Ex-prefeito da cidade gaúcha de Canoas, o jornalista Jairo Jorge conheceu o presidente João Goulart, na medida em que estudou história para entender politicamente o Brasil e a imagem de Jango que ficou para ele como presidente deposto, que foi um grande democrata, ligado às origens do trabalhismo. Esta é uma convicção adquirida, ao mergulhar na história, que desfaz completamente a versão da direita de que Jango foi um homem vacilante.
Na medida em que estudou e foi conhecendo melhor Jango, a sua admiração pelo presidente trabalhista cresceu: “Considero-o um dos grandes heróis de nossa Nação”. E explica o por quê: “O presidente João Goulart foi um humanista; um homem que amou o Brasil acima de qualquer coisa; homem despojado, que acreditava na democracia e era democrata por essência”.
A campanha da Legalidade pela posse de Jango – movimento nacional liderado por Leonel Brizola, a partir do Rio Grande do Sul – “foi a grande afirmação da democracia brasileira, um grande momento da Nação na defesa do estado democrático de direito e, ao mesmo tempo, de afirmação de nossa soberania”.
As reformas de base de Jango, na opinião de Jairo Jorge, “são absolutamente atuais” e necessárias, porque ainda não foram feitas apesar de serem fundamentais. “O Brasil precisa até hoje das reformas tributária, política, urbana e educacional, além da agrária – pela qual ele tanto se empenhou”, argumentou.
A agenda de Jango era reformista e transformadora para colocar o Brasil no caminho correto, dando nele um choque de civilidade e humanismo.
“É claro que esta agenda estava na contramão de outros interesses que acabaram sendo predominantes: interesses que procuravam atrelar o Brasil”, disse, explicando que Jango tentou construir o centro político, mas não conseguiu por conta da polarização na época entre direita e esquerda. “Ele estava absolutamente certo quando tentou construir um centro democrático”, caminho que até hoje os brasileiros anseiam.
“Jango estava à frente do seu tempo ao defender bandeiras atuais e necessárias que o Brasil de hoje, do século 21, precisa recolocar na sua agenda: reformas estruturantes; reformas de base”, complementou.
Ao definir o governo Jango como “reformista, democrático e transformador, que defendia o Brasil”, Jairo Jorge destacou: “João Goulart era um democrata, homem de diálogo; um homem que amava o povo. Ele foi o primeiro ministro do trabalho que chamou os trabalhadores para dentro do ministério. Ele era um homem que tinha paciência de ouvir o povo e isto ele levou para dentro da Presidência da República”.
Já os vencedores de 64, intolerantes, tentaram subverter este fato, acusando-o de ser incapaz de tomar decisões. “Ao contrário, o presidente João Goulart foi um homem de decisões. E de decisões a favor daqueles que mais precisavam: os mais humildes – a quem ele respeitava; a quem ouvia; a quem ele sempre teve a sensibilidade de procurar conhecer desde as sua origens em São Borja”.
Jairo Jorge frisou: “Por isto seu governo orgulha os brasileiros, apesar de abreviado, interrompido”.
João Goulart morreu no exílio porque seu governo “olhou para o povo, foi democrático, fez a diferença”. Diferença importante – ainda mais nos dias de hoje, acrescentou – pelo fato da democracia estar novamente sob ameaça “aqui e no mundo”.
Na sua opinião, por isto, é importante olhar o passado, olhar para a História, principalmente para os momentos em que a democracia foi afetada. Jairo Jorge entende que não podem ser esquecidos os tempos do fascismo e do nazismo e do surgimento, aqui na América Latina, de ditaduras que levaram vários países às trevas da repressão. “É importante que os jovens saibam que o que fazemos agora [este depoimento] era impossível”.
Ditadura, na sua visão, não é modelo para o Brasil nem para nenhuma nação, porque a democracia “é o remédio para a democracia”. Lembrou que as ditaduras militares ceifaram uma geração não só no Brasil, como na Argentina, no Uruguai, no Chile – e praticamente em toda América Latina. E Jango, por defender o Brasil, foi alijado do poder e teve que partir para o exílio com sua família.
“Não podemos esquecer o que aconteceu para não repetir erros como o dos que foram às ruas na época para defender a ditadura”.
E, como exemplo, citou Carlos Lacerda, ferrenho opositor do Trabalhismo:
“Carlos Lacerda atacava o governo legítimo de João Goulart, como atacara o de Getúlio Vargas; atacava Leonel Brizola. E o que aconteceu? Ele foi vítima exatamente do regime que gerou: da ditadura. Foi cassado e também morreu – assim como Juscelino Kubitschek; assim como João Goulart – de forma suspeita”.
Destacou também que Jango, no governo, defendia a soberania nacional, “que não é dizer amém, bater continência para os interesses de outros países”. Soberania é essencial, “mas hoje tem muita gente que não entende isto. Se não tivermos capacidade para pensar a soberania, não teremos futuro”.
Usou como exemplo o caminho em que o Brasil estava trilhando antes de Michel Temer assumir, através do BRICS e de suas relações com a China, Rússia, Índia e África do Sul – antes da deposição da presidente Dilma: “Buscava-se a afirmação desta soberania no Governo João Goulart”, comparou.
“Esta bandeira não pode ser perdida, não pode ser esquecida; é algo que tem que estar no coração, principalmente, dos jovens e daqueles que ainda têm esperança”, destacou.
Ao falar sobre o ser humano Goulart, Jairo Jorge disse que pelo que ele pôde ler, estudar e conhecer de Jango – líder que o intrigava –, “ele era pessoa absolutamente sensível, inteligente, competente, homem que admirava os mais humildes”.
“Jango, à mesa, não se colocava acima das pessoas, mas de igual para igual. Isto é um dom. São características de sua origem humilde, campeira; de pessoa da região das Missões, de São Borja”.
E concluiu: “Ele mostrou isto ao Brasil e esta é a sua grande marca: Jango foi um democrata radical; homem que amava a Democracia, que amava o Brasil”.
Confira a entrevista completa abaixo: