Conheci Jango na minha adolescência. Ele tinha dez anos a mais. Tínhamos vida de solteiro, ele vinha de São Borja e íamos para vida noturna: boemia (gostava de shows, boates). Eu era funcionário da polícia, tinha força, já chefiava sessão: “Com sua autoridade, vamos entrar em todos os lugares”. Mas, depois de eleito, você, Jango, é que era autoridade, eu não era nada.
Tenho saudades do Jango até hoje. Até hoje, sonho conversando com ele. Várias vezes sonhei, tamanha minha amizade com eles. Os políticos, depois de Jango, não marcaram nada para mim.
Ele era getulista, o pai, Vicente Goulart, era amigo de Getúlio, criou-se no ambiente getulista. Derrubaram Getúlio em 47, Jango ficou revoltado e fez movimento queremista. Depois de 15 anos de governo forte – até ditadura – em 50, com votação extraordinária, volta para a Presidência.
Jango foi Secretário do Interior e Justiça, era presidente estadual do PTB antigo. Depois Ministro do Trabalho. E se meteu na política – “Agora vou entrar na política, no movimento queremista”. Depois, veio Juscelino. Doutor Getúlio, lá já dizia: “Temos que fazer este mineiro presidente. É homem de futuro, temos que elegê-lo Presidente da República”.
Juscelino veio ao Rio Grande, foi à granja, Jango me convocou, começou no Rio e terminou em São Borja. Conheci JK ali. Jango queria que fosse Oswaldo Aranha. Juscelino diz: “Só vou ser Presidente se você for meu vice”. Doutor Oswaldo (grande figura): “Quero você”. E, à meia-noite, tomando uísque, se acertaram.
– Assisti a tudo isto.
O Jango, doutor Getúlio tinha como filho dele; Jango era de casa. E ele dizia sempre para o Jango: “Você tem futuro, vai ser político”.
Jango me contou que, no Rio de Janeiro, naquela reunião antes do suicídio, doutor Getúlio botou carta no bolso do Jango e disse: “Leia no Rio Grande do Sul”. Jango achava que era proclamação. Foi para o Hotel Regente, em Copacabana (se hospedava lá). Quatro e meia da madrugada, Lutero ligou: “Papai se suicidou, está morto”. Jango foi direto ao bolso do casaco, puxou: era a Carta-testamento.
Jango ficou uma fera. Era homem de esquerda, socialista, um homem aberto. Ele se revoltou: “Agora vamos para o pau”. E passou aquela crise violenta, quebra-quebra em Porto Alegre. E seguiu orientação de Vargas. Getúlio queria ele na política e ele acabou se elegendo Vice-Presidente da República.
Terminado aquilo, veio Jânio Quadros. A eleição era separada. Presidente e vice. Jango se elegeu com mais votos do que Jânio. Foi vice de Jânio. Foi fantástico.
Jânio renunciou, Jango estava na China.
Foi formidável o trabalho de Brizola. Ele levantou o Rio Grande do Sul e levantou o Brasil. Foi muito corajoso e nos levou. Só que, quando Jango chegou do Uruguai, tiveram uma discussão: queria que Jango instalasse governo a partir daqui. Jango: “Já me comprometi e vou assumir com parlamentarismo”. Botou Tancredo. Depois fizeram plebiscito: ganhou em 80 por cento. Acho que não foi bom, porque Jango não terminou. As reformas de base eram uma beleza, elogiada por gente que conhecia; mas a pressão contra era muito grande.
O Jango estava fazendo um governo muito bom: reformas de base. Uma reforma agrária que não era violenta; era pacífica. Ele reunia os fazendeiros: “Vocês têm que ceder um pouco; já dei uma fazenda em Mato Grosso para os sem-terra (não era este o nome); tem que ceder um pouco, senão essa gente se revolta”.
E o plano de educação com Darcy Ribeiro… Quem descobriu foi Jango. Ele era apaixonado pelo Jango. Grande pensador; Darcy Ribeiro era uma genial figura. Eu o conheci.
Se tivesse Jango voltado para o país… Figueiredo estava inclinado a deixar ele voltar. Mas ele, infelizmente, faleceu. Até hoje tenho dúvida com a morte de Jango. Foi muita coincidência: em nove meses, morreram três líderes brasileiros – Lacerda, JK e Jango. Vou morrer com essa dúvida… Ele foi envenenado… Alguma coisa fizeram…
O exílio, no início foi bom; mas, no fim, muito ruim. Já havia ameaças. No Uruguai, foi ameaçado. Depois, na Argentina, o general chefe de polícia convidou Jango para ir lá e disse: “Somos favor do senhor, mas não temos condições de garantir a sua segurança. Se cuide”.
Jango me disse: “Não posso ficar no Uruguai, na Argentina. Vou para a Europa. E se voltar, volto para o Brasil, de qualquer jeito, mesmo se for preso. Se não tenho mais condições de viver na América do Sul, vou viver na Europa”.
Primeiro disseram que foi covarde, porque não fez a luta. Sabia que perdia. “Vai morrer gente, nossos irmãos, para pegar governo. Não faço questão. Vamos pagar para ver”. Brizola queria a luta. Ele tinha sentimento muito grande.
Estava afastado, não podia entrar ao país: “Evitei sangue duas vezes neste país. Toninho (assim ele me chamava), a história vai me julgar daqui a 50 ou 100 anos. Vai ver o que fiz e porque não reagir: fazer revolução para me apegar no governo?”.
Vocês são jovens. O Brasil teve um Presidente muito sério: que nunca recebeu salário; que nunca dormiu no Palácio; e não tinha nenhum apego pelas mordomias do cargo.
Confira a entrevista completa abaixo: