A sociedade brasileira assiste indignada aos constantes ataques do presidente da República à ciência, ao bom-senso e à sensatez. Longe de ser um delírio passageiro, as ações e atitudes de Jair Bolsonaro são movidas por um projeto de Poder, que, para muitos, flerta com o desejo irrefutável do restabelecimento de um regime ditatorial no Brasil.
Em meio à pandemia do coronavírus, resguardado pela urgência da sociedade que necessita de ações concretas para a sua proteção, lá está o presidente da República lançando mão de um pacote maldades e atitudes que envergonham o País perante o mundo. Não são poucas as atitudes pessoais do presidente que podem ser classificadas como promoção de genocídio. Basta vermos o que ocorreu nos países que menosprezaram o poder do vírus, como a Itália de Giuseppe Conte e os EUA de Trump.
No meio do pacote governamental de combater o isolamento social, divulgar medicamentos não testados, desqualificar a ciência, afrontar governadores, prefeitos e os outros poderes da República, estão a edição de Medidas Provisórias com escancarados ataques à Constituição Brasileira, em especial às suas cláusulas Pétreas, a exemplo da MP 936, que priva os trabalhadores das suas representações coletivas na imposição unilateral de corte de salários e direitos.
A Constituição é cristalina ao proibir isso: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; […] XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; […] XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; [….] Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: […] III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; […] VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.
Não existe uma única linha na Constituição, pelo contrário, que permita ao empregador impor ao funcionário a redução de seu salário de forma unilateral. Passamos por uma situação diferenciada? Sim, mas é justamente nesses momentos em que o diálogo e negociação (com proteção dos mais fracos) precisa ocorrer da forma mais intensa possível.
O Brasil já passou por situações degradantes em sua História, a exemplo da escravidão, quando a elite justifica a sua manutenção pela sobrevivência da economia. Vamos repetir isso?
Relativizar ou permitir quebra dos preceitos constitucionais maiores da nossa Pátria, conquistados à fórceps pela luta organizada dos trabalhadores, é o primeiro passo para a instauração de um regime ditatorial como a história da Humanidade já nos ensinou. Não podemos admitir interpretações subjetivas para um lado ou para o outro, ao sabor dos interesses de quem for. Como diz o ditado popular, “pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Hoje os alvos são os sindicatos. Amanhã, serão o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Defender e preservar intacta a Constituição Brasileira, ou seja, a democracia, é um dever da sociedade brasileira e das instituições que a integram.
É bom lembrar que, “entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta”.
Desde o início da pandemia, os sindicatos brasileiros já firmaram milhares de acordos e convenções coletivas que salvaram milhares de vidas, preservaram empregos, renda e a sobrevivência das empresas. É um erro asseverar que uma negociação que represente dez, cem ou de mil trabalhadores seja menos ágil do que milhares de acordos individuais. Hoje, poucos dias depois de publicada a MP 936, já se passava de 1.5 milhão o número de trabalhadores com salário e jornada reduzidos ou mesmo suspensão completa de suas atividades. A esmagadora maioria sem a mediação necessária, garantida pela Constituição, de sua entidade de classe representativa.
Os sindicatos possuem ainda inúmeros outros instrumentos que permitem a defesa coletiva dos trabalhadores para a manutenção de sua renda, saúde e emprego, do que as expostas na MP 936. Portanto, excluir os sindicatos da defesa coletiva dos trabalhadores é mais do um risco para a preservação do Estado Democrático de Direito, é um crime e acima de tudo uma estupidez tão grande quanto defender que a terra é plana.
Sem sindicatos não há democracia.
Sem a democracia não existirão judiciário, legislativo e a proteção dos mais fracos.
*Antonio Neto é Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e do PDT na cidade São Paulo