O Brasil vive um momento diferente de tudo que já vimos. Em 1964, tínhamos uma ditadura que alijou a oposição, perseguiu, matou, torturou e implantou uma política de ódio baseado em falso nacionalismo. Um movimento autoritário inclusive; os tanques de guerras tomavam as ruas, os soldados andavam armados em nome da segurança nacional. A luta política naquele momento tinha dois lados: defesa da democracia versus um regime de exceção.
Vivemos um processo muito parecido, mas muito mais sofisticado. Principalmente depois da eleição de Trump nos Estados Unidos, construído graças à inteligência artificial, usando com competência as redes sociais. Foi o caminho inverso, por exemplo, trilhado por seu antecessor na primeira eleição, com uso maciço das redes sociais. Obama foi o primeiro a se valer ostensivamente de suas redes, de forma transparente, democrática e para a construção das discussões mundiais.
Já Trump invocou o sentimento do patriotismo raivoso, atacando de forma direta as minorias e colocando os norte-americanos – assim como Hitler fez com os alemães – em uma espécie de classe superior. Maior potência do mundo, esse discurso baseado em mentiras criado pelo republicano não demorou a ganhar o mundo e criar uma espécie de linhagem de lideranças descoladas da realidade.
No Brasil. A direita saiu do armário. Ela já existia, claro. Na década de 1950, foi essa mesma direita que levou Vargas à atitude extrema de atentar contra a própria vida e evitar o golpe militar. Foram esses mesmos personagens que em 1961 tentaram impedir Jango de assumir a Presidência com a renúncia de Jânio Quadros – e que, grandes ao então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e sua Campanha da Legalidade, garantiram um suspiro democrático até 1964, quando esse mesmo grupo conseguiu, enfim, uma ruptura, afogando o país em mais de vinte anos de regime de exceção. Até hoje contamos os mortos que se levantaram contra a ditadura militar. Uma ferida amarga na história do Brasil.
Em raríssimas exceções, os espectros da política brasileira sempre se desenharam de forma clara: 30% do eleitorado mais à direita; 30% mais à esquerda: e 40% que define a eleição conforme sua tendência, construída com base no discurso dos candidatos.
Dentro desse panorama, vemos que as alianças mais vitoriosas desde a redemocratização são de centro ou centro-esquerda – à exceção de Collor, claro. Itamar, FHC, Lula, Dilma. Todos personagens forjados na esteira da defesa intransigente da democracia. Alguns projetos absolutamente equivocados – como o entreguismo criminoso de FHC -, mas todos balizados no equilíbrio democrático entre as instituições de poder.
Aí veio o golpe contra Dilma em 2016, e esse foi o principal elo entre o Brasil e esta nova realidade – paralela – criada por Trump. Nossos governantes entraram em processo de desmoralização, nossas incompetências foram expostas, e o caminho para o retorno dessa direita, devidamente pavimentado. Desviou-se a atenção da população no discurso falso de combate a corrupção para retirar direitos sociais e de que os problemas políticos deveriam ser combatidos fora da política. Bolsonaro se vendeu como um ser apolítico – mesmo vivendo ele e a família de cargos públicos por décadas. Essa pode ser a confirmação de que o país nunca viveu uma unidade eleitoral, em nenhum espectro. Nossa unidade política é baseada em causas – como a luta contra a ditadura, a favor dos direitos humanos, em torno de uma Constituição com avanços sociais, principalmente no campo progressista. Não tem nome, sobrenome, mas causa.
A unidade do campo progressista precisa estar voltada ao combate do que virou o Brasil de Bolsonaro. A incompetência, a falta de empatia, os ataques severos aos direitos adquiridos, à democracia, às minorias, o retrocesso dos avanços sociais. Hoje temos mais de 250 mil brasileiros mortos em razão do ataque sistemático à ciência emanado por um presidente que mente, boicota medidas sanitárias e até mesmo a vacina, em meio a maior pandemia que a humanidade já viveu.
E afirmo: essa unidade contra Bolsonaro existe. E enxergo em nossa democracia que prevê dois turnos nas eleições presidenciais, a construção de um amplo debate entre todos os campos políticos. No primeiro turno, com partidos e candidatos apresentando seus projetos, suas propostas, e assim, no segundo turno, de forma estratégica, unindo forças dentro do campo progressista e caminhar juntas contra o inimigo comum.
Os números mostram que o bolsonarismo reúne menos da metade dos votos que conquistou com 2018. As eleições municipais de 2020 garantiram uma acachapante derrota desse cinismo eleitoreiro criado por uma onda de discurso de ódio, elencado via redes sociais por inteligência artificial. O STF já confirmou em investigações o acesso pesado desses extremistas a dinheiro estrangeiro de grupos que, com a ascensão de Trump, saíram do armário e tentam descolar grandes potências internacionais da realidade.
O PDT sempre defendeu um projeto nacional desenvolvimentista, uma adaptação ao mundo moderno do que Vargas representou na década de 1930, quando transformou o Brasil Colônia em potência industrial e abriu caminho ao maior salto desenvolvimentista que o país já experimentou. A criação da legislação trabalhista, equilibrando capital e trabalho; a organização de nossas riquezas em grandes empresas que nos trouxeram até um passado recente à sexta maior economia do mundo, entre tantas outras conquistas sociais.
E o PDT acredita que Ciro Gomes hoje é o nome mais preparado para tocar esse projeto defendido pelo trabalhismo. Não se trata de uma simples imposição, mas da união de competências comprovadas ao longo de seu histórico político como ministro de Estado, governador, prefeito de capital e deputado mais votado da história do Brasil. Existe a possibilidade de surgir um nome capaz de empunhar essas bandeiras progressistas com mais força, com capacidade para derrotar Bolsonaro no segundo turno, e estamos completamente abertos ao diálogo.
O momento não permite que outras forças apresentem seus candidatos sem conversar com os demais, achando que o processo já está decidido e pronto. Isso transforma a discussão em uma hegemonia ignorante, com a preocupação apenas de eleger deputados e deixando de lado o verdadeiro combate ao retrocesso que vivemos. A última eleição, por exemplo, mostrou que Bolsonaro ganhava do PT em todos os cenários apresentados pelas pesquisas ainda no primeiro turno.
Darcy Ribeiro já dizia que o dia em que todos os brasileiros tiverem os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, vamos construir uma nação livre e soberana. Unidade só se constrói com base em projetos e livre de nossas vaidades.
*Carlos Lupi é presidente nacional do PDT.