Dívida mobiliária: 1 trilhão e 96 bilhões
Reportagem de Ney Hayashi da Cruz, “Folha de S. Paulo” de 27/09, incluindo entrevista com o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, um técnico sempre claro em suas afirmações, situa a dívida mobiliária interna do País – títulos públicos em poder dos bancos – na escala de 1 trilhão e 96 bilhões de reais. Por esta dívida, o governo paga 11,25 por cento de juros ao ano para uma inflação de 3,7 por cento ao longo de doze meses.
São juros reais, portanto, da ordem de 7,55 pontos. Bastante altos em relação ao mercado internacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Federal Reserve os fez agora recuar para 4,7 por cento. Mas como a inflação americana é de 2 por cento, a taxa efetiva fica em 2,7 pontos. Muito menor que a brasileira.
A nossa dívida, pelo que se vê, é impossível de ser paga. Altamir Lopes a coloca no patamar de 43,1 por cento do PIB. Isso considerando um PIB superior a 2,4 trilhões de reais, o que parece um exagero de aproximadamente vinte por cento. Talvez a diferença aparente resulte das oscilações do valor do dólar, uma vez que as contas internacionais baseiam-se na moeda dos EUA.
Seja lá como for, não poderá ser resgatada, pelo menos, nos próximos cem anos. Pois se ela representa, sem incluir o peso dos juros, quase a metade do que é produzido no Brasil, como poderemos pagá-la? É necessário assinalar que um endividamento de 1 trilhão e 96 bilhões representa praticamente dois terços do orçamento da União para 2007.
A lei de meios em vigor é de 1 trilhão e 526 bilhões de reais, como revelou o secretário do Tesouro, Diário Oficial de 30 de agosto. Inclusive, vale acentuar, a dívida de 1 trilhão e 96 bilhões é apenas a mobiliária. Se incluirmos o endividamento total, nele os precatórios, chegamos a 1 trilhão e 440 bilhões. Mas para a análise política do volume da dívida não precisamos estendê-la. A admitida por Altamir Lopes é mais do que suficiente.
Por este motivo é que os investimentos públicos são baixos. Para este exercício estavam inicialmente previstos em torno de 60 bilhões de reais. Não sobram muitos recursos para investir. Só no período janeiro-agosto deste ano, está na matéria de Ney Hayashi, foram pagos à rede bancária 103,8 bilhões. Isso em oito meses, portanto. De agosto de 2006 a agosto deste ano, doze meses, o chamado superávit primário ficou em 101,8 bilhões.
Verifica-se assim que o superávit primário oculta uma realidade. É a soma de todas as receitas federais menos as despesas. Porém sem incluir – não sei por quê – os juros desembolsados. Aparentemente o cálculo leva à fantasia de um lucro. Mas na realidade registra um déficit real. Este item da contabilidade pública deveria ser abolido. É inócuo. Conduz a uma idéia não verdadeira. Um sonho como o Mágico de Oz.
Os leitores sabem quanto o País paga de juros por dia? Altamir informa: 429 milhões de reais. São 14 bilhões por mês. Em dois meses e meio, o valor total da receita produzida pela CPMF. Algo extremamente pesado em matéria de economia e finanças. Daí a estagnação por falta de aplicações de capital.
Mas é preciso investir no projeto Brasil. Daí a contradição. Não só para iniciar um resgate progressivo e concreto da dívida social – maior do que a soma das dívidas interna e externa -, como também para atender a demanda sempre adicional causada pela taxa demográfica. Afinal, o índice de crescimento da população é de 1,3 por cento a cada doze meses.
Em nosso País, durante um ano, surgem 2 milhões de novos seres humanos. Torna-se portanto indispensável considerar o aumento populacional para a equação correta de qualquer política pública. Disse que a dívida social supera a soma das dívidas interna e externa. Supera por enorme margem. A mobiliária interna é de 1 trilhão e 96 bilhões. A externa, de 140 bilhões de dólares, menor do que a primeira.
Mas quanto vale, por exemplo, o déficit habitacional brasileiro? Quanto vale o fato de metade das 55 milhões de residências não possuir rede de esgoto? Quanto vale a falta de saneamento básico? Qual o déficit econômico, social e político contido no processo de favelização dos centros urbanos? Somadas todas estas parcelas e mais o gigantesco déficit na qualidade e quantidade dos serviços de saúde prestados às classes de menor renda, teremos pela frente uma cifra de trilhões de reais. Algumas vezes o próprio orçamento federal, como citamos há pouco, de 1 trilhão e 526 bilhões.
O pensamento conservador, conformista, fatalista joga para o empate. Quando joga. A idéia de reforma leva à necessidade de uma vitória que produza melhores condições sociais, incluindo emprego e salário. Não está fácil, com uma dívida de 43,1 por cento do PIB, atingir o êxito efetivo. Porém, não podemos desanimar. Desanimar, nunca, acreditar no avanço social, sempre. Será uma utopia? Talvez. Mas que seria do mundo, não fossem as utopias?