Em artigo publicado no jornal O GLOBO no dia 09 de abril de 2009 sobre a polêmica de murar favelas para conter seu crescimento horizontal e proteger as matas, o secretário de Ordem Pública do Rio de Janeiro, Rodrigo Bethlem, diz que estes são os Muros da Cidadania, que preservam as comunidades de baixa renda do adensamento e do crime organizado. No entanto, basta passar pela Avenida Menezes Cortes (Grajaú-Jacarepaguá) para observar que este tipo de medida possui baixa eficácia. Governos anteriores fizeram uma série de contenções numa área de risco da avenida e instalaram cercas para evitar novas ocupações. Em poucos anos, as cercas passaram a servir de paredes e as contenções, de alicerces para novos barracos, devido à falta de fiscalização.
Os muros não garantem o controle da expansão horizontal dessas comunidades, podem servir como paredes para novos barracos e dão vantagem estratégica aos traficantes locais, uma vez que dificultam invasões de grupos rivais e incursões da polícia pela mata. Os traficantes passam a exercer maior controle sobre o seu território, pois os acessos à comunidade passam a ser ainda mais limitados, tal qual uma cidade medieval ou condomínio de classe média.
Não há dúvidas de que é preciso conter o crescimento horizontal e preservar a mata, todavia criar limites para estas comunidades só funciona com a participação das mesmas, com os moradores tendo um papel fiscalizador, tornando-se parceiros da prefeitura. Portanto, a instalação de marcos ou dos chamados eco-limites são mais adequados, pois sua função é informar os moradores sobre dos limites da comunidade, ao contrário da função isoladora dos muros e cercas-vivas. Ainda assim, esta é apenas uma política fiscalizadora de curto prazo que, isolada, perde sua eficácia.
A política dos muros ainda desvia a atenção da sociedade de um problema mais grave e complexo, o do crescimento vertical das favelas. Atualmente a fiscalização do crescimento horizontal é feita por sensoriamento remoto, por meio de aerolevantamentos e imagens de satélite. Porém, este método possui limitações para detectar o crescimento vertical. Quando analisamos uma favela com imagens de satélite, não é possível quantificar com precisão seu processo de verticalização. Em outras palavras, não há como medir a altura das edificações. São centenas ou milhares de lajes que se confundem e dificultam o trabalho de mapeamento.
Para resolver este problema, é preciso destacar os imóveis inspecionados e regularizados pelos técnicos da prefeitura nas imagens de satélite e, ao mesmo tempo, impedir seu crescimento vertical, caso este ofereça risco estrutural ao imóvel. A solução pode estar numa iniciativa isolada da própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente: o telhado verde. Trata-se de um projeto piloto em implantação no morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul, onde, após um processo de impermeabilização da laje, planta-se grama ou até pequenas hortas com hortaliças e/ ou plantas medicinais, mas que também pode ser usado amplamente para conter o crescimento vertical dos imóveis e facilitar a fiscalização por sensoriamento remoto.
A idéia é: após um zoneamento de cada favela onde a prefeitura definiria áreas de risco, gabarito máximo das edificações e normas de ocupação, os imóveis que estivessem dentro das normas estabelecidas seriam contemplados com o telhado verde e georreferenciados por técnicos da prefeitura. Desta forma, daria-se um novo uso a laje, impedindo a construção de novos pavimentos e pouco a pouco lajes verdes começariam a se destacar do restante da favela, o que beneficiaria a comunidade e facilitaria o processo de fiscalização e regularização destes espaços pelo poder público. Entre outros benefícios dessa iniciativa estão: a redução da temperatura interna das casas, redução da suspensão de partículas de poeira e conseqüente diminuição de problemas respiratórios na comunidade, captação da água da chuva pelo telhado verde e seu aproveitamento para uso doméstico nos imóveis beneficiados.
Não há choque ou solução mágica para nossos problemas. Todas as medidas propostas precisam ser acompanhadas por uma política séria para suprir essa demanda habitacional e que mantenha as pessoas próximas aos seus trabalhos, com a devida infra-estrutura. Até mesmo o atual modelo adotado por alguns conjuntos habitacionais precisa ser repensado em função do fenômeno da verticalização. Análises de ortofotos e imagens de satélite de 1999, 2004 e 2007 mostram que muitos conjuntos habitacionais da cidade também sofreram processos de crescimento vertical. A cidade do Rio de Janeiro precisa de planejamento e políticas públicas integradas de médio e longo prazo. Políticas que transcendem o tempo político de um mandato e só se tornam visíveis para a maioria da população, em dez ou mais anos.
A favela faz parte da nossa paisagem e precisa deixar de ser uma mancha vermelha nos mapas da cidade para se tornar parte dela. Seus moradores devem deixar de ser encarados como “favelados”, para serem vistos como cidadãos e, consequentemente, como parte da solução e não do problema. É o desenvolvimento desta identidade cidadã, comum ao “favelado” e ao “morador do asfalto”, aliado à presença do poder público nesses espaços, que vai fazer com que a comunidade seja parceira no processo de fiscalização do seu crescimento e se sinta segura para denunciar o tráfico e a milícia.
Nos próximos quatro anos, podemos murar todas as favelas da cidade com pretensas justificativas de que se tratam de muros de cidadania e empurrar os problemas para os próximos prefeitos e governadores, ou ampliar o debate, estimular a participação popular para planejar, conceber e implementar políticas eficazes visando tornar esta cidade socialmente mais justa através da participação cidadã de todos os cariocas.
Victor Garritano Barone do Nascimento é geógrafo, especialista em Políticas Territoriais no estado do Rio de Janeiro e mestrando em Engenharia Urbana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro