A Constituição da República Federativa do Brasil contempla garantias para a livre organização de partidos políticos em nosso país, tanto que já temos aproximadamente 40 instituídos ou em vias de organização. Mas nem sempre foi assim. Na ditadura, instalada em 31 de março de 1964 com a deposição do Presidente João Belchior Marques Goulart e a cassação de lideranças como Leonel de Moura Brizola (então Deputado Federal, sendo o mais votado da história brasileira), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e todas as demais agremiações partidárias foram extintas e deram lugar a apenas duas frentes políticas: o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que reunia facções opositoras ao golpismo imposto contra as instituições e as liberdades democráticas, e a ARENA (Aliança Libertadora Nacional), que reunia grupos políticos conservadores de apoio ao regime ditatorial.
Os trabalhistas sofreram as mais graves e torpes perseguições dos governos militares e mesmo na chamada redemocratização do país passaram por grandes obstáculos para ressurgirem organicamente, pois até então vinham atuando como setor no MDB tendo seus mais expressivos líderes, vivendo as amarguras do exílio. As articulações para a retomada da histórica legenda getulista tiveram, portanto, ressonância no exterior através de contatos e encontros que se estabeleciam entre as lideranças exiladas e os trabalhistas que atuavam no Brasil, clandestinos ou na frente opositora do regime ditatorial. Neste contexto houve amplo encontro entre 15 e 17 de junho de 1979 na cidade de Lisboa, Portugal, reunindo 140 lideranças com o objetivo de acelerar as formalidades de reestruturação do antigo PTB na esteira da Anistia que viria em seguida.
Daquele encontro em Portugal foi editada a “Carta de Lisboa”, da qual colhemos três de suas magníficas lições:
1. “Entendemos a necessidade de um intenso debate para o desenvolvimento constante da democracia e, nós, Trabalhistas, estaremos sempre empenhados em discutir com todas as forças populares e democráticas de nosso país. É por isso que favoreceremos o surgimento de outras organizações, que auspiciamos o aparecimento de outros partidos e que, nas nossas lutas, respeitaremos os seus princípios”.
2. “A experiência histórica nos ensina, de um lado, que nenhum partido pode chegar e se manter no governo sem contar com o povo organizado e, de outro, que as organizações populares não podem realizar suas aspirações sem partidos que as transformem em realidade através do poder de Estado Democrático”.
3. “Analisando a conjuntura brasileira, concluímos pela necessidade de assumirmos a responsabilidade que exige o momento histórico e de convocarmos todas as forças comprometidas com os interesses dos oprimidos, dos marginalizados, de todos os trabalhadores brasileiros, para que nos somemos na tarefa de construção de um partido popular, nacional e democrático, o nosso novo PTB”.
Após cumprir 15 anos e 5 meses de exílio Leonel Brizola retornou ao Brasil em setembro de 1979, tendo nas mãos a “Carta de Lisboa” e as linhas gerais que haviam antecipado para, juntamente com centenas de trabalhistas, reorganizar o partido no qual iniciou politicamente ao lado do Presidente Getúlio Dornelles Vargas. A recepção em Foz do Iguaçu, em 6 de setembro, atraiu milhares de pessoas que celebraram a volta do grande líder à cena política nacional. A contagiante alegria dos trabalhistas, entretanto, não durou mais do que alguns meses. Temendo a pujança que o PTB teria sob o comando de Brizola, considerado legítimo herdeiro do legado de Goulart e Vargas, o governo militar lançou mão de ardilosas manobras jurídicas para entregar a sigla getulista a um grupo de oportunistas liderados por Ivete Vargas, deputada federal por São Paulo que se prestou ao papel de servir ao sistema, permitindo que explorassem vergonhosamente seu parentesco distante (sobrinha neta) com o estadista, além de estimular o surgimento do PT (Partido dos Trabalhadores) comandado por Luiz Inácio Lula da Silva que assume nas décadas seguintes o papel divisionista depreciando a Era Vargas e se impondo em obstáculo como pedra inflada no caminho brizolista.
Aquela artimanha maior do governo militar conhecida como roubo da sigla e arquitetada pelo general Golbery do Couto e Silva, bruxo mor da ditadura, foi repugnante de tal ordem que Leonel Brizola reagiu imediatamente e diante da imprensa rasgou um pedaço de papel contendo as iniciais PTB e anunciou aos prantos que organizaria outro Partido Trabalhista. Com o comovente gesto, Brizola e os trabalhistas leais descartaram qualquer aliança ou conivência com os bajuladores do poder. Os fatos aí relatados, constrangedores para os petebistas ditos modernos, resultaram na criação do PDT (Partido Democrático Trabalhista) que há 40 anos emergiu na conjuntura da redemocratização brasileira inspirando o espetacular poema de Carlos Drummond de Andrade:
Eu vi
“Vi um homem chorar porque lhe negaram o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha porque lhe deram esse direito negado ao outro. Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas.
Vi homicídio que não se praticaram mas que foram autênticos homicídios: o gesto no ar, sem conseqüência, testemunhava a intenção. Vi o poder dos dedos. Mesmo sem puxar gatilho, mesmo sem gatilho a puxar, eles consumaram a morte em pensamento.
Vi a paixão e toda as suas cores. Envolta em diferentes vestes, adornada de complementos distintos, era o mesmo núcleo desesperado, a carne viva; E vi danças festejando a derrota do adversário, e cantos e fogos. Vi o sentido ambíguo de toda festa. Há sempre uma antifesta ao lado, que não se faz sentir, e dói para dentro.
A política, vi as impurezas da política recobrindo sua pureza teórica. Ou o contrário… Se ela é jogo, como pode ser pura? Se ela visa o bem geral, por quê se nutre de combinações e até de fraudes? Vi os discursos…”
Carlos Drummond de Andrade
(Jornal do Brasil, 15/05/1980 – Caderno B – Página 1)
Estruturar o novo partido em pelo menos 1/3 dos estados brasileiros num curto prazo, para ensejar a posse dos eleitos nas eleições de 1982, tornou-se um enorme desafio. No Paraná, o PDT foi organizado sob a presidência do advogado e ex-deputado estadual Jacinto Simões, tendo no Oeste e Sudoeste suas principais bases políticas, regiões nas quais o Trabalhismo foi sempre muito forte especialmente pela atuação de dirigentes e líderes oriundos dos bons tempos de Abilon de Souza Naves e Léo de Almeida Neves, respectivamente senador de saudosa memória falecido em 12 de dezembro de 1959 em plena campanha para o Governo do Estado e brilhante deputado federal cassado pela ditadura em 1966 quando também se apresentava como potencial candidato a governador nas eleições que ocorreriam a seguir.
Carrego com entusiasmo parte deste legado, desde algumas ações como assistente de imprensa nos anos 80 de Jacinto Simões, ou através de iniciativas pioneiras em períodos fechados como os vivenciados com Jaime Lerner e Osmar Dias, quando raramente se podia imaginar atividades de base, até o privilégio de cooperar na gestão de André Menegotto compartilhada com os mandatos do deputado federal Gustavo Fruet e dos deputados Goura Nataraj, Márcio Pacheco e Nelson Luersen que formam a bancada estadual pedetista.
O Partido Democrático Trabalhista é a alternativa dos trabalhadores que dignificam as lutas e conquistas sociais forjadas a partir da Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas à presidência da República. É a continuidade do antigo e bom PTB instituído em 1945, que incorporou as idéias políticas e sociais de Alberto Pasqualini e a visão de sociedade concebida por magníficas obras como “O Povo Brasileiro” do mestre Darcy Ribeiro. Que incorpora nos seus ideais a coerência e coragem de Leonel Brizola e firme persiste empunhando a bandeira desenvolvimentista em torno de Ciro Gomes, sob a firme liderança de Carlos Lupi, para transformar o Brasil numa nação livre e verdadeiramente voltada para seu povo.