Em tempos de manipulação irresponsável, de um jornalismo tortuoso que em conluio com os interesses mais impudicos à república, resgato a figura singular de José Guimarães Neiva Moreira.
Neiva compreendia perfeitamente que sua função não era apenas informar, mas se utilizar dos jornais, revistas, TVs e rádios para transformar, para dar voz aos despossuídos de informação e direitos, e fazer desses meios de comunicação, notícia que gere ação, e consequentemente mudanças.
Outra premissa essencial do jornalista é de contextualizar os acontecimentos e provocar a sua reflexão, suas implicações, e ser um agente crítico.
Entretanto, atributo essencial e irrenunciável do jornalismo, é ser antes de tudo, um indignado e jamais um resignado. Fazer jornalismo é descortinar os problemas, apontá-los e despir-se da notoriedade barata da manchete corruptível ou manipuladora.
Neiva Moreira reunia esses atributos tão altivos de um jornalista, em sua concepção plena. Nunca olvidou de sua tarefa, muitas vezes solitária, de dar voz aos renegados e marginalizados pela grande imprensa, que seguem o desígnio torpe de ser parte do sistema perverso e da manutenção de nossas desigualdades.
Jornalista, intelectual, político, em suas múltiplas faces, destaca-se o seu arrojo e pioneirismo, como por exemplo, em plena Guerra Fria ousou enxergar além dos horizontes impostos pelos protagonistas da bipolarização mundial.
Criador da revista Cadernos do Terceiro Mundo deu notoriedade ao processo de desenvolvimento da África massacrada, roubada, e vilipendiada pelos europeus. Mergulhou nas grandes causas do Oriente Médio, em suas culturas e seus desafios, revelou a face da brutalidade e selvageria das guerras civis na emancipação de Moçambique e Angola, dentre outros conflitos.
Fez-se escutar personalidades como Nelson Mandela, Yasser Arafat, José Ramos Horta, Xanana Gusmão, quando estes ainda eram rotulados pejorativamente pelos barões do embuste midiático.
Congregava dentro de sua atuação dois princípios – ética e paixão-, num jornalismo que serviu como referência no debate intelectual e na reflexão das raízes das desigualdades, e na luta pela soberania e na autodeterminação dos povos.
Neiva era nacionalista por essência. Liderou a Frente Parlamentar Nacionalista – antes do golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart – e por conseqüência foi levado ao exílio, transformando-o em um cidadão do mundo.
Combativo em seu jornalismo enfrentou as ditaduras em nosso continente. Como um contestador nato lutou o bom combate, se solidarizou e se irmanou às mazelas dos povos do terceiro mundo.
Cepa ilustre do jornalismo e do trabalhismo deixa um legado de honradez e de reflexão às gerações vindouras e disso tudo podemos concluir que é possível sim, um mundo mais igualitário, mais humano e com um jornalismo mais decente.
*Henrique Matthiesen é Bacharel em Direito e professor de formação política na Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini(FLB-AP).