Vivemos tempos sombrios em que a celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente, neste domingo (5), serve, oportunisticamente, para mascarar uma realidade incômoda e dantesca. Parece-me um meio de fugir do real e criar um mundo de fantasia. Comemora-se datas simbólicas como mero disfarce da insensatez, frente a manutenção de práticas que se contrapõem ao comemorado.
A sociedade insiste em ações nocivas e degradantes ao bom equilíbrio ecológico; mas ao celebrar a data de hoje – Dia Mundial do Meio Ambiente – fingimos que nada acontece, e aguardamos a consciência tardia que nos absolvirá dos insistentes caminhos errantes. Tal contraste, fez-me recordar muito a poética sombria e barroca de Gregório de Matos Guerra, que ficou conhecido por Boca do Inferno. Dizia ele em um de seus poemas:
…” Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Antes, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.”…
Tal como Gregório de Matos insinua em seu poema – quando diz que peca de forma reincidente, pois isto permite seu perdão que elava o Senhor à glória –, a sociedade mundial avança pecando contra seu Planeta; quem sabe esperando uma salvação em meio ao cataclisma ambiental que a cada dia nos apresenta um novo versículo do apocalipse.
Os adeptos de diversas religiões creem no Juízo Final, quando todos seremos julgados por nossos atos. Ao que parece, neste tribunal celeste os poluidores do hoje acreditam que terão a absolvição por seus crimes contra as gerações do hoje e do amanhã. Tal como a pregação de nosso poeta barroco.
Por não crer nesta absolvição tardia, resta-me alertar sobre os danos reiterados pelas ações humanas em relação ao espaço geográfico.
O grande Milton Santos, um misto de geógrafo e filósofo brasileiro, foi, a meu juízo, quem melhor definiu a síntese das relações entre Natureza e sociedade, ao longo do tempo. Em seu estudo, caracterizou a atual etapa como fruto do meio técnico-científico-informacional.
Disse ele que o sistema capitalista de produção e transformação uniu a técnica e a ciência, guiadas pelo funcionamento do mercado; como resultante, este binômio, somado aos avanços tecnológicos, expande-se e consolida o processo de globalização.
Assim é que, nestes tempos globalizados, já deveríamos nos apropriar de novas práticas em prol do meio ambiente, como preconizava Milton Santos, que nos deixou, como ensinamento, uma vasta obra literária e palestras, acessíveis na Internet.
Mas a verdade que grita aos nossos olhos é sombria, como o cenário em que se inicia o filme “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco. A ânsia de lucrar com a exploração da Natureza, em um desenvolvimento nada sustentável, permite que muito pouco ou nada seja realizado.
Como nos define axiomaticamente a matemática, a exceção que confirma a regra ocorrem nas organizações que defendem os animais em extinção, em que os biólogos lideram equipes altamente dedicadas; assim como algumas experiências individuais de reflorestamento, dignas de aplausos, como a do fotógrafo Sebastião Salgado.
Continuamos dilapidando predatoriamente nosso patrimônio natural sem receio dos efeitos que isto tem promovido. A conta tem sido devastadora e tem sido entregue como catástrofes gestadas na mudança climática global que nada mais é do que resposta à emissão acelerada de gases de efeito estufa. Tudo isto é produto da exploração desmedida de combustíveis fósseis.
O custo da transformação energética mundial – segundo publicação recente de especialistas, em uma obra organizada por Noam Chomsky em parceria com Robert Pollin (“Crise Climática e o Green New Deal”) – é cerca de 2,5%/ano do PIB global: valores que se aproximam muito dos conseguidos em outros momentos como os esforços da II Guerra Mundial; ou mesmo da reconstrução da economia americana pelo New Deal.
Com vontade é possível realizar então um Green Newl Deal, mas precisamos da unidade de todos – setor público, privado e sociedade – unidas na mesma direção.
No Brasil, abre-se um capítulo à parte.
Contraditando com todo nosso histórico na área ambiental, o que seria um ativo pra fazer nosso país liderar um novo paradigma neste assunto, ao que temos assistido é desastroso.
Em meio a um caos político e econômico, surgiu uma política negacionista, que – se aproveitando de um vazio de comunicação, em que girândola que domina a Internet provoca encalhe dos jornais nas bancas – , por meio de um falso nacionalismo, ufanista e demagógico rejeita cooperar com a comunidade global.
No plano interno, promove o açoite de regulações diversas legais ou administrativas que teriam como foco as políticas conservacionistas. O Estado brasileiro se tornou um pária internacional, na contramão de uma trajetória que vinha crescente, baseada em um patrimônio com diversos biomas, para sermos líderes deste grande desafio.
Nos resta lutar e promover dias melhores.
Neste período preparativo para as eleições gerais, é fundamental que se faça uma radiografia destes últimos quatro anos. De minha parte, espero que esta contribuição, mesmo que em tons alarmistas, se transforme em discussões propositivas.
Como disse no início deste texto, não temos muito a comemorar neste Dia Mundial do Meio Ambiente.
Precisamos sim construir uma nova unidade para elevar nossas vozes numa grande mobilização global – uma verdadeira batalha diária de conscientização de que ainda temos tempo para salvar nosso Planeta.
*Everton Gomes é cientista político e ex-presidente da Fundação de Parques e Jardins da Cidade do Rio de Janeiro.