Crítico do governo, mas ferrenho opositor do processo de impedimento de Dilma Rousseff, o ex-ministro Ciro Gomes tornou-se mais um alvo da intolerância política. No início de abril, um grupo pró-impeachmentusou seu perfil no Facebook para oferecer 1 mil reais a quem hostilizasse o presidenciável do PDT no restaurante em que ele jantava, em São Paulo.
“Esse episódio é o retrato de uma fração muito pequena da sociedade, mas bastante barulhenta, que precisa ser enfrentada”, diz Ciro, em entrevista a CartaCapital. Na avaliação do ex-ministro, não haverá governo estável no Brasil pelos próximos 20 anos, caso o impeachment seja aprovado pelo Congresso.
Ele também rechaça a proposta de convocar novas eleições para presidente, mesmo que o pleito inclua a renovação dos mandatos de deputados e senadores: “Isso é uma pura e simples marinice, um contragolpe com jeitão charmoso de chamar o povo para votar de novo”.
CartaCapital: Recentemente, o Movimento Endireita Brasil, pró-impeachment, ofereceu 1 mil reais a quem hostilizasse o senhor em um restaurante e registrasse o ataque em vídeo. Como o senhor qualifica esse ato?
Ciro Gomes: Esse episódio é o retrato de uma fração muito pequena da sociedade, mas bastante barulhenta, que precisa ser enfrentada. O autor dessa proposta provavelmente estava presente no restaurante, mas não teve coragem de me enfrentar. Então ele vai para o anonimato da internet, refúgio dos covardes, e oferece dinheiro para alguém me hostilizar, o que é uma característica do fascista, do cara que detém poder econômico e vai suprir a frouxidão dele com esse tipo de artifício.
Reagi com deboche, até porque o ataque não foi feito pessoalmente. Acho que toda a sociedade brasileira precisa recuperar um princípio da democracia e do Estado de Direito, que é o da legítima defesa. Essa turma acha que pode agredir e insultar qualquer pessoa, como fizeram com o Eduardo Suplicy, que é um homem de bem, como fizeram com o ex-ministro Guido Mantega, dentro de um hospital. Eles partem da premissa que um homem público tem que cumprir certo atributo aristocrático de não exercer a legítima defesa.
CC: Essa é a primeira vez que o senhor torna-se alvo desse tipo de ação?
CG: Diretamente comigo, sim. Outro dia aconteceu com meu irmão (Cid Gomes, ex-governador do Ceará). Ele estava chegando em casa, por volta de 1h30 da madrugada, quando cercaram o carro dele, bateram na lataria, começaram a gritar insultos e palavrões. Minha cunhada ligou chorando, para pedir socorro, e eu fui lá para acudir. É curioso, pois nem eu nem ele estamos ocupando cargo público, é preciso ter clareza. A última vez que fui candidato faz dez anos. Basicamente, a ideia dessa turma é intimidar, fazer coação moral. Isso se alimenta de um analfabetismo político muito sofrido. No fundo, são pessoas que merecem pena, não outra coisa.
Esse tipo de ação é um produto imediato da falta de escrúpulos da grande mídia, a incitar o ódio, casado com problemas da sociedade. Tem muita gente que tem problema com os pais, falta amor em casa, e extravasa esse rancor fora. Uma pessoa bem amada, que tem carinho em casa, não tem esse tipo de comportamento. É intolerante na rua porque é vítima, dentro de casa, da grosseria ou da omissão dos pais, por exemplo.
CC: Caso o processo de impeachment seja aprovado no Congresso, qual é o cenário político que o senhor vislumbra depois?
CG: Se esse golpe for consumado, não vejo mais a possibilidade de um governo estável pelos próximos 20 anos. Repare bem, a generalização da raiva e do ódio se dá por três grandes grupos. O primeiro é composto pelos eleitores frustrados do Aécio Neves, que nunca aceitaram a derrota nas urnas ou a atribuem a uma fraude, a uma mentira da campanha petista, não sem alguma dose de razão.
O segundo grupo é integrado por aqueles que sofrem as consequências da decadência econômica e da recessão, este com razões muito mais objetivas para estar insatisfeito. O terceiro grupo é o que está chocado com a novelização do escândalo pela grande mídia. Mas esses três grupos só se juntam na negação. Não tem moralidade intrínseca, não tem apego à moralidade, tanto que Eduardo Cunha se junta a essa turma na negação.
Essa coalização negativa vai se dissolver nessa dança. Quem assume o poder é alguém vinculado a tudo que mais podre e corrupto há no Brasil. Os problemas econômicos vão se agravar, porque haverá um componente de ilegitimidade do governante e de entreguismo aos interesses internacionais, flagrantemente entranhados nesse assunto, sobretudo quando falamos de petróleo. E o eleitor do Aécio vai ver de longe essa nova frente de governo. Pior: com uma grande parte do País desacreditando na linguagem da democracia e, portanto, sentindo-se autorizado a valer-se da violência e outras linguagens.
CC: Mesmo que consiga derrotar o impeachment, Dilma teria condições de recompor o governo em um ambiente tão conturbado?
CG: Tem toda a condição do mundo. Basicamente, a presidente Dilma Rousseff precisa sinalizar para esse grupo que se sentiu enganado nas últimas eleições, entre eles eu, e buscar uma reconciliação com os grupos sociais e políticos que lhe deram a vitória. Precisa mudar radicalmente os rumos da economia, assumir um compromisso com a produção brasileira, com os trabalhadores do País, e confrontar o que precisa ser confrontado.
Ela pode obter maiorias quando houver mérito das decisões dela, denunciando à população aquilo que for sabotagem de uma fração corrompida do Congresso. Aliás, ela deveria fazer isso hoje, não precisa esperar o desfecho do processo de impeachment.
CC: E o que o senhor acha da ideia de convocar novas eleições?
CG: É um contragolpe, uma marinice. Para isso prosperar, seria preciso aprovar uma emenda à Constituição, e qualquer deputado, senador ou mesmo um cidadão, que se sentir prejudicado pela interrupção dos mandatos, pode ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, que seria obrigado a intervir. Claro que é um golpe muito menos enojante, menos repugnante que este pilotado por Michel Temer e Eduardo Cunha, pois entrega ao povo a soberania final. Mas é uma pura e simples marinice, um contragolpe com jeitão charmoso de chamar o povo para votar de novo.