Podemos considerar que a promulgação da Constituição brasileira de 1988 representou o auge processo de restauração do Estado democrático de direito no país, recolocando o exercício da negociação política como elemento fundamental para a consolidação da democracia e apontando caminhos para a justiça social. A ditadura militar, afinal, tinha enfraquecido os órgãos de representação política, estrangulando os canais de exercício da cidadania, aprofundando práticas fisiológicas e clientelistas e privando – apelando para a censura e para a violência – uma geração inteira da participação efetiva no debate público sobre os rumos do país.
Expulsa das ruas pelo arbítrio dos tiranos, a sociedade civil brasileira reencontrou-se como protagonista na condução da nossa história ao tomar as ruas em movimentos como o da campanha da anistia e a luta por diretas já. Aos trancos e barrancos, como gostava de dizer o professor Darcy Ribeiro, o Brasil foi trilhando as veredas que, mesmo cheias de percalços, permitiram que voltássemos a sonhar com um país soberano, generoso, fraterno e respeitador dos direitos fundamentais expressos na Declaração dos Direitos Humanos pactada pela Organização das Nações Unidas.
É esse processo de construção de um país mais justo que se encontra sob ataque frontal das forças extremistas de direita que chegaram ao poder com a eleição de Jair Bolsonaro. A violência, a intolerância, a cultura do ódio, o descompromisso com a vida, a irresponsabilidade ambiental, o flagrante ataque aos direitos que a constituição garantiu às populações originais, as escusas transações que estão sendo desveladas pela CPI da Pandemia, o escárnio, o desrespeito ao trabalho da imprensa livre, a absoluta incapacidade de lidar com o contraditório, se tornaram práticas comuns.
Desde já é importante atentarmos para o que pode acontecer nas eleições de 2022. São inequívocas as demonstrações de descompromisso com a democracia que partem do Palácio do Planalto. É cada vez mais evidente que não bastará derrotar a extrema-direita nas urnas; será fundamental garantir o respeito ao resultado do escrutínio.
Ao mesmo tempo, não adianta derrotar Bolsonaro se não conseguirmos derrotar o processo de dilapidação da soberania brasileira – que se evidencia mais uma vez na criminosa privatização da Eletrobrás, em meio aos riscos de uma grave crise de fornecimento de energia – e a política econômica encarnada nas medidas de rapina da calamitosa gestão de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia.
Uma frente de lutas deve estar articulada à outra. Os combates pela democracia, pela soberania nacional, pela justiça social, pela economia pensada a partir das necessidades do povo, e não dos interesses do mercado, devem estar sempre articulados. Bolsonaro é Paulo Guedes e Paulo Guedes é Bolsonaro.
Há quem acredite que no futuro a História absolverá os justos e condenará os culpados, mas não é isso que importa agora. É o presente que convoca para o bom combate. Ou lutamos hoje ou sequer teremos direito a um futuro, como povo livre e soberano, para avaliar o que está acontecendo no país nestes tempos tristes.
*Chico D’Angelo é deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro