Em meados de 2019, muito antes de o brasileiro ouvir falar do novo coronavírus, Paulo Guedes e seus asseclas apresentaram ao Congresso Nacional três PECs (Proposta de Emenda à Constituição) que englobavam o projeto Mais Brasil. A proposta, que logo ganhou o nome de “PEC do Fim do Mundo”, continha um amontoado de ideias rasas que pregavam o já conhecido ideário neoliberal: arrocho salarial, retirada de direitos e desmonte do Estado, além de medidas que até hoje são motivo de deboche nos corredores do Congresso.
O projeto, que sempre contou com a simpatia do mercado e do fã-clube do Chicago Boy, patinou durante um bom tempo no Congresso Nacional pela inconsistência e depois por causa da pandemia do coronavírus. Sem escapatória, o governo viu o projeto ganhar poeira nas gavetas de Mesa Diretora com a aprovação do Orçamento de Guerra em 2020 e com uma agenda que priorizava a emergência sanitária que assola o Brasil e o mundo.
Mesmo com os números dramáticos, o governo federal, em nome de um fiscalismo, extinguiu o auxílio emergencial no fim de 2020 para milhões de brasileiros que voltaram ao mapa da fome e da extrema pobreza sem perspectiva da retomada econômica e do pleno emprego, já que o negacionismo genocida foi incapaz de colocar em prática uma gestão eficiente e que acelerasse a imunização brasileira.
Pressionado pela sociedade civil, pelo movimento social e sindical, pela imprensa e por partidos do mais amplo espectro político, somados à persistente recessão econômica e ao alto índice de desocupação, a dupla Bolsonaro e Guedes se viu obrigada a retomar o auxílio emergencial, mesmo contrariada.
Sem a menor cerimônia, o governo neofascista de Jair Bolsonaro achou, diante da emergência social, uma oportunidade para chantagear o povo brasileiro de forma cruel e desumana para aprovar as maiores perversidades possíveis e destravar assim sua agenda neoliberal.
A proposta de desvincular os investimentos constitucionais com saúde e educação, em nome de uma tal autonomia orçamentária, representa o fim do pacto de bem-estar social estabelecido na Constituição de 1988, liderada pelo saudoso líder Ulysses Guimarães. A ideia por si só já seria estapafúrdia, mas, quando usada como achaque em troca da volta do auxílio emergencial, isso se torna uma perversidade.
A PEC 186/19 é um remendo de ideias atrasadas e antipovo que visa radicalizar a PEC do Teto, símbolo da agenda neoliberal brasileira. Congelar salários, desmantelar conquistas históricas do serviço público e dos aposentados, desvincular investimento em saúde e educação é novamente jogar a conta da crise criada pelo neoliberalismo no lombo dos trabalhadores.
Guedes e sua turma tentam em uma PEC destruir conquistas de uma geração, que literalmente se entregou com suor e sangue em nome da construção de um país democrático e socialmente mais justo. São os mesmos que sucatearam a CLT com a reforma trabalhista, desmontaram a Previdência com a reforma previdenciária e abriram a porteira com a terceirização e a MP da Liberdade Econômica.
E o resultado foi mais desemprego, queda acentuada na renda e precarização das relações trabalhistas. Tudo para agradar um grupo de especuladores que não tem compromisso nenhum com a nossa nação e com o nosso povo.
Dizer não à PEC 186/19 é uma obrigação de todos os parlamentares que têm algum compromisso com o Brasil, com a Carta Magna e com os rumos da nossa pátria. Errar aprovando uma PEC do Teto é condenável, apoiar a radicalização deste mesmo projeto sacrificando definitivamente o futuro do nosso país é imperdoável. Se aprovada, essa PEC estará atestando o óbito da alma da Constituição liderada pelo Dr. Ulysses.
Destroem o Estado brasileiro, pois não há rumo, projeto ou norte. Fazem remendos em nome da emergência fiscal sem olhar a emergência social que estão agravando a cada dia. Em um momento em que deveríamos estar reafirmando o Estado como a bússola para a saída da crise, tentam nos deixar definitivamente à deriva.
Termino com um trecho do discurso antológico de Ulysses Guimarães após a promulgação da Carta: “Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio. A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. E sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. O Estado de Direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria”, lembrou o grande timoneiro que liderou aquela Constituinte.