O ódio, o rancor, o obscurantismo, o desprezo pela Ciência, o descaso pela vida, a absoluta incapacidade de empatia, são os fundamentos sinistros do modus operandi do governo.
O exercício da política em uma democracia pressupõe a possibilidade da divergência e do consenso; o confronto de ideias e, muitas vezes, o enfrentamento entre adversários que têm visões distintas sobre a finalidade última e mais importante da República: encontrar o caminho do bem comum e da justiça social dentro dos princípios pactuados entre a comunidade.
O que se vê hoje no Brasil não é isso. Estamos mergulhados em uma crise sem precedentes, governados por um presidente incapaz de divergir de forma civilizada e republicana. O ódio, o rancor, o obscurantismo, o sentimento de vingança, o desprezo pela Ciência, o descaso pela vida, a absoluta incapacidade de empatia, são os fundamentos sinistros do modus operandi do governo.
O escritor baiano Jorge Amado, deputado constituinte pela bancada comunista em 1946, costumava ressaltar o fato de que, no congresso, os parlamentares de esquerda conviviam, divergiam, debatiam firmemente suas diferenças, com parlamentares de centro e de direita que, a despeito das visões distintas sobre o Brasil, tinham argumentos para o bom combate e o senso de que o interesse nacional deveria pautar o debate público.
O que vemos hoje está longe disso. A estupidez, a incapacidade de argumentar, o proselitismo religioso mais rasteiro, os delírios persecutórios mais tacanhos, são representados por uma extrema-direita absolutamente incapaz, cognitivamente limitada, desprovida de espírito público para pensar algum projeto nacional consistente e soberano.
Estamos vivendo uma conjuntura extremamente difícil. À pandemia da Covid-19 juntou-se o governo Bolsonaro para colocar o Brasil em um labirinto que exige atenção, união, colaboração e espírito público para que encontremos uma saída. Essa tarefa é incompatível com filigranas, vaidades pessoais e algumas intransigências que apenas vão fragilizar o campo progressista em um momento especialmente dramático.
Não podemos abrir mão do SUS, precisamos agilizar a vacinação, é urgente defender o patrimônio público da sanha privatista dos arautos das reformas, é fundamental garantir políticas consistentes e duradouras de bem-estar social que auxiliem os mais necessitados.
A oposição firme ao desmonte de políticas públicas que, com grandes dificuldades, o Brasil estruturou ao longo de décadas e a garantia dos direitos das minorias promovidos pela Constituição de 1988 também precisam da nossa defesa intransigente. O pessimismo não pode nos imobilizar e o otimismo escapista não pode nos afastar da luta. A hora impõe uma postura realista que, reconhecendo as enormes dificuldades da conjuntura, deve nos encaminhar para o combate em nome da soberania do Brasil e dos direitos das brasileiras e brasileiros.
*Chico D’Angelo é médico, professor, deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro e ex-secretário Municipal de Saúde em Niterói (SC).