Discurso de Ciro Gomes na comemoração do centenário de Brizola rememorou conquistas e posicionou o partido frente Brasil atual
Na comemoração do centenário de Leonel Brizola, realizada neste domingo – 1º de maio –, na sede nacional do PDT, em Brasília, o pré-candidato à presidência da República e vice-presidente nacional do partido, Ciro Gomes, fez um discurso emocionado em reverência ao eterno líder trabalhista. O ex-governador do Ceará exaltou grandes virtudes e coragem do homenageado, com destaque à maior delas: o enfretamento ao stabelichment e ao sistema viciado e acomodado numa política econômica e social focada no neoliberalismo.
Leia abaixo a íntegra do discurso de Ciro Gomes.
Companheiras e companheiros,
Trabalhadoras e Trabalhadores,
Brizolistas de sempre,
brizolistas eternos!
A trágica pandemia da Covid, que tanta morte, tanta dor e transtorno causou aos brasileiros, fez com que um destes transtornos, pelo menos, virasse uma feliz coincidência.
A coincidência de estarmos celebrando, hoje, no Dia do Trabalhador, a festa de cem anos de um dos maiores brasileiros de todos os tempos – e um dos maiores líderes trabalhistas de todas as épocas.
O pico da pandemia não permitiu que celebrássemos o aniversário do nosso líder no dia 22 de janeiro, mas a mão feliz do destino fez com que o seu -o nosso partido- transferisse esta festa para hoje, Dia do Trabalhador.
Desta forma, Leonel Brizola, um dos poucos humanos que teve o privilégio de escolher seu próprio nome, transforma-se, também, no primeiro grande trabalhador que teve seu aniversário trocado para o dia de glória do trabalho.
Salve Brizola! Salve o Brasil! Salve o Trabalhador! Salve a Trabalhadora!
Celebrar Brizola neste dia é mais que uma coincidência!
Celebrar Brizola no Brasil de hoje é mais que uma necessidade.
É um símbolo de luta, de civismo e cidadania!
Em meio a tantas virtudes deste grande líder, eu gostaria de lembrar inicialmente quatro delas.
E mostrar como elas fazem falta no Brasil de hoje.
Bastaria a lembrança destas virtudes para mostrar a importância de levantarmos o nome e as bandeiras deste grande líder, neste tempo em que o Brasil tanto sofre, tanto perde e tanto se desvirtua.
Estas virtudes são o amor à pátria, o amor à democracia, o amor aos trabalhadores e o amor à educação.
Rendo preito, também, erguendo bem alto a minha voz, a três de suas coragens:
a coragem de lutar pelos mais fracos;
a coragem de enfrentar tormentas;
e a coragem de enfrentar a própria morte para defender os seus valores.
Para defender a democracia e para defender a sua pátria.
Foi esta coragem que o fez entrincheirar-se no Palácio Piratini, em 1961, utilizar a rádio Guaíba, e liderar o movimento garantista mais heroico e exitoso da nossa história mais recente, a lendária Rede da Legalidade.
Ele tinha armas nas mãos, porém a arma que usou foi a arma do verbo e da coragem!
Ele tinha simplórios sacos de areia para usar como escudo, mas o verdadeiro escudo antitanques que utilizou foi a força do convencimento, a força da Constituição, a força da verdade.
Com elas, não apenas convenceu e arregimentou a sociedade civil, mas também importantes comandos militares, que se uniram a ele na resistência ao golpe e garantiram a posse de João Goulart na presidência da República.
A força moral e política de Brizola paralisou os aviões da 5ª Zona Aérea, em Canoas, que haviam recebido ordem de bombardear o palácio.
A força moral e política de Brizola fez com que os tanques que saíram do quartel da Serraria não cercassem o Piratini, mas se dirigissem ao porto e ali ficassem intimidando navios da Marinha que ameaçavam bombardear o Piratini.
A coragem pessoal de Brizola fez com que ele respondesse com rebeldia ao telefonema ameaçador de Costa e Silva e bradasse: “General, ninguém vai dar golpe por telefone”.
A força moral e política de Brizola fez com que o Brasil desfrutasse de um novo governo trabalhista.
Mas como na vida nem tudo são flores, um novo golpe, infelizmente, veio derrubar este governo, três anos depois, em 1964.
Para isso, usaram fuzis, fake news, dinheiro estrangeiro, submissão e conchavos espúrios no Congresso.
A ditadura militar durou 21 anos, teve cinco mandatos militares e se manteve -sob ferro, fogo, tortura e censura- amparada por 16 atos institucionais que feriram e macularam a ordem democrática.
Lembrar, no Brasil de hoje, a saga de Brizola é mais que uma necessidade, trata-se de um dever de todo patriota.
Uma história cheia de vitórias, mas também com algumas derrotas.
Mas sempre a história de um batalhador, de um guerreiro que nunca se rendeu, nem se intimidou.
Não por acaso, Brizola conseguiu o feito, até hoje não repetido por nenhum político brasileiro, de se eleger governador de dois estados diferentes.
Dois estados dos mais importantes do Brasil: o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro.
Quero aproveitar a coincidência desta palavra tão fluídica e poética, “rio”, para usurpar, por breves momentos, os versos do grande Paulinho da Viola.
Para dizer que Brizola foi um rio de democracia que passou na minha, na sua, na vida dos brasileiros, e que nossos corações se deixaram levar por ele.
Esta corrente nos trouxe aqui hoje.
E nos levará sempre na defesa intransigente dos trabalhadores e da democracia!
Nada nos deterá! Ninguém vai interromper a nossa marcha em favor do Brasil e do povo brasileiro!
Nenhum déspota, nenhum fascista, muito menos qualquer demagogo!
Trabalhadoras e trabalhadores,
Quanta tristeza toma conta, hoje, dos lares pobres do Brasil!
Dos lares dos trabalhadores mais humildes, cercados pelo desemprego e o subemprego.
Milhões de ilhas minúsculas ameaçadas por um tsunami de tristeza e de miséria.
Até mesmo o mais terrível fantasma do passado, a inflação, está de volta, elevando o preço de tudo e tirando a comida da boca do trabalhador.
O governo Bolsonaro acaba de bater um recorde: a inflação atingiu o índice anual de 12,03%. O maior em 19 anos. E a do mês de abril foi de 1,73%, a maior, neste mês, em 27 anos.
É uma verdadeira bola de neve, com efeitos nefastos agora e nos próximos meses.
Quem está sofrendo e vai sofrer ainda mais com isso? Os pobres e a classe média. Porque os ricos sempre sabem se defender e todo o sistema está montado para favorecê-los.
Já estamos vivendo um cenário de calamidade. Não por acaso, o trágico palhaço que temos no Planalto faz de tudo para desviar a percepção das pessoas.
Mas nem ele, nem seus factoides sobreviverão!
Temos, hoje, doze milhões de brasileiras e brasileiros que estão desempregados e quase 39 milhões de empregados informais.
E o que já está ruim tende a piorar.
Um estudo divulgado esta semana por uma agência de classificação de risco, projeta que, este ano, o desemprego no Brasil será um dos maiores do mundo.
Neste ranking, que inclui projeções do FMI para 102 países, o Brasil aparece com a 9ª pior estimativa de desemprego no ano – 13,7%.
É uma taxa muito superior à prevista na média global (que é de 7,7%), e entre os emergentes (que é 8,7%), além de ser a segunda maior entre países do G20, atrás apenas da África do Sul.
Os trabalhadores, que já tiveram parte de seus direitos subtraídos no governo Temer, encontram-se mais que nunca maltratados, abandonados e humilhados.
O salário-mínimo do Brasil, hoje em R$ 1.212,00, é o segundo pior da América do Sul.
Perde até para o de países muito mais pobres, como o Paraguai (equivalente a R$1.858) e Bolívia (equivalente a R$1.762). E só supera o da Venezuela (equivalente a R$ 214,00).
Em consequência, o poder de compra dos brasileiros é o menor dos últimos 15 anos.E o nível de endividamento bate todos os recordes.
Segundo dados do Serasa, já temos mais de 65 milhões de brasileiros e brasileiras inadimplentes e chegam a 6 milhões as empresas penduradas no Serasa, o que pode gerar mais 18 milhões de desempregados no curto e médio prazo.
Números mais escabrosos são os do que passam fome ou se alimentam mal neste Brasil de tantos campos férteis.
Calcula-se que 20 milhões de brasileiras e brasileiros padecem de fome e 116 milhões comem menos que o necessário.
É a fome, é a miséria tomando conta de um dos países mais ricos e promissores do mundo.
Minhas amigas e meus amigos,
Por que chegamos a isso?
Vivo fosse, Brizola teria a resposta na ponta da língua e a solução corajosamente nas mãos.
Pela falta de vergonha, pelo entreguismo, pela falta de projeto, pelo comodismo e pela usura de nossas elites política e econômica.
O cenário de terra arrasada moral, política e econômica que estamos vivendo faz parte de um movimento de destruição do Brasil que já se arrasta há décadas.
Tudo isso porque nossos dirigentes -de todas as correntes e de todos os partidos- governaram e governam com a mesma política econômica equivocada e o mesmo sistema de governança corrompido.
Por medo e incompetência, seguiram, de um lado, a cartilha internacional do mundo rico, feita para explorar os mais pobres; e, por outro, a cartilha interna do setor financeiro e das elites corruptas, feita para escravizar o povo.
Aqueles que se diziam de esquerda, apenas douraram a pílula, para diminuir um pouco a miséria e conter a rebeldia do povo.
Optaram pelo que se costuma chamar de “pobrismo”, manejando políticas compensatórias, mas sem implantar um projeto profundo de transformação do país.
Os que se dizem de direita passaram um bom tempo ignorando friamente o povo, e quando se sentiram ameaçados passaram a copiar a cartilha do pobrismo da esquerda falida de ideias.
Mas nem precisavam nenhum esforço para copiar uns aos outros porque, como tenho repetido, praticam há trinta anos a mesma política econômica, o mesmo arremedo de política social e pecam com a mesma falta de vergonha moral.
O tamanho, a profundidade e a renitência da crise que eles geraram, e que já se tornou aguda há mais de uma década, não serão resolvidos com mais do mesmo.
A tarefa do futuro não é só derrotar o fascismo bolsonarista, mas construir uma nova ordem econômica que nos liberte da vassalagem escrava aos agiotas, e da conciliação paralisante que eles fazem, desde muito tempo, com seus representantes na oligarquia política.
É por isso que o Brasil, que já foi o país que mais crescia no mundo, é hoje um dos que menos cresce.
É por isso que o Brasil, que sempre foi um país desigual, vê agora aumentar a desigualdade.
É por isso que somos um dos países que mais se desindustrializa.
Ao longo da década de 2010, mais de 40 mil indústrias, de todos os tamanhos, fecharam as suas portas.
A participação da indústria no PIB encolheu 33%, ceifando mais de 800 mil empregos. E, desde 2019, pelo menos 13 grandes indústrias multinacionais deixaram o Brasil. Entre elas, Ford, Mercedes-Benz, Sony e Roche.
Mas esta desgraceira atinge também o comércio, em especial o pequeno comerciante: do governo Dilma pra cá 350 mil comércios deixaram de existir levando junto esperança e empregos.
Trabalhadoras e trabalhadores,
Vocês, que ao longo da história do mundo sempre foram os que mais sofreram, estão agora, neste infortunado momento brasileiro, sentindo isso ainda mais amargamente na pele.
Veem diminuir o emprego, o salário e, num círculo vicioso infernal, têm os seus direitos subtraídos.
Os governantes de plantão, muito especialmente os governos Temer e Bolsonaro, usaram e continuam usando de todos os pretextos para subtrair os seus direitos básicos e elementares.
Ora fazem chantagem e a política do medo, alardeando os danos da crise econômica que eles mesmo criaram; ora mistificam e manipulam a leitura dos efeitos da virada tecnológica que vive o mundo, sempre fazendo uma propaganda de terror contra o trabalhador.
A Reforma Trabalhista do governo Temer é a síntese perfeita destas distorções. Na medida em que trouxe algumas atualizações necessárias, aproveitou também para praticar golpes profundos contra o trabalhador e contra os sindicatos.
Se eu tiver a confiança dos brasileiros de me tornar presidente, abrirei uma grande mesa de diálogo com os trabalhadores e os empresários para corrigir as distorções e atualizar nossa legislação de acordo com as melhores práticas internacionais.
Saberemos encontrar os meios que reduzam as pragas do desemprego, da precarização absurda do trabalho e do enfraquecimento dos sindicatos.
Saberemos encontrar os meios que deem segurança jurídica aos trabalhadores e empresários e impulsionem o ritmo do crescimento.
Um bom início de discussão é a proposta de alguns sindicatos que me apoiam de limparmos a pauta das 14 ações de inconstitucionalidade que tramitam no STF.
Com os espíritos desarmados, poderíamos trazer esta discussão para a mesa de diálogo, e conseguir que a ação política substitua a sempre lenta e problemática judicialização.
A partir desta etapa poderemos aprofundar discussões mais profundas sobre jornada de trabalho, sobrevivência financeira dos sindicatos, teto de indenizações, entre outros.
Mas tudo, repito, em uma mesa de diálogo entre trabalhadores e empresários, escutando as duas partes e buscando o sempre o difícil, porém possível equilíbrio entre o capital e trabalho, dentro das melhores práticas internacionais de proteção aos trabalhadores.
Aproveito, pois, este momento duplamente simbólico em que celebramos os trabalhadores e o imortal Leonel Brizola para reafirmar meu compromisso com o fortalecimento das entidades sindicais e com garantia de suas estruturas.
Minhas amigas e meus amigos,
Para encerrar, gostaria de voltar ao nosso querido e inesquecível Leonel Brizola.
Enumerei, no início da minha fala, quatro de suas maiores virtudes e três das suas inexcedíveis coragens.
Citei suas virtudes do amor a pátria, do amor à democracia, do amor aos trabalhadores e do amor à educação.
E enalteci três de suas coragens: a coragem de lutar pelos mais fracos; a coragem de enfrentar tormentas; e a coragem de enfrentar a própria morte para defender os seus valores.
Deixei intencionalmente por último a sua grande coragem: a de enfrentar o sistema, de desafiar o establishment, de confrontar os poderosos.
É este tipo de coragem que o Brasil mais cobra e precisa dos seus líderes políticos.
É nela que quero, humildemente, cada vez mais me encaixar e dela continuar fazendo minha profissão de fé.
Já disse hoje a vocês -e tenho repetido incessantemente- que a solução do Brasil não virá de nenhum salvador da pátria, nem da troca de Chico por Maria ou por José.
Virá da troca deste modelo podre, anacrônico e carcomido que está destruindo o país e seu povo. Virá através de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Mas este novo projeto só poderá ser implantado por líderes, como Brizola, que tenham fé, coragem, amor, independência e experiência para transformar este país.
Perante as trabalhadoras e trabalhadores brasileiros e sob a benção e o exemplo de Brizola coloco-me, humildemente, como um voluntário desta grande empreitada.
Quero ser o primeiro servidor público do novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Sei que isto só se concretizará se eu tiver o apoio deste povo maravilhoso.
Para isso, precisamos fazer chegar a este povo querido as nossas ideias, nosso projeto e, sobretudo, precisamos convencê-lo de nossa coragem e sinceridade para concretizar este sonho de um Brasil novo e feliz.
Saiamos as ruas, companheiras e companheiros, e transformemos este grande sonho em realidade.
Viva Brizola! Viva os trabalhadores! Viva o Brasil!