No último dia (4), o Congresso retornou aos trabalhos após o recesso de final de ano. Uma das pautas mais importantes para 2020 é a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Resumidamente, o Fundeb garante um investimento mínimo por aluno da rede básica de ensino (da creche ao Ensino Médio) através de mecanismos de redistribuição entre estados e municípios, além de repasses da União para entes subnacionais. Ou seja, suas regras impactam os recursos disponíveis para a educação em todos os municípios e todos os estados do país. A questão é que, da forma como foi criado, ele seria um fundo temporário e se encerraria no final deste ano.
Pouquíssimas pessoas discordam da necessidade de se prorrogar o Fundeb. Mesmo nesses tempos estranhos em que vivemos, nunca vi ninguém defendendo sua extinção publicamente. O que está em debate são os termos dessa manutenção.
Tramita no momento a PEC 15/2015, que não apenas prorroga, mas torna o Fundeb em um instrumento permanente de financiamento da educação básica. Ela já recebeu cinco propostas de emendas de matrizes ideológicas diferentes:
A emenda apresentada pela bancada do PT tem o mérito de buscar ampliar a base de recursos para o Fundo, em linha com a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação. Há quem argumente que o Brasil já gasta um percentual do PIB mais alto que a média dos países da OCDE, sem que isso tenha levado a uma melhoria em nosso desempenho no Pisa (avaliação internacional que compara sistemas educacionais nos países). No entanto, quando deixamos de lado a régua do PIB para avaliar o investimento em educação, e focamos no valor por aluno, percebemos que nossos estudantes recebem menos da metade do que é investido no estudante médio da OCDE.
Esse quadro é ainda mais grave se considerarmos que, no Brasil, a escola ainda funciona em turnos diferentes. Ou seja, para atender os jovens em tempo integral, como é feito nos países que costumamos admirar, seria necessário construir mais escolas e contratar ainda mais professores. Além disso, o que fica escondido quando olhamos apenas a posição no ranking do Pisa é o fato de que a gente vem combatendo o problema histórico de evasão escolar: estamos resgatando e trazendo de volta estudantes que haviam abandonado a escola.
A tese dos próprios especialistas da OCDE é a de que, se nossa pontuação média se manteve estável nos últimos anos, isso provavelmente encobre avanços em partes do nosso sistema, que ficam diluídos pelo mal desempenho de alunos em situação de grave vulnerabilidade que nem ao menos eram testados antes e hoje estão incluídos na escola. Por tudo isso, defendemos a tese de que precisaremos de mais investimento em educação nos próximos anos. E de que, além dos recursos, precisamos de políticas específicas que objetivem a melhoria da qualidade da educação no país.
Chegamos então às duas emendas de autoria dos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES). São duas emendas curtinhas: uma que visa um aumento nos repasses da União (menos substancial do que a proposta do PT; confesso que não entrei nos cálculos para formar uma opinião sobre a viabilidade ou suficiência de cada proposta) e outra que estabelece novos critérios para a redistribuição de recursos. Hoje, o cálculo é feito levando-se em conta a quantidade de matrículas em cada rede. A proposta apresentada pelos deputados propõe que sejam levados em conta outros fatores como “evolução significativa em processos e resultados educacionais, considerando o nível socioeconômico dos alunos e visando à redução das desigualdades em cada rede”.
O que ainda não está claro é: se por um lado eles têm a redução de desigualdades dentro da rede como um horizonte a ser alcançado, por outro, nos parece que uma distribuição de recursos que premie os que conseguem avançar tem como efeito colateral o aumento da desigualdade entre redes. Na justificativa desta emenda, citam o caso do estado do Ceará como exemplo nesse tipo de gestão de recursos, acrescentando que a reforma gerencial vem “acompanhada da adoção de uma série de outras boas práticas e incentivos para a melhoria do desempenho educacional”. Falta avançarem um pouco mais nesse desenho, mas talvez isso, de fato, seja trabalho para um outro instrumento e não nas regras de funcionamento do fundo.
Felipe Rigoni apresenta ainda uma terceira emenda, que toca em outro aspecto importante: o controle social do gasto com educação. O deputado propõe que a prestação de contas sobre todo recurso do Fundeb, independente de sua origem, seja feita de forma padronizada e publicada de forma. Isso daria maior transparência sobre como os recursos são utilizados e permitiria comparações entre diferentes estados e municípios, para que gestores públicos possam aprender com soluções bem sucedidas em locais de perfil semelhante aos seus. A emenda do PT, em contrapartida, propõe que o controle seja feito por conselhos. Essa solução é insuficiente para as demandas por transparência que existem hoje em nossa sociedade.
Por fim, temos a emenda apresentada por Thiago Mitraud (NOVO-MG) e Marcelo Calero (CID-RJ). Na contramão de tudo que foi apresentado anteriormente e, baseados somente em argumentos falaciosos, propõem que o recurso do Fundeb seja utilizado para o financiamento de instituições privadas, incluindo as de fins lucrativos. Na justificativa, alegam que “a razão central da política educacional é o aluno educado e não a estrutura escolar estatal”. Até aí, podemos até concordar. Provavelmente discordamos do que significa um aluno educado, que, em nossa visão, vai muito além de sua performance em teste, mas deixemos isso de lado por hoje.
A questão principal é que a solução apresentada é que sejam selecionados alunos para receber bolsas em escolas privadas, ou que determinadas escolas “conveniadas” recebam financiamento público para atender crianças de famílias de maior vulnerabilidade social. Na melhor das hipóteses, o problema é que a política educacional deixa de ser universal: em vez de caminhar no sentido de prover uma educação melhor para TODOS os brasileiros, ela fomenta ainda maior desigualdade, dando acesso a educação de qualidade para uns, enquanto exclui outros. Na pior, é uma transferência de recursos públicos para instituições privadas, sem nenhuma garantia de melhoria na educação. Lembrando que essas instituições privadas podem ter sócios ou acionistas que não tem necessariamente qualquer compromisso com o Brasil e apenas visam o lucro, que pode muito bem ser investido em outro lugar do globo. Não negamos que é possível que alguns alunos se beneficiem dessa política. Mas, tanto nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde implementaram ideias semelhantes há décadas, há inúmeros estudos que mostram que ela, definitivamente, não é uma solução para elevar a qualidade da educação como um todo e é disso que o Brasil precisa.
Embora o FUNDEB seja matéria exclusivamente do Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — com destaque para as Comissões permanentes de Educação e de Ciência e Tecnologia — também tem repercutido a importância da manutenção desse fundo. No fim do ano passado, o deputado Waldeck Carneiro (PT), que é professor da Universidade Federal Fluminense, protocolou um projeto de lei que versa sobre a criação de uma campanha em defesa do FUNDEB.
Também no ano passado, o atual presidente da Comissão de Educação do Legislativo fluminense, o deputado Flávio Serafini (PSOL), promoveu uma audiência pública para discutir a importância do fundo. Na ocasião, participaram da discussão diversos deputados, vereadores, secretários municipais de Educação, movimentos estudantis, sindicatos professorais e a autora da proposta de emenda constitucional nº 15/2015.
Encerramos, então, lembrando que 2020 é ano de eleições municipais e que, portanto, as atividades no Congresso ficam agitadas e apertadas pelo cronograma eleitoral. É importante ficarmos de olho e nos organizarmos para pressionar que as novas regras estabelecidas sejam do interesse público: a melhoria de todo o sistema educacional brasileiro. Isso requer (1) a garantia de recursos suficientes, (2) gestão profissional e transparente desses recursos, e muito se beneficiaria de (3) instrumentos para que os diferentes entes da federação possam cooperar entre si.
*Movimento Trabalhista Pela Educação ( MTPE – Municipal Rio de Janeiro)