto à necessidade da abolição do preconceito e a importância de dar condições dignas como saúde e educação de qualidade a todos os brasileiros.
“A abolição não está concretizada e só vai se concretizar quando nós, negros – não eu que sou médica, falo 5 línguas, que já viajei –, a criancinha, que mora no final de uma vila, no final da Bahia, tiver um médico a sua disposição 24h por dia, ou morar numa casa com saneamento básico, com água corrente, numa casa digna; quando seus pais pagarem um trem, um transporte público de qualidade, para não sei onde, tiver acesso a uma escola integral e integrada, onde ela, segundo Darcy Ribeiro dizia, aprenda a ler, escrever e pensar”.
Trajetória
Graduada em medicina pela Universidade de Valença, no Rio de Janeiro, Edialeda era fluente em francês, italiano, espanhol e inglês. Foi secretária nacional do Movimento Negro do PDT, e uma das fundadoras do partido ao lado de Leonel Brizola.
Ainda no governo Brizola, no Rio de Janeiro, Edialeda se tornou a primeira negra a assumir a secretaria de Estado de Promoção Social. Participou de diversas reuniões e congressos realizados na América Latina, Estados Unidos e Europa, inclusive da Internacional Socialista, além de ter sido organizadora e conferencista do I Congresso de Mulheres Negras das Américas, realizado, em 1984, no Equador.