Não se trata apenas do colapso financeiro mundial. Este se aprofunda e já acarreta estagnação e inflação nos EUA e na Europa. Em artigo do início deste ano, escrevi: “Vem à tona, desde julho de 2007, grande quantidade de títulos financeiros destituídos de valor. Isso é só parte da montanha que está implodindo. Foram emitidos por bancos e fundos na euforia mentirosa da globalização e da desregulamentação. Finalidade: lucros ilimitados sem esforço algum, criados nos supercomputadores que movimentam as centenas de trilhões de dólares e de euros virtuais”.
Disse mais: “Os derivativos ultrapassam 500 trilhões de dólares…” E: “… os ativos financeiros chegaram a US$ 167 trilhões: 14 vezes a cifra de 1980. Em contraste com essa megainflação a economia real estagnou.”
Dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e do controlador da moeda dos EUA indicam que o valor nominal dos derivativos (futuros, swaps, opções, inclusive títulos de balcão – over-the-counter) ascendeu a US$ 516 trilhões em junho de 2007, US$ 220 trilhões mais que em junho de 2004.
As crises são sucessivas, cada vez mais amplas e profundas. O colapso de que elas são parte tem potencial para superar o dos anos 1930. Bancos dos EUA e da Europa estão sendo socorridos pelas autoridades monetárias, e isso leva a denunciar, com razão, a fraude dominante nos últimos 25 anos, que atende por nomes como globalização, neoliberalismo, livre mercado etc.
Até membros do establishment afirmaram ter morrido o sonho do capitalismo de livre mercado, quando o Bear Stearns, de Nova York, foi resgatado em março de 2008. Desde então a dimensão dos surtos cresceu exponencialmente. As operações de salvamento, só em setembro, nos EUA, montam a U$ 300 bilhões. Entre elas, as das hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, com ativos problemáticos de 5,3 trilhões, e a seguradora AIG. Até agora, mais de US$ 1 trilhão.
O Congresso dos EUA acaba de aprovar lei que dá poder ao secretário do Tesouro para comprar ativos, no montante de US$ 700 bilhões. Ela socializa prejuízos decorrentes da ganância e da irresponsabilidade de banqueiros bilionários, sem lhes tirar um centavo dos desmedidos ganhos obtidos com as jogadas depois malsinadas. Aí está uma lição para os que pensam existir democracia nos EUA.
O próprio especulador George Soros lembra que o governo deveria entrar no capital dos bancos em vez de adquirir títulos duvidosos. O investidor Warren Buffett aplicou US$ 5 bilhões em ações preferenciais, com 10% de dividendos anuais, da Goldman Sachs, um dos dois bancos de investimentos de Nova York que não quebrou, graças ao apoio do FED.
Buffet comprou também ações ordinárias por mais US$ 5 bilhões, a US$ 115 a unidade. O pico foi US$ 251, e cotação recente, US$ 138.
O secretário do Tesouro, Henry Paulson, é ex-sócio diretor da Goldman Sachs. Segundo W. Engdahl (Global Research, 30.09.2008), se o governo não tivesse adquirido 80% das ações da AIG, a Goldman Sachs perderia US$ 20 bilhões, e Paulson, US$ 700 milhões em opções acionárias. Ela é a grande doadora das campanhas de Obama e McCain. Ambos recomendaram a seus partidos sustentar o projeto da lei.
Os US$ 700 bilhões que esta confia a Paulson serão certamente usados com a mesma seletividade de antes, salvando alguns bancos e deixando outros quebrar, como o Lehman Brothers, com perdas de US$ 600 bilhões. A Merrill Lynch foi absorvida pelo Bank of America. De qualquer forma, as perdas prováveis, só do setor imobiliário dos EUA, montam, por ora, a mais de 7 trilhões, 10 vezes o montante previsto na lei.
O tamanho total dos rombos é infinitamente superior à capacidade de os Tesouros e bancos centrais os cobrirem sem gerar hiperinflação como a de 1923 na Alemanha, antes de absorverem 1/5 dos títulos problemáticos.
A oligarquia financeira consegue, porém, impedir que as sociedades se dêem conta do que lhes espera. Nisso ela é coadjuvada não só pela mídia, mas até por economistas e outros renomados críticos do capitalismo que se regozijam com o sonhado fim desse sistema, irrealizável enquanto ele controlar o Estado.
Imaginam que a intervenção estatal abra caminho a políticas econômicas menos danosas à sociedade. Assinalam a desmoralização das ideologias neoliberal e monetarista, mas se iludem com a keynesiana, que preconiza guerras de grande porte para sair da depressão. Parecem ignorar que todas essas ideologias estão na caixa de ferramentas da oligarquia, para serem utilizadas conforme a ocasião.
Desconsideram a questão fundamental: quem controla o Estado. Omitem que as desgraças tendem a crescer, com ele atuante ou não, enquanto não se institucionalizar a supremacia da economia de mercado sobre o capitalismo concentrador. Este comandará o Estado, se perdurar a ordem jurídica que não impede o acúmulo ilimitado de propriedade por uma só empresa e por um só indivíduo.
Adriano Benayon é doutor em Economia. Autor de “Globalização versus desenvolvimento”, editora Escrituras. [email protected]