Documentos foram encontrados durante remoção de escombros de reforma realizada na Casa legislativa
Em solenidade realizada no últimmo dia 22, com a presença do presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AlRS), deputado Valdeci Oliveira (PT), foi lançada a obra “Vigília Democrática: 18 dias de sessão permanente na Assembleia”, com pesquisa e organização do Memorial do Legislativo contendo a transcrição da totalidade dos 12 dias de sessão permanente da Assembleia em 1961, durante a resistência liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, à tentativa de golpe promovida pelos militares para impedir a posse do vice-presidente da República, João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
O livro se baseia nas transcrições taquigráficas originais dessa sessão permanente encontrada nos documentos oficiais da Assembleia continha apenas dois dos 12 dias da vigília, instalada pelo então presidente do parlamento, Hélio Carlogmano, logo após o início do movimento de resistência.
A coordenadora do Memorial do Legislativo, Débora Soares, enalteceu o trabalho de pesquisa, feito em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, com os pesquisadores do Memorial e equipe de estagiários e servidores. Ela contou que na passagem dos 50 anos da Legalidade, em 2011, o Memorial buscou incansavelmente os documentos originais daquela sessão permanente. “Tínhamos indícios de que seriam publicados em separata, mas isso nunca aconteceu”, revelou. Em 2019, dois estagiários resgataram as notas taquigráficas que foram encontradas em cofre no setor financeiro da Assembleia.
Em função de uma obra no setor, na remoção dos escombros, os documentos foram enviados ao Memorial. Estavam desde 1961 arquivadas em antigas pastas A-Z, que depois de recuperadas e higienizadas pelo próprio Memorial, estão agora em exposição com as capas correspondentes conforme foram encontradas no cofre.
“É assim que, às vezes, se descobre a história, numa reforma”, saudou a coordenadora, “documentos inéditos foram encontrados e nos 60 anos da Legalidade conseguimos produzir esta obra”. Ela agradeceu o incentivo do ex-presidente da Assembleia, deputado Gabriel Souza (MDB), e o atual presidente, Valdeci Oliveira, que autorizou a impressão do livro.
Cofre “abrigou” documentos originais desde 1961
Responsável pela finalização da pesquisa do livro, o historiador Edilson Amaral Nabarro Júnior, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, cuja dissertação analiza dois períodos distintos da Legalidade – o impacto da renúncia de Jânio Quadros e os momentos de tensão durante a posse de João Goulart – destacou a importância da Campanha da Legalidade tanto para a história institucional da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul quanto para a história do Rio Grande do Sul e do Brasil. “A vigília democrática, que foi como os deputados se referiam a sessão permanente até a posse de João Goulart”, destacou.
Contou que, em 2019, como estagiário no Memorial, acompanhou a chegada dos documentos dentro de um cofre ainda fechado, foi preciso ativar o serviço de manutenção para abri-lo e se depararam com os documentos.
“Era a transcrição completa dos 12 dias da sessão permanente”, lembrou. Até então, os Anais da Assembleia tinham o registro da primeira parte das discussões do dia 25 de agosto, dia da renúncia de Jânio Quadros e também do início das articulações do governador Brizola para impedir o golpe dos militares, atitude que imediatamente mobilizou as forças políticas estaduais e repercutiu na sessão plenária da Assembleia, e a transcrição do dia 11 de agosto.
“Tínhamos uma lacuna”, disse o historiador, que se deparou com três tomos e mais de 1.200 folhas soltas em desordem, que passaram por higienização para conservação dos documentos no Memorial, foram transcritas com a grafia da época e digitalizadas, processo realizado ao longo de seis meses.
Ele comentou que os documentos “não por acaso estavam num cofre”, uma vez que foi dada a autorização na época, pelo presidente Carlomagno, da impressão de separata, após o encerramento da sessão permanente, com a transcrição daqueles 12 dias, “mas a separata nunca foi impressa”, e não se sabem os motivos desse “desaparecimento” dos documentos originais, encontrados 60 anos depois dentro de um cofre na divisão de finanças da Assembleia.
Como historiador, ele cogita nos reflexos da ditadura militar instalada no país três anos depois, em 1964, período em que a Campanha da Legalidade foi condenada ao esquecimento, assim como todos os seus líderes e apoiadores. O próprio governador Leonel Brizola amargou 15 anos de exílio, assim como os deputados Hélio Carlomagno, Lamaison Porto, Moab Caldas e Sereno Chaise tiveram seus mandatos cassados.
Nabarro destacou o fato de o 3º Exército ter apoiado a Legalidade, “raro momento em que o 3º. Exército esteve ao lado das massas populares”, a cassação de deputados e o esquecimento dado à Legalidade no período militar, assunto que passou a ganhar publicidade em livros a partir de 1971, pelo historiador Muniz Bandeira e, mais tarde, em 1986, por Joaquim Felizardo e outros historiadores, a partir de 1997, como o pesquisador Jorge Ferreira.
“De lá para cá, a produção sobre a Legalidade ganhou fôlego”, comemorou. “Os legisladores gaúchos não se mantiveram alheios ao que acontecia. Esta publicação das transcrições originais das sessões históricas surge agora para recolocar o movimento popular liderado por Brizola no seu devido espaço histórico e importância na defesa da democracia”.
Testemunha dos acontecimentos da Legalidade desde o seu início, o jornalista Batista Filho, do Conselho da Associação Riograndense de Imprensa, destacou a importância do resgate da história do movimento cuja essência foi a defesa da democracia, que, na época, foi unanimidade na sociedade e nas instituições, como aconteceu com a Assembleia, “postura que serviu de exemplo ao país”.
Logo após receber um exemplar da obra, o presidente Valdeci Oliveira elogiou a perseverança e o trabalho da equipe do Memorial, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico, e referiu a similaridade da história de 1961 com “a peleia enorme (hoje) para garantir a constitucionalidade e a legalidade democrática do país”. Ele pediu que o livro seja encaminhados às escolas estaduais e outros órgãos públicos, como forma de resgatar essa tentativa de apagamento de um dos mais importantes movimentos históricos patrocinados pelos gaúchos e suas lideranças políticas.
O ato solene no antigo casarão de debates da Assembleia, que hoje abriga o Memorial do Legislativo, foi acompanhado também pelo presidente do Instituto Histórico e Geográfico do RS, Miguel Frederico do Espirito Santo, o historiador Paulo Ricardo e a equipe do Memorial, descendentes dos parlamentares protagonistas da vigília, a diretora de Publicidade da Assembleia, Mariana Martinez, a chefia de gabinete da Presidência da Assembleia. No encerramento, foi tocado o hino que imortalizou o Movimento da Legalidade.