Deputado Federal do PDT, neto de Leonel Brizola, fala da defesa dos recursos naturais, da sua trajetória política e da luta contra a exploração das multinacionais.
Gilberto Felisberto Vasconcellos: Que questões envolvem o nióbio no Brasil?
Brizola Neto: Toda indústria de alta tecnologia é altamente dependente do nióbio, não tem turbina de avião, não tem turbina de termoelétricas, não tem oleoduto se não tiver nióbio, porque ele é anticorrosivo. E o dado importante, é que justamente 95% das reservas de nióbio do mundo concentram-se só nas minas amazônicas, onde está demarcada a Reserva Raposa do Sol, sem serem exploradas. Há uma mina em atividade em Araxá, Minas Gerais, uma associação do grupo Moreira Sales com o grupo Rockefeller, a Cia. Brasileira de Mineração de Metais-CBMM. que vendem internacionalmente o nióbio a um preço abaixo do custo. Fato grave é que mesmo sendo o único exportador no mundo deste minério estratégico, o nosso país não é sequer capaz de determinar o preço do nióbio no mercado externo. Nos momentos de baixa dos valores das comodites como ocorre na crise atual, o preço da extração e do refino fica superior ao valor em que é cotado na bolsa de Londres, em média U$ 90 o kilograma. Na jazida atualmente mais explorada, em Araxá, Minas Gerais, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) pertencente ao grupo Moreira Salles associado a multinacional MOLYCORP, do grupo Rockefellerr, exporta 90% do nióbioo extraído. Isso é mais um exemplo deplorável da simbiose da burguesia nativa com os interesses das grandes corporações multinacionais que engordam o imperialismo. Com o deputado mineiro José Fernando Aparecido, a gente tem lutado na Câmara por um novo marco regulatório na questão mineral no Brasil. Dá mais de um trilhão de dólares o nióbio que você tem hoje na Amazônia. Isso com preço estipulado lá na Bolsa de Londres, abaixo do custo, sem levar em conta a importância que tem o nióbio hoje na indústria, principalmente na indústria de ponta. É mais um caso da história de 500 anos de espoliação internacional do Brasil.
Renato Pompeu: A sua intervenção no Congresso teve repercussão na mídia?
Brizola Neto: Olha na grande mídia a gente pode dizer que essa repercussão ela realmente não acontece, e ai a gente entende inclusive as pressões que deve haver dos grandes grupos multinacionais nesse sentido, talvez os grandes anunciantes e sustentadores da grande mídia. Só para dar um exemplo, nós fizemos uma convocação na Comissão de Minas e Energia, requerimento meu e do deputado José Fernando Aparecido, convocando, para que se explicasse esse processo de privatizações da Companhia Vale do Rio Doce, o ex-presidente Fernando Henrique, o ministro das Minas e Energias na época do governo Fernando Henrique, o senhor Roger Agnelli, que comprou a Vale, para explicar por que a venderam pelo preço de seis meses do seu faturamento. E mais, o mais grave, a Constituição Federal diz que quem detém o solo não detém o subsolo, que o subsolo é patrimônio da União, e junto com a venda da Vale do Rio Doce entregaram as maiores minas brasileiras, as de Carajás, exploradas pelo senhor Roger Agnelli.
Renato Pompeu: A CBMM tem interesse em que não sejam exploradas as reservas de nióbio de Roraima, que estão nas terras indígenas. Mas a direita militar divulga na Internet que a demarcação contínua das terras indígenas foi feita para possibilitar a exploração do nióbio de Roraima por empresas estrangeiras.
Brizola Neto: Acho que uma questão não inviabiliza a outra. Nesse primeiro momento há essa pressão clara da CBMM para não desvalorizar a exploração do nióbio na mina que ela tem em Araxá, porque é uma exploração muito mais difícil do que a exploração que é possível hoje na Amazônia. Mas eu concordo plenamente que essa demarcação, além de atender o interesse imediato da CBMM, num futuro próximo, ela vai atender ao interesse internacional de que empresas estrangeiras se instalem ali para fazer a exploração do nióbio brasileiro.
Wagner Nabuco: Mas lá no Congresso, como é que você sente a repercussão, quem está mais para a posição sua e do PDT, quem fica mais em cima do muro, quem combate mais? Como que é isso lá?
Brizola Neto: Hoje, eu acho que é um pouco difícil você identificar dentro do Congresso, através de partidos políticos, quais são os grupos nacionalistas. Você tem hoje nacionalismo espalhado em vários partidos e, infelizmente, talvez seja a fração minoritária de cada um desses partidos com algumas exceções. Até mesmo no campo da esquerda você tem partidos que não compreendem a questão do nacionalismo, preferem estar afiliados a doutrinas externas. Wagner Nabuco: Qual a sua posição sobre essa questão que o neto do Jango tem levantando do fato de ele ter sido assassinado. E se o Jango depois, o único presidente que nós temos que morreu no exílio, se ele recebeu honras de Estado.
Brizola Neto: Não, só houve esse processo agora.. Hoje não tenho dúvidas de afirmar que o presidente João Goulart foi assassinado por esse processo de cortes de cabeça das principais lideranças políticas de toda a América Latina pela pressão que surgiu, até dos próprios Estados Unidos a partir do presidente Jimmy Carter, que houvesse um processo de reabertura da América Latina. Houve um acordo com as ditaduras militares dos países da América Latina – Brasil, Chile, Argentina, Uruguai -, e nesse acordo ficou tratado que se cortariam cabeças, e eu tenho certeza que uma das cabeças cortadas foi a do presidente João Goulart. Olha, você tem outros exemplos, inclusive dentro do Brasil, são questionados, o próprio Juscelino, é questionado o assassinato do Letelier nos Estados Unidos, o colaborador do presidente Allende, e a morte de diversas lideranças do Movimento dos Montoneros na Argentina, dos Tupamaros no Uruguai. Digo que a própria cabeça de Leonel Brizola só não foi cortada porque ele foi avisado pelo governo do Uruguai que corria risco de vida e foi tomar asilo nos Estados Unidos, pedindo inclusive para o próprio presidente Jimmy Carter que concedesse esse asilo.
Gilberto Felisberto Vasconcellos: A cabeça dela está sendo cortada depois de morto. Agora, no Rio de Janeiro matérias disseram que o Brizola recebeu propina, num ataque de primeira página.
Brizola Neto: Na semana dos 45 anos do golpe. Eu acho que o que é interessante frisar é que o Brizola é o único político que incomoda a Globo ainda depois de morto.
Wagner Nabuco: Você, como neto, conviveu com ele na intimidade, você sabia que ele era vigiado de alto a baixo?
Brizola Neto: Quando fiz 16 anos fui trabalhar com ele, que morava na avenida Atlântica, no Rio, ao lado do Hotel Othon, e o Hotel Othon instalou uma câmera do lado do apartamento dele, uma câmera giratória, e ai ele foi lá no escritório, e ele olhou aquilo: “O que é aquilo? É uma câmera, o FMI já está ai no Hotel Othon!” Ele sabia que não era ação da ditadura, era ação imperialista.
Tatiana Merlino: A situação de o nacionalismo ter perdido a força no Brasil pode se
atribuir ao fato de nós não termos mais uma burguesia nacional?
Brizola Neto: É, porque se você for analisar, a burguesia nacional, hoje, não é diferente de toda a América Latina. A burguesia nacional, hoje, é associada ao imperialismo. Só que, se a burguesia aqui de São Paulo, a burguesia de Caracas, á burguesia de Maracaibo, a burguesia de Buenos Aires é essa burguesia que é associada ao capital externo que vem nos infligindo tantas derrotas, a gente não pode esquecer que houve inúmeros projetos nacionais desenvolvimentistas que chegaram ao poder em toda a América Latina e que foram derrotados. Como que a gente vai esquecer do projeto nacional desenvolvimentista de Getúlio, como a gente vai esquecer do Perón, na Argentina, como que a gente vai esquecer do Bolívar lá atrás?
Hamilton Octavio de Souza: Deputado, neste momento quais lutas o PDT está apoiando?
Brizola Neto: No momento o PDT tem uma aliança estratégica com o governo Lula. Nós temos o entendimento que o governo Lula é um governo plural, é um governo de transição, que teve como qualidade estancar o avanço do processo neoliberal no país. Quando fomos para o governo Lula, o PDT firmou um compromisso público assinado pelo presidente da República, de que não haveria reforma da Previdência e nem reforma na Legislação Trabalhista, que era a agenda da hora, era, agenda aqui da avenida Paulista, era a agenda da Febraban, era a agenda do governo passado, inclusive tentou fazer a flexibilização das leis trabalhistas. E, nesse sentido, acho que nós conseguimos fazer a reversão dessa agenda, hoje não se fala mais em reformar a CLT, hoje qualquer segmento mais conservador tem medo em falar em reforma da Previdência, e o partido tem cumprido esse papel. Agora, indo na crise, a gente fez um enfrentamento importante que foi justamente na defesa da questão do emprego. A gente tem visto que, como o mercado não deu conta de tudo, e praticamente não deu conta de nada, é o bom e velho Estado que está salvando da bancarrota mais uma vez esse famigerado mercado. Acho que nós tivemos um papel importante exigindo uma contrapartida dessas empresas que forem ajudadas pelo Estado que, no mínimo, garantam a permanência do emprego dos seus funcionários.
Hamilton Octavio de Souza: A gente costuma, nas entrevistas da CarosAmígos, pedir ao entrevistado que fale de sua vida, onde nasceu, onde morou etc…
Brizola Neto: Nasci `em Porto Alegre, numa passagem rápida da minha mãe que saiu do Uruguai e foi a Porto Alegre justamente para que eu nascesse brasileiro. E depois do nascimento eu tive que voltar para o Uruguai, nasci no ano de 1978, foi justamente o ano em que meu avô foi expulso do Uruguai. Naquele momento minha mãe e meu Pai foram para o Uruguai, ficaram lá numa fazenda da minha avó cuidando das terras. Mas a gente passou os primeiros anos de vida no Uruguai, eu aprendi a falar em castelhano, aprendi a falar em espanhol, e claro que não por gosto, mas porque estava impedido, a família toda, de estar em solo brasileiro. E depois desse processo houve o processo de reabertura, vem a reorganização do PDT, primeira tentativa do PTB, a carta de Lisboa, nesse processo a gente ainda estava no Uruguai. É quando o meu avô retorna e escolhe o Rio de Janeiro, nós voltamos para Porto Alegre.
Gilberto Felisberto Vasconcellos: Você tem outro avô exilado…
Brizola Neto: Em 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou, o vice-presidente João Goulart estava na China retornando de uma viagem diplomática, os golpistas se articularam para impedir a posse do presidente João Goulart. Assume o poder uma junta militar. Nesse processo começa toda aquela mobilização a partir do governo do Rio Grande do Sul, do destacamento da Brigada Militar para guarnecer uma torre de rádio, e a partir daquela torre de rádio fazia a transmissão do atentado à democracia que estavam fazendo. Naquele momento, essa junta militar manda que fosse bombardeado o Palácio de Piratini, onde estava lá entrincheirado o Brizola com toda a sua família, estava lá a mulher, os filhos do Brizola, com toda a população embarricada em volta do Palácio. Os membros da junta destacaram para a base aérea de Canoas que decolassem os jatos e efetuassem o bombardeio. E ali naquela base aérea tinha um sargento, que não era brizolista, não era getulista, não era trabalhista, um sargento que era naciona-
lista e que foi para as Forças Armadas e jurou a Constituição. E na época, aquele sargento se insurgiu contra os comandantes da base aérea, se insurgiu contra a trinca militar, e liderou os sargentos da base aérea e furou o pneu de todos os caças, impedindo que decolassem para bombardear o Palácio Piratini. Como consequência
isso, ele foi o primeiro militar a ser expulso da Aeronáutica, foi o primeiro militar a ser banido do país. Ele era piloto de avião.
Gilberto Felisberto Vasconcellos: Quem era ele?
Brizola Neto: O Daudt, capitão Daudt. Que vem a ser meu
avô por parte de mãe.
Gilberto Felisberto Vasconcellos: Brizola Neto é fruto de um avô revolucionário da parte de pai e da parte de mãe, o Daudt e o Brizola.
Brizola Neto: E aí seguindo, houve o processo de reabertura quando ele decide voltar ao Rio de Janeiro. A gente primeiro vai a Porto Alegre e permanece um ano em Porto Alegre, e vem para o Rio de Janeiro. O Brizola era uma coisa proibida no Brasil. Então havia uma demanda reprimida enorme e, ao mesmo tempo, a família não sabia como estava por aqui, como que era aqui depois de 20 anos de um nome ser colocado como subversivo, criminoso, mais de mil processos movidos na Justiça, demonizado exatamente, demonizado, essa é a palavra. E aí a grande surpresa é chegar ao Rio de Janeiro e ver o Rio de Janeiro tomado por uma sede brizolista, ver o Rio de Janeiro que tinha 20 anos atrás eleito o Brizola como deputado federal mais votado da história do Rio de Janeiro, até hoje proporcionalmente. E ai quando a gente chega no Rio de Janeiro, eu estou falando a família, a gente encontra o reconhecimento e ai a gente começa a entender a grandeza do Leonel Brizola para o povo brasileiro e começa a entender o que era aquela demanda reprimida e que se expressava acima de tudo na eleição do Brizola em 82. Tinha uma frase que dizia: Tá com Brizola, ou tá com medo? E era exatamente isso que resumia aquela eleição, o mártir da ditadura militar voltava para disputar uma eleição contra os setores conservadores e reacionários.
Wagner Nabuco: E daí, você estudava?
Brizola Neto: Eu tinha cinco anos de idade, eu era novo, mas eu observava isso, e mais que isso, a gente chegou ali e você tinha aquela elite rancorosa da zona sul do Rio de Janeiro, com quem a gente convivia. A gente chegou morando na zona sul e a gente sofria aquela oposição diária daquele nicho conservador da zona sul carioca que não
aceitava a chegada de alguém como Brizola. E a gente vivia ali no meio daquela contradição. Teve uma coisa que foi importante para mim e que abriu bastante a minha perspectiva de conhecer pessoas, de conhecer gente, que foi um espaço democrático que é a praia, e o Rio de Janeiro tem isso.. São Paulo, você chega aqui, a gente vinha chegando de avião, você olha e tem uma ilha de prosperidade cercada por aquele
mar de periferia. No Rio de Janeiro a coisa é diferente, a coisa é entremeada, todos os bairros do Rio de Janeiro têm uma favela. Todos os bairros da zona sul carioca você tem um morro que se-coloca ali e deixa clara essa contradição. E na praia era um espaço em que todos se encontravam, os ricos, os pobres, ali eu conheci a turma do Cantagalo, ali eu conheci de fato, porque eu conhecia na teoria o que era o brizolão, mas subi o morro e conheci o que era o brizolão do morro do Cantagalo, que era um espaço de libertação daquela população, e mais do isso, o reconhecimento que aquela população tinha daquele espaço, porque nunca nenhum governante tinha dado alguma coisa de qualidade e ali se botou uma escola da mais alta qualidade. Eu comecei a ter a dimensão da importância do Brizola.
Fernando Lavieri: E no colégio você sofreu discriminação por ser neto do Brizola?
Brizola Neto: Sofri bastante discriminação. Num primeiro momento eu estudei em uma escola particular, e nessa escola particular o que havia era o pensamento da zona sul carioca, pensamento elitista, aquela elite raivosa que não suportava ver políticas públicas para pobres, que não suportava ver políticas públicas para a favela. Em muitos momentos a gente chegou a ser estigmatizado sim, como se nunca pertencesse àquilo ali, mas a gente nunca fez questão de pertencer, pelo contrário, chegou um determi-
nado momento que o meu avô me disse: “olha, você tem que estudar em escola pública”. E foi para a escola pública que eu fui, escola pública que tinha na frente da minha casa, escola Cas-telo Novo, e que não devia em nada para o ensino da escola particular. Infelizmente, a gente sabe hoje que a escola pública está cada vez
pior, não consegue mais acompanhar as instituições de ensino particulares, talvez seja mais um dos movimentos de segregação dos pobres e de reserva de mercado para os filhos da elite. Eu continuei depois os meus estudos, fiz o segundo grau em uma escola metodista lá no Rio de Janeiro e ingressei para fazer Direito, que eu não concluí, não concluí o curso de Direito, faltam dois anos ainda.
Wagner Nabuco: Como que você entrou para o embate político? Esse é o seu primeiro
mandato?
Brizola Neto: De deputado federal. Eu tive um manda-
to de vereador, de 2004 a 2006, eu sai no
meio do mandato para ser candidato a depu-
tado federal.
Renato Pompeu Quantos votos você fez como
vereador?
Brizola Neto: Como vereador eu fiz 24 mil e noventa e poucos votos e como deputado foram 62 mil e 90 e poucos votos. Pelo Rio de Janeiro. Eu vivi essa realidade que eu estava falando, de integração, aos 16 anos eu começava a conhecer o que era a grandeza do Leonel Brizola para a população, e principalmente para a população
mais pobre do Rio de Janeiro. Era muito interessante, porque a gente era hostilizado nesses ambientes de classe alta, como era na escola particular; quando a gente subiu o morro, a favela, era uma coisa.interessantíssima, porque eu chegava na casa das famílias, e as famílias tinham a foto do meu avô em casa e eu falava: “Que é isso!” Entendeu, as pessoas me beijavam e diziam: “Deixa eu abraçar o neto do Brizola”. E eu ficava às vezes até assustado com aquilo, eu não compreendia. E esse processo foi muito importante para a gente entender a grandeza de Leonel Brizola.
Wagner Nabuco: Deputado, e a sua base de votação reproduz um pouco a base de votação de seu avô? Ou ela mudou e você tem hoje voto na zona sul?
Brizola Neto: Tenho algum voto na zona sul, mas eu tenho uma votação muito espalhada. Eu não sou campeão de voto em nenhuma zona eleitoral, mas eu tenho voto em todas as zonas eleitorais. Não tem um único município no Estado do Rio de Janeiro que eu não tenha sido votado. A gente até entende um pouco essa lógica, a gente não
trabalha a partir de currais eleitorais, a gente não trabalha a partir de assistencialismo. A gente sabe que existe um legado, a gente sabe que existe um relicário que foi construído por esses anos de luta, por essa biografia, por essa história, por essas realizações todas do Leonel Brizola. As lutas de Leonel Brizola, desde a década de
50, são as mesmas lutas que nós temos hoje.